De quem é a
culpa?
Parece
praga, foram quatro crianças atingidas por balas perdidas durante a semana
última, não importando aqui de que armas saíram, tanto faz, são tiroteios de
tudo que é modo: polícia contra bandido, bandido contra bandido, bandido contra
polícia...
A primeira
impressão que nos deixa, numa avaliação superficial e conveniente, é a de que
as balas saíram de armas policiais. E aí o assunto não morre, as cobranças
midiáticas florescem em feracidade estupenda. Mas quando a bala inelutavelmente
sai da arma do bandido, em especial nos confrontos entre facções rivais, com a ausência
da polícia, aí a notícia rola em marcha lenta e dobra a primeira esquina.
Ora, essas
balas perdidas, frutos de total irresponsabilidade de quem porta a arma assassina,
deveria ter como variável causa não o tiro em si, mas o porte ilegal da arma. Mas
se for arma de guerra, a punição deveria ser rigorosíssima somente por isso. É
o que mais se vê no RJ: bandidos portando fuzis de guerra nas favelas (não somente
da Capital). E do outro lado, como contrapartida absurda, aumenta o uso
desbragado de fuzis na polícia, a ponto de no interior, onde nada acontece além
de briga de vizinhos e furto de galináceos, lá estão os policiais com seus
fuzis pendurados ao corpo, mais parecendo estorvo, um peso a mais a lhes
danificar a coluna.
Destaca-se
neste caso a PMERJ, já que no interior bucólico os policiais civis saem pouco
da DP. Pior é que os PMs fazem o que passou a ser moda na corporação: “operação
visibilidade”, sem qualquer preocupação em saber onde estão os meliantes, que
sempre existem, e onde os traficantes discretamente vendem drogas, tudo ao pé
deles. Enfim, policiamento inútil e geralmente arrogante, por isso detestado
pela população interiorana, mas que ainda consegue ser mais detestável ao sair
da inércia para efetuar blitze endereçadas a pessoas que as guarnições estão
cansadas de conhecer e saber que são do bem.
Não estou
especulando, sou residente e domiciliado no interior, e por questão de
segurança omito aqui a localização. Mas é lá que vejo a “banda azul e branca”
passar com seus instrumentos desafinados, e decerto a população sabe bem mais
onde está o crime acontecendo do que eles, os PMs, sendo certo que os cidadãos
não se aproximam dos policiais, civis ou militares, para lhes informar nada, e
os policiais não cuidam também de trocar impressões com os cidadãos, mal os
cumprimentam, ficando ambas as partes como duas montanhas inertes na paisagem
interiorana. E não é diferente nos grandes centros, o PM não se comunica com o
cidadão, com a ressalva de raríssimas exceções.
Claro que
num ambiente em que a “proximidade policial” é invariavelmente repressiva, ou
seja, antipática ao cidadão comum e ordeiro, cria-se um nuvem espessa na
interação polícia-público, com vantagem para os criminosos, que agem exatamente
no interior desta nuvem do anonimato. Claro que a nuvem serve também para facilitar
os encontros furtivos entre um lado e outro (polícia-bandido) para ajustes de
contas financeiras. Ou então servem aos confrontos à margem da lei. Os resultados
desses confrontos estão aí resumidos em “balas perdidas”; e são “perdidas”
exatamente porque saem de armas envoltas em nuvens plúmbeas e raramente recebem
a luz do deslinde. Ficam então as vítimas por conta de famílias enlutadas, que
só recebem agressões: ou da polícia destreinada e grosseira, ou de bandidos que
por sua natureza são irresponsáveis.
Há quem
defenda que tudo é assim, ruim assim, porque a sociedade é clientelista,
desorganizada, desmobilizada em relação à prevenção e à repressão ao crime. E o
Estado, paternalista, reprime ainda mais os cidadãos para lhes demonstrar seu
“incansável labor protetor”, por sinal sempre com discursos de “mais
investimentos na polícia”, ou seja, mais torneiras do erário a serem abertas
sem que se saiba para onde realmente vai o deságue dos suados tributos
públicos. E enquanto seguir assim, com todos (polícia e público ordeiro)
enganando e se fingindo enganados, ou se conformando, as balas perdidas
continuarão com o anonimato de seus atiradores garantido.
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