segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Rio em Guerra



Em 1989 também era assim...

G1 Rio, em 16 de janeiro de 2015

{Beltrame diz que Rio enfrenta uma 'nação' de criminosos

Secretário disse que mais de 4 mil foram presos em cerca de 3 meses.

Ocupação do Chapadão e do Juramento estão descartadas neste momento.


O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou, em entrevista à GloboNews, na manhã desta segunda-feira (26), que as polícias Militar e Civil estão atuando no combate ao crime do Rio de Janeiro e já efetuou milhares de prisões nos últimos meses, mas enfatizou que o Rio de Janeiro possui uma “nação” de criminosos atualmente. Segundo ele, do dia 7 de novembro até o dia 25 de janeiro deste ano a PM prendeu 4.410 pessoas, apreendeu 65 fuzis, 578 pistolas, 539 revólveres e 54 granadas.

“Essas balas perdidas elas foram, na maioria das vezes, provocadas por traficantes. Não foi em confronto a polícia, com exceção desse caso agora da Rocinha. Isso é da natureza dessa verdadeira nação de criminosos que se criou no Rio de Janeiro. Digo uma nação porque são pessoas que tem uma ideologia de facção, pessoas que te um desapego e uma irresponsabilidade total pela vida humana”, afirmou.


Ainda de acordo com o secretário, não é possível ocupar áreas como o conjunto de favelas do Chapadão e do Juramento neste momento. "Não podemos tomar a atitude de fazer uma ocupação e não poder sustentá-la. O que nós podemos fazer são operações policiais que têm resultado temporário. Isso sim está sendo feito e continuará sendo feito. Aquelas armas que foram aprendidas no Juramento são o inimigo número um do Rio de Janeiro”, destacou Beltrame.


Doze vítimas de balas perdidas


Nos últimos dias, 12 pessoas foram atingidas por balas perdidas na Região Metropolitana do Rio. Na madrugada desta segunda-feira (26) Sandra Costa dos Santos foi atingida quando estava dormindo em sua casa, localizada na Rua Amanajó, em Bangu, Zona Oeste do Rio. Segundo a filha da vítima, Taís Costa, o tiro acertou a cabeça de sua mãe. Ela foi socorrida e até as 12h o estado de saúde da paciente era considerado estável.


Durante a madrugada, uma menina de 12 anos foi vítima de bala perdida no Morro do Chapadão, em Costa Barros, no Subúrbio do Rio. A criança estava na Rua Javatá, onde mora, quando foi atingida

No domingo (25), uma mulher morreu depois de ser baleada durante uma troca de tiros entre policiais e traficantes na Favela da Rocinha, em São Conrado, Zona Sul do Rio. A vítima chegou a ser levada para o Hospital Miguel Couto, mas não resistiu aos ferimentos.


Quatro pessoas foram feridas no sábado (24) em várias regiões.


Um menino de 15 anos que estava passando férias na casa de uma tia em Niterói foi baleado no braço. Ele estava no playground dentro de um condomínio quando foi atingido. No mesmo dia, outras duas pessoas foram ferida em São Gonçalo e uma mulher foi ferida quando passava por uma rua próximo ao Morro do Juramento.

Na tarde de sexta-feira (23), Edilton de Jesus dos Santos, 20 anos, foi atingido por uma bala perdida enquanto estava na plateia do Mundial de Skate Bowl no Parque de Madureira, no Subúrbio do Rio. Na quinta (22), William Robaiana da Silva, de 35 anos, foi baleado em Santa Cruz e Lavínia Crisciullo, de 3 anos, foi atingida no Centro do Rio.


No final de semana retrasado, a menina Larissa Carvalho, de 4 anos, morreu após ser baleada na cabeça quando saía de um restaurante com o mãe e o padrasto em Bangu, na Zona Oeste do Rio. No domingo (18), o menino Asafe Ibrahim, de 9 anos, foi baleado na cabeça na área da piscina do Sesi de Honório Gurgel, no Subúrbio. Ele chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos.}

Meu comentário


O que mudou de 1989 para cá?


Assumi o comando do Nono Batalhão (Rocha Miranda) em abril de 1989. O cenário daquela época, que já não era dos melhores, difere do atual em algumas circunstâncias mais relevantes que outras. Em muitos pontos, todavia, os fenômenos são os mesmos e os métodos policiais de ação se repetem como irmãos siameses. A primeira circunstância que eu destacaria é a constatação do acerto da pesquisa de Manuel López-Rey, juiz de direito espanhol aposentado e professor de criminologia.


O estudioso percorreu o mundo, sob os auspícios da ONU, pesquisando em minúcias o fenômeno criminoso, abrangendo do adolescente ao adulto, incluindo o estudo das penas e as condições do seu cumprimento em sistemas prisionais de muitos países. De sua meticulosa pesquisa fundamentada em estatísticas seguras surgiu um primoroso texto intitulado “O CRIME”, editado em inglês, espanhol, português e possivelmente em outras línguas.


