domingo, 18 de janeiro de 2015

O novo comandante-geral






'Vamos reconstruir a Polícia Militar', garante Pinheiro Neto

Foto:  Alexandre Brum / Agência O Dia

Já no centro das atenções, as entrevistas do novo comandante-geral à imprensa estão claras, concisas e precisas, sem floreios, e com um norte bem definido. Contenta-me deveras, como impertinente avaliador das coisas que ocorrem na corporação, este primeiro momento de intenções institucionais. Sim, o novo comandante não se esqueceu de nada, de nenhum ponto. Talvez devesse aprofundar um pouco a questão da formação, mas ao relevar a reciclagem já demonstra que a formação é subsistema deste outro, ou seja, é um só sistema (formação-reciclagem).

Egresso do BOPE, tropa de operações especiais que conta com a minha máxima admiração porque tive a honra de na antiga PMRJ ter sido instrutor de Comando na Escola de Formação de Oficiais (EsFO) e de ter integrado, como tenente, junto com outros tenentes, o primeiro Pelotão de Operações Especiais treme-terra, comandado pelo saudoso Major PM Homero Barreto. Mas foi como instrutor da EsFO por anos seguidos, e por servir na Companhia Escola de Recrutas (hoje é CEFAP), é que pude formar um grupo de oficiais, graduados e praças (Diabos Verdes) que muito orgulho deu à antiga PMRJ. Antes desta fase, somente o instrutor da EsFO cuidava de ensinar o Emprego Tático de Unidades Especiais, e depois os mais destacados nas turmas eram escolhidos como novos instrutores desta específica cadeira. Eis como ingressei nesta especial “cadeia alimentar” feita de “mamíferos especiais” extraídos de turmas seguintes, até formar um grupo coeso e treinado, que passou a disseminar conhecimentos e práticas de “Comando, Busca, Resgate e Sobrevivência na Selva”: Os “Diabos Verdes”.

Foram muitos cursos, muitas horas em treinamento de tiro instintivo noturno e diurno (revólver 38, metralhadora INA cal. 45, fuzis FO da PM e FAL emprestado pelo Exército); também aulas de artes marciais, de operações anfíbias, de alpinismo (transposição de obstáculos), de armadilhas para caça de animais e pessoas, de ofidismo, de explosivos (alguns treinamentos feitos na ESIE do EB) etc. E muitas pistas de aplicação que preparavam o homem para ser um autêntico combatente. Mas o grupo foi além e estendeu suas atividades aos cursos de cabos e sargentos, além dos cadetes. E teria chegado aonde o atual BOPE chegou, com certeza, pois tínhamos legitimidade para criar o nosso brevê dos “Diabos Verdes”, em alusão ao uniforme camuflado que usávamos nos treinamentos.

Por conta de muito sacrifício do grupo, aqui me obrigo a nominar parte dele que está ainda viva na minha memória: Ten Wilton Soares Ribeiro, Ten João de Souza Barreto Filho, Ten Lucídio Motta Leal, Ten Ricardo da Silveira Furtado, Ten Orimar Saraiva Lirio, Ten Humberto Mauro de Oliveira, Ten Paulo José, Ten Adailton, Ten Guilherme, Ten Sérgio Santos Lopes, Sgt Icaro Leal Silva, Sgt Tenório, Sgt Wanderlei, Sgt João Carlos, cabo Ventapane, e muitos outros que se esforçaram conosco nas instruções de quartéis e de selva, e também nas atividades em zonas urbanas. E, por conta disso, posso acrescentar que fui honrado em comandar um pelotão da PMRJ incorporado em solenidade a uma Companhia de Infantaria do antigo 3º Regimento de Infantaria do Exército Brasileiro, em ação real contra guerrilha urbana e rural na região de Itaboraí e adjacências, num contexto que envolveu o antigo Primeiro Exército. Explica-se assim o porquê de eu ter no BOPE um espelho que atravesso e me leva ao passado de muitas lutas e muitas glórias.

Sou fã incondicional do BOPE, sim, mas também sei do valor da numerosa tropa normal, também especial, que cuida do cotidiano da prevenção e da repressão ao crime na manutenção da ordem pública, enfrentando desde partos em viatura a tiroteios que muito ferem e matam os integrantes desta abnegada tropa. E está certo o novo comandante quando afirma que a tropa normal receberá treinamento intensivo. Porque é imperativo o resgate urgente duma cultura operacional que anda esquecida. Mas esta reciclagem há de ser profunda, porque não basta ao policial atirar bem, ele precisa retomar a confiança na arma curta para permitir que fuzis não continuem tão banalizados. Ora, é esdrúxulo um PM portar fuzil sem ter jamais atirado com ele durante toda a sua carreira. Afirmo-o convicto, assim como presumo que a maioria da tropa não sabe atirar com arma curta nos moldes exigidos.

Treinamento de tiro custa caro, munição é onerosa, mas a PMERJ pode montar uma estrutura de recarga e equipes técnicas a atenderem maximamente ao treinamento da tropa em todo o RJ, assim como já passou a hora de reavivar os manuais de instrução, em tal quantidade que permita ao PM, individualmente, possuir sua biblioteca funcional em casa. Ah, hoje ela não existe nem nos quartéis, a gráfica foi fechada, mas garanto existir na briosa gente capaz de atualizar os manuais e criar outros em reprodução de literatura estrangeira adaptada à nossa realidade. O que não se pode é continuar ignorando o desconhecimento total do PM quanto ao que seja um fuzil, embora ele o ostente nas ruas com o garbo de quem sabe tudo, mas não sabe nada. E o fuzil nas mãos o faz esquecer de que porta uma pistola na cinta...

Coisa simples, aparentemente simples, mas só o será se o novo comandante for além do exercício de chefe militar e se tornar um líder. Condições de legitimidade ele possui de sobra. No fim de contas, ele é “Caveira” que demonstra possuir intelectualidade administrativa para exercitar um comando conceitual e estratégico, de modo que os âmbitos tático e operacional reflitam no intermédio e na ponta de linha as suas ideias. E as primeiras externadas em entrevistas estão a demonstrar que ele chegou sabendo como rearrumar as peças do complexo tabuleiro chamado PMERJ. Espero que ele cumpra fielmente o que promete e não faça como outros que prometeram e não cumpriram, levando a corporação ao caos que ele, o novo comandante-geral, admite existir e se propõe a enfrentar. A nós só nos cabe torcer pelo sucesso dele, sem, porém, deixar de criticar construtivamente os desvios de rota. Pois um comentário crítico, em sendo construtivo, deve sempre ser bem-vindo.

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