quinta-feira, 5 de março de 2015

RIO EM GUERRA XXII

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o vêem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


Toma corpo na PMERJ, agora oficialmente, a tese da carreira única de soldado a coronel, já com o primeiro debate marcado para este mês e restrito a 130 participantes (oficiais e praças), creio que ativos e inativos, já que não há nenhuma restrição no texto do Boletim.

Devo parabenizar a iniciativa dos diálogos, o que é sempre bom, mas guardo minhas dúvidas quanto à praticidade dele no sistema militarizado e hierarquizado da corporação.

Lembro até de um comandante de batalhão, na extinta PMRJ, que reunia democraticamente seus oficiais para lhes ouvir a opinião sobre assuntos de quartel. Mas, ao fim e ao cabo, ele decidia sozinho...

Vida de caserna é assim, piramidal, e pautada na hierarquia e na disciplina, desde os remotos tempos em que os exércitos se formaram para a conquista ou a defesa de territórios. Essa estrutura hierárquico-piramidal, muito anterior ao calendário cristão, era levada ao extremo pelos generais, e sucessivamente até o soldado, cuja função era a de morrer na linha de frente das batalhas. E se delas tentasse escapar, era fuzilado. E em muitos exércitos mundo afora, mesmo em tempo de paz, a quebra de hierarquia é punida com a morte.

Hoje os exércitos dependem da ciência e da tecnologia bem mais que de efetivos massificados. Mas estes ainda são imprescindíveis ao funcionamento de uma força de infantes, e esta força deve ser hierarquizada para que as tropas se distribuam em frações no terreno e cumpram suas missões sempre a comando, e este deve ser incontestável, sob pena de se perder a guerra. Enfim, na essência nada mudou de Sun Tzu para cá, nem as decapitações, que são usuais nos exércitos extremistas islâmicos, valendo para inimigos e para traidores e desertores.

É compreensível, entretanto, que o modelo estrutural da PMERJ seja questionado, o que vale para as demais PPMM pátrias que atuam diuturnamente na manutenção da ordem pública. Por outro lado, abundam exemplos, em países ocidentais, de boa atuação de Forças de Segurança militarizadas e hierarquizadas no controle da criminalidade. Diferem, porém, das PPMM, porque todas exercitam o ciclo completo de polícia em seus países, ou seja, abarcam as atividades de polícia administrativa e judiciária.

No Brasil não é assim, as PPMM são capengas, limitadas, assim como as Polícias Civis o são, e ambas se atropelam até em circunstâncias constrangedoras, fazendo ouvidos moucos as autoridades que fiscalizam ou deveriam fiscalizar o desempenho de ambas no contexto do Ministério Público e do Poder Judiciário. Quanto à briosa, e por analogia invencível, lá está no Art. 55 do CPPM a função fiscalizadora do Ministério Público em vista da hierarquia e da disciplina: Art. 55. Cabe ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como bases da organização das Forças Armadas.

A questão das “meias polícias” no Brasil, atuando num mesmo ambiente, vem gerando dissensões extremas, porém ignoradas por aqueles que deveriam rever o modelo nacional de segurança pública de modo a transformá-lo num verdadeiro sistema.

Hoje inexiste no país um sistema nacional de segurança pública desdobrado em subsistemas estaduais e municipais, com todos eles afinados, tais como prescreve a Teoria de Sistemas, que não mais carece de explicação, todos sabem. Também é notório que nenhuma PM pode alterar sua estrutura de força auxiliar do Exército Brasileiro sem o aval da União, conforme prescreve imperativamente o Inciso XXI do Art. 22, caput, da CRFB. Enfim, nenhuma PM pátria está autorizada a descumprir a Carta Magna, e a carreira única que se apresenta à discussão no âmbito interno da PMERJ, – já gerando incertezas externas, – e a carreira única, com uma só porta de entrada para o soldado, parece-me ideia sem chance de prosperar.

Até mesmo se fosse medida nacional, ela estaria fadada ao insucesso, pois, no fundo, sugere não apenas o achatamento da pirâmide hierárquica, mas a criação de um túnel estreito que pode levar as PPMM à entropia e ao desaparecimento, tal como vem sugerindo a PEC 51 do Senador da República Lindberg Farias, cujo texto é de assumida autoria do antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, notório e assumido “eurocomunista” no seu polêmico livro “Meu casaco de general: 500 dias no front da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro” (Cia. das Letras, 2000).

Também é sintomático que a iniciativa da PMERJ venha por um caminho que “cheira” ao estudioso em questão, muito articulado na mídia e autor dos polêmicos textos “Elite da Tropa”, coadjuvados por ex-integrantes do BOPE quase todos atualmente acolhidos pelo poderoso sistema Globo. Porque, como disse em outras palavras o Físico Quântico Leo Smolin, Prêmio Nobel de Física, tudo que se liga ao ser humano e às suas atividades é “processo”, portanto difere da fria avaliação de um abridor de latas, mesmo que se listando todas as suas propriedades. No primeiro caso, do “processo”, o futuro jamais será o mesmo. No segundo caso, sabemos antes, o abridor de latas permanecerá imutável em suas características até enferrujar e desaparecer do mundo. Enfim, não creio que a ideia em foco seja fruto de abiogênese...

Não participarei dos debates internos, embora os considere uma ótima iniciativa da atual gestão, que parece disposta a cutucar o vespeiro. Arrisco-me, porém, a conjecturar que a sugestão não deve ter agradado em nada aos oficiais, em especial aos atuais tenentes, capitães e majores. Inseriria aqui os cadetes, que, embora não tenham voz ativa, no íntimo não se devem ter agradado da revolucionária inovação posta pela PMERJ no centro da sala como um bode teimoso.

Mas já que o bode se concretizou, deixo aqui um tosco desenho para tentar demonstrar como seria a PMERJ de hoje, não com tanta simetria, e como ela talvez seja no futuro: um elevador sem espaço, com uma longa fila mista querendo subir a um só tempo ao último andar: aos empuxões. Enfim, um vagão de trem da Central do Brasil em horário de rush...




 Por outro lado, admito estar totalmente equivocado. Mas como me cabe, até por vício, questionar, aí está o que penso e que se coaduna com meus comentários quando o assunto foi difundido pelo Jornal O DIA (texto no meu blog, sob o título: RIO EM GUERRA VIII)

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