segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

BALA PERDIDA





De quem é a culpa?

Parece praga, foram quatro crianças atingidas por balas perdidas durante a semana última, não importando aqui de que armas saíram, tanto faz, são tiroteios de tudo que é modo: polícia contra bandido, bandido contra bandido, bandido contra polícia...

A primeira impressão que nos deixa, numa avaliação superficial e conveniente, é a de que as balas saíram de armas policiais. E aí o assunto não morre, as cobranças midiáticas florescem em feracidade estupenda. Mas quando a bala inelutavelmente sai da arma do bandido, em especial nos confrontos entre facções rivais, com a ausência da polícia, aí a notícia rola em marcha lenta e dobra a primeira esquina.

Ora, essas balas perdidas, frutos de total irresponsabilidade de quem porta a arma assassina, deveria ter como variável causa não o tiro em si, mas o porte ilegal da arma. Mas se for arma de guerra, a punição deveria ser rigorosíssima somente por isso. É o que mais se vê no RJ: bandidos portando fuzis de guerra nas favelas (não somente da Capital). E do outro lado, como contrapartida absurda, aumenta o uso desbragado de fuzis na polícia, a ponto de no interior, onde nada acontece além de briga de vizinhos e furto de galináceos, lá estão os policiais com seus fuzis pendurados ao corpo, mais parecendo estorvo, um peso a mais a lhes danificar a coluna.

Destaca-se neste caso a PMERJ, já que no interior bucólico os policiais civis saem pouco da DP. Pior é que os PMs fazem o que passou a ser moda na corporação: “operação visibilidade”, sem qualquer preocupação em saber onde estão os meliantes, que sempre existem, e onde os traficantes discretamente vendem drogas, tudo ao pé deles. Enfim, policiamento inútil e geralmente arrogante, por isso detestado pela população interiorana, mas que ainda consegue ser mais detestável ao sair da inércia para efetuar blitze endereçadas a pessoas que as guarnições estão cansadas de conhecer e saber que são do bem.

Não estou especulando, sou residente e domiciliado no interior, e por questão de segurança omito aqui a localização. Mas é lá que vejo a “banda azul e branca” passar com seus instrumentos desafinados, e decerto a população sabe bem mais onde está o crime acontecendo do que eles, os PMs, sendo certo que os cidadãos não se aproximam dos policiais, civis ou militares, para lhes informar nada, e os policiais não cuidam também de trocar impressões com os cidadãos, mal os cumprimentam, ficando ambas as partes como duas montanhas inertes na paisagem interiorana. E não é diferente nos grandes centros, o PM não se comunica com o cidadão, com a ressalva de raríssimas exceções.

Claro que num ambiente em que a “proximidade policial” é invariavelmente repressiva, ou seja, antipática ao cidadão comum e ordeiro, cria-se um nuvem espessa na interação polícia-público, com vantagem para os criminosos, que agem exatamente no interior desta nuvem do anonimato. Claro que a nuvem serve também para facilitar os encontros furtivos entre um lado e outro (polícia-bandido) para ajustes de contas financeiras. Ou então servem aos confrontos à margem da lei. Os resultados desses confrontos estão aí resumidos em “balas perdidas”; e são “perdidas” exatamente porque saem de armas envoltas em nuvens plúmbeas e raramente recebem a luz do deslinde. Ficam então as vítimas por conta de famílias enlutadas, que só recebem agressões: ou da polícia destreinada e grosseira, ou de bandidos que por sua natureza são irresponsáveis.

Há quem defenda que tudo é assim, ruim assim, porque a sociedade é clientelista, desorganizada, desmobilizada em relação à prevenção e à repressão ao crime. E o Estado, paternalista, reprime ainda mais os cidadãos para lhes demonstrar seu “incansável labor protetor”, por sinal sempre com discursos de “mais investimentos na polícia”, ou seja, mais torneiras do erário a serem abertas sem que se saiba para onde realmente vai o deságue dos suados tributos públicos. E enquanto seguir assim, com todos (polícia e público ordeiro) enganando e se fingindo enganados, ou se conformando, as balas perdidas continuarão com o anonimato de seus atiradores garantido.

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