Do seu relato extraio alguns ensinamentos que servem bem aos dias atuais. A eles me reporto em minhas palavras: o crime evoluiu em extensão e profundidade mundo afora; o crime é um sentimento inerente ao ser humano, tal como o amor e o ódio; em sendo inerente ao ser humano, a tendência do crime é a de existir sempre e aumentar em quantidade na razão direta do aumento populacional; o crime não se prende muito a fatores sociais e econômicos do modo como muitos defendem, a ponto de igualarem pobres a criminosos; porém, em havendo o progresso o crime cuida de se sofisticar utilizando maximamente a ciência e a tecnologia. Põe-se, deste modo, mais veloz que o Estado, cuja função-síntese é prestar segurança, mas não investe o suficiente nem prioriza esta função-síntese; o crime é um fenômeno sociopolítico, ou seja, a sociedade é quem determina o que seja crime e seu respectivo castigo, único modo de controlar o fenômeno fugindo das ideologias que costumam privilegiar criminosos.


Aconselho os leitores a pesquisar no Google e resgatar o texto completo da obra de Manuel López-Rey, que é de domínio público. Aqui nos interessa apenas constatar que nada mudou de 1989 para cá em matéria de crime, a não ser pela sofisticação dos métodos e pelo aberrante uso de material bélico de maior poder ofensivo; ou seja, de material típico de Forças Armadas e de Operações Especiais. Em 1989, a tropa da PMERJ e o contingente da PCERJ portavam revólveres calibre 38 mm. Hoje os policiais portam pistolas de 40 mm e fuzis de muitos calibres. Portavam também metralhadoras 9mm e 45mm, boas porcarias, por sinal, tanto as armas como a munição, que, para variar, era insuficiente para o treinamento e até para suprir o serviço. E complementava este armamento a escopeta calibre 12 mm. Hoje a predominância é a do fuzil de longo alcance, tanto em mãos de policiais como em mãos de bandidos, sem muita diferença quanto à maior ou menor habilidade de ambos: a maioria treinou pouco ou nada com essas armas. E quase nenhum dos atiradores sabe que estrago o projétil causará no ambiente e nas pessoas. Sim, a maioria não está nem aí para tal detalhe, e até se justifica, pois os policiais estão sempre arriscando a pele e na dúvida “farinha pouca meu pirão primeiro”...


Vejo assim:


O Estado deveria ser mais prudente ao distribuir armamento de guerra para uso policial em confrontos urbanos. Há ainda de se considerar primeiramente a habilidade com armas curtas, que são comuns a todos os policiais. Já os fuzis deveriam ser distribuídos com maior critério, o que seguramente não ocorre, eles passam de mão em mão na troca do serviço e nada garante que a tropa que o carrega saiba utilizá-los com a devida perícia. Quanto à prudência, fico com a certeza de que ela não se integra à cultura da PMERJ faz tempo, não sendo justo culpar o presente, é lixo acumulado por muitos lixeiros que não fizeram o dever de casa no passado.

A PMERJ deveria ser mais diligente no treinamento e na reciclagem da tropa em todo o RJ. Arrisco-me, porém, a afirmar que não é diligente coisa nenhuma, e me defendo com a afirmação do próprio comandante-geral, que assim se posicionou ao assumir o comando da corporação neste mês de janeiro. Prometeu inclusive reformular este cenário dramático da falta de treinamento em todos os sentidos e não apenas em relação ao armamento, que, diferentemente de 1989, é de guerra cruenta. Mas em 1989, durante o meu comando à frente do Nono Batalhão, a tropa logrou apreender o primeiro fuzil de guerra estrangeiro, a versão civil do M-16, o Fuzil AR-15. Na época (pasmem!) o fato causou estupor mundial, foi notícia no New York Times. Hoje não é notícia nem em tabloide. Eu prognostiquei, na época, que o futuro seria sombrio...




Ora bem, as críticas jornalísticas são bem-vindas! Mas não devem tornar um mito às avessas pondo culpa de tudo nas UPPs. Afinal, as tentativas de pacificação são recentes e abrangem apenas parte da tropa. E nem todas as UPPs apresentam problemas graves como a Rocinha e o Complexo do Alemão, dois lugares emblemáticos e de difícil controle. Preocupa-me a abordagem jornalística centrando seu fogaréu nas UPPs, como é caso da matéria da Revista VEJA sobre a morte do capitão Uanderson (vide post anterior), fato gravíssimo, sem dúvida, mas que não deve se tornar marco de fracasso de todo um programa que vem sendo levado a sério pela instituição PMERJ, embora careça, sim, de muitas mudanças de rumo, o que é normal em qualquer administração pública ou privada. É possível até admitir que o programa não vingue, mas isto não é problema, começa-se outro até do zero a partir dos erros e dos acertos das UPPs, ou se corrige o rumo de algumas delas. Mas elas não devem ser reduzidas à condição de vilãs da história. No fim de contas, muitas vidas de policiais já se contabilizam neste complicado contexto. Sim, complicado, mas nem por isso deve se tornar mais uma derrota frente ao crime, este que é antes de tudo um problema da sociedade e de seus políticos e jamais será resolvido apenas com ações policiais.


2 comentários:

Anônimo disse...

Apenas o que mudou foram o aumento das leis que inibem a açao de cada policial. Se nao trabalhar com cautela vai ficar preso e rua. O caldeirão tá fervendo muito.

Anônimo disse...

Emir disse:

Tem razão! E exemplo marcante desta falta de critério operacional e da hesitação da tropa poderia aqui ser resumido naquele episódio na Rocinha, quando dois PMs apanharam pancadas e não reagiram em cena humilhante. Foram levados à presença do Beltrame para receber cumprimentos por não terem reagido numa situação além do crime de desacato. O nome disso é lenidade...