sábado, 5 de julho de 2014

Teoria do combate ao crime III

As leis, a doutrina e a ética na PMERJ

Tendo a ética permeando tudo, pelo menos em hipótese, existem dois referenciais para a PMERJ atuar na manutenção da ordem pública: as leis federais e estaduais que a regulam e a doutrina pátria que a rege. Todos enfim, são subsistemas de um só sistema e conhecê-los bem é primeira condição antes de a PMERJ se arrumar internamente e ir às ruas. Falo aqui na instituição lembrando, porém, que nenhuma organização é capaz de funcionar sem a ação das pessoas que a integram. É a partir de iniciativas pessoais que a estrutura caminha para atingir seus fins. No caso da PMERJ, é a manutenção da ordem pública (situação), como polícia administrativa de segurança pública (instrumental de garantia da ordem pública), o seu grande objetivo. Mas para atingi-lo, como organização pública, a PMERJ deve observar pelo menos seis variáveis básicas: estrutura, pessoas, tarefas, tecnologia, ambiente e competitividade, não necessariamente nesta ordem.

Poderíamos, numa alegoria, comparar a PMERJ a uma orquestra cujos músicos devam conhecer suas partituras e muito treiná-las para executar cada nota com máxima perfeição. Todavia, esses mesmos músicos não escaparão muitas vezes de ter de tocar de improviso, o que demanda domínio do instrumento e precisão em cada movimento, seja ele qual for. O labor da polícia administrativa é assim: muitas partituras e um sem-número de improvisos que, embora o sejam, não podem jamais desafinar. Enfim, a PMERJ não apenas tem de conhecer as leis penais e contravencionais como também saber como dispor da faculdade denominada Poder de Polícia no seu dia a dia. Significa que mesmo o improviso requer conhecimento profundo da profissão para que não desande o ato de polícia para o abuso de poder.

Sabendo disso, deveria a PMERJ possuir um corpo de conhecimentos grafado em livros e manuais sempre atualizados, para oferecer aos seus integrantes, desde a formação, as condições mínimas de ação na manutenção da ordem pública. Houve época em que era assim, a corporação ensinava e permitia que seus integrantes guardassem os ensinamentos em diversos livros e manuais de instrução para consulta permanente. Havia até gráfica na PMERJ, esta que, paradoxalmente, foi desativada num passe de mágica ou de estupidez de algum comandante-geral “rabo de turma”. Porque não há como explicar nem justificar o absurdo de a PMERJ parar de produzir conhecimentos escritos e atualizados para ofertar à tropa como se fossem partituras a serem treinadas inclusive em casa. Que nada! Tudo se acabou, e o pior é que dezenas de comandantes-gerais sucederam o estúpido e nenhum deles até hoje resgatou a cultura operacional da corporação, que, além de estar defasada em vista dos novos tempos, a que talvez exista é desconhecida pela tropa. Sim, hoje tudo se resume à ordem imediata de quem manda e fim de conversa!...

Como pode, assim, a instituição atender às variáveis básicas acima referidas, em especial no tocante à competitividade? Que diabo de mistério é esse? Até parece que o conhecimento profissional tem de ser restrito a alguns interessados, para que eles se tornem exclusivos “intelectuais de segurança pública”? Ora, parece até a Igreja Católica, nos seus primórdios, esta que se interessava em manter o povo na mais absoluta ignorância para poder manipulá-lo a seu bel-prazer! Muito bem, sou católico, digo logo para que não confundam nem distorçam meus termos, trato aqui de história e não de opinião, e não me cabe culpa por dizer que era assim que a banda tocava: sem partitura além daquela que se mostrava aos músicos e depois eram enfiadas em algum local misterioso. Deste modo, todo o conhecimento deveria ser guardado na cabeