sexta-feira, 6 de março de 2015

RIO EM GUERRA XXIII

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

"G1

06/03/2015 07h21 - Atualizado em 06/03/2015 07h42

Após protesto por morte de morador, clima é tranquilo em Pilares, Rio

Marcos dos Santos Silva foi baleado enquanto iria para padaria.

Polícia afirma que foi recebida a tiros e revidou.

Durante a madrugada desta sexta-feira (6) ainda havia restos de barricadas e viaturas da PM reforçavam a segurança na Rua João Ribeiro, em Pilares, Zona Norte do Rio. O motivo do protesto realizado por moradores foi a morte de um jovem durante uma ação policial na comunidade do Engenho da Rainha, também na Zona Norte.

Marcos dos Santos Silva, de 19 anos, foi levado para o Hospital Salgado Filho, mas não resistiu. Segundo parentes, Marcos fazia bicos como ajudante de obras e tinha ido à padaria, quando foi baleado pelos policiais.

“Vieram uns policiais em um carro particular e atiraram nele e em outro menino que tava na rua. Ele pediu socorro ao rapaz da padaria, o padeiro falou que não podia fazer nada.  Tiraram as roupas dele e saíram com ele pendurado só de cueca, botaram dentro do caveirão. Dentro do caveirão fizeram mais quatro disparos”, disse uma parente de Marcos.

Ainda segundo moradores, um jovem identificado como Leon foi atingido na barriga e levado para o mesmo hospital. Os jovens foram baleados na subida de uma das vias da região. Apesar da manifestação a situação era tranquila na noite de quinta-feira (5).

A Polícia Militar afirma que o episódio teria sido um confronto entre suspeitos e PMs. Policiais teriam sido atacados por um grupo de criminosos durante uma operação. Além dos dois baleados, um suspeito foi preso. Ainda de acordo com uma nota da corporação, o grupo estava com armas, drogas e um radiotransmissor. O caso será investigado pela delegacia do Engenho Novo.”


MEU COMENTÁRIO

Noto, não é de hoje, que as ocorrências desastrosas, além de aparentemente desnecessárias, acabam desmerecendo o trabalho de milhares de PMs em todo o RJ. Porque no interior não saem notícias policiais locais, a não ser em municípios maiores. Mesmo assim, os jornais locais nem sempre cobrem ações policiais. Daí é que o leitor do interior também lê notícias negativas nos jornais da capital, e a elas reagem desconfiando dos PMs que policiam suas localidades. Isto se reflete muito mal no espírito dos PMs interioranos, o que acaba gerando antipatias gratuitas de lado a lado.

Com o foco na propaganda e na contrapropaganda como arma, eu diria que essas notícias pontuais, tais como a que aqui sublinho e desdobro em inferência pessoal, são generalizadas na mente dos leitores e se desdobram em comentários depreciativos em barbearias, botecos e esquinas interioranas (técnica da “generalização brilhante”).

Já o Grande Rio pode ser posto como espécie de “meio caminho”, pois embora haja jornais locais projetando notícias de relevo, na parte policial prendem-se aos fatos que lhes dizem respeito mais diretamente, quase sempre por ser aspecto negativo. E lá ainda estão os grandes jornais somando às notícias locais matérias ruins à imagem da PMERJ. Ou seja, basta uma ocorrência desastrosa para estragar tudo de um extremo ao outro do RJ. E o pior é que elas estão a mais e mais constantes...

Ora, A PMERJ possui regulamentos que, embora carcomidos pelo tempo e quiçá esquecidos, continuam em vigor, eis que não foram anulados. Dentre eles, salvo erro, destaco o Manual Básico do Policial Militar (M-4), que no seu artigo de nº 146 prescreve: “A ação em favelas deve ser executada com duas viaturas do PATAMO, no mínimo.” E num seguinte (Art. 150) determina que quando houver a ação de duas ou mais viaturas do PATAMO o comando será exercido por oficial subalterno: “(...) quando for utilizada mais de uma viatura PATAMO para o patrulhamento em conjunto, o comandante será um Oficial Subalterno".

Acontece que desde muito tempo se tornou lugar-comum a ausência do oficial subalterno nessas circunstâncias, e corriqueira, em espécie de clichê, a explicação de guarnições envolvidas em ocorrências em favelas que culminam na morte de alguém, seja bandido, seja inocente: Polícia afirma que foi recebida a tiros e revidou.”

Vamos analisar...

Os roteiros e setores de policiamento ostensivo das guarnições de radiopatrulha não são dentro de favelas. As viaturas de PATAMO são adstritas às ordens do comando da UOp e rodam na área do batalhão. No máximo, circulam em periferia de favelas. E quando se trata desta situação, não se admite pôr as guarnições em risco. No fim de contas, é evidente e sabida a superioridade de forças dos traficantes em relação aos efetivos da PMERJ fracionados para aumentar a frequência do patrulhamento. Deste modo, quando essas pequenas guarnições dizem (sempre) que foram “recebidas a tiros”, jamais admitindo a iniciativa do ataque, isto é no mínimo estranho. E se agem inobservando as normas mínimas do M-4, somente isto implica a necessidade de explicação, mas talvez não por parte das guarnições...

A verdade é que as guarnições que agem em favelas sem UPPs somente poderiam fazê-lo mediante Ordem de Serviço, nos termos regulamentares. Presume-se, sim, que uma guarnição composta por duas viaturas de PATAMO tenha sempre comando de oficial subalterno, este que, no mínimo, deve receber ordem do seu comandante de UOp, mesmo que verbal, para agir em alguma favela. Se não for assim, se este mínimo exigido for ignorado, a tendência é a do desastre, que se pode resumir na morte de PMs ou de pessoas inocentes, pois a inferioridade de força leva os homens ao extremo da agressividade e da violência, tais como “feras acuadas”.

Creio que a regra do M-4 deva servir também aos efetivos que atuam em UPP. Enfim, mesmo a pé, em muitas situações de terreno impraticável ao uso de viaturas, haveriam de haver no mínimo duas guarnições de PATAMOS a comando de oficial subalterno, sendo certo que o regulamento fala em “mais de uma”. Isto permite supor a presença de efetivos mais numerosos e nunca menores que o mínimo determinado para efetivos embarcados (cinco homens: um sargento comandante, um cabo auxiliar e três soldados, sendo um o motorista da guarnição, podendo variar, desde que garantidos os princípios hierárquicos e disciplinares).

Por isso, quando ocorre algum fato desastroso, como o noticiado, o primeiro passo é observar como causa primeira o formato inicial e posterior das guarnições; e depois, sim, deve-se saber como se deu a sequencia das ações, para ver se as regras mínimas traçadas pelo M-4 foram observadas. Por outro lado, não se trata de cobrar do efetivo nenhuma responsabilidade, posto ser bem possível que a tropa atual desconheça o M-4, datado de 1987, assim como é natural que até os oficiais comandantes não estejam atentos à existência do manual. Ele está defasado, sim, mas, se não estou errado, está em vigor, e poderia ser revisto e difundido à tropa de modo a não mais abrir espaços a interpretações subjetivas como as resumidas ao clichê: “Polícia afirma que foi recebida a tiros e revidou.“

Ora, nem ao mar nem à montanha!...




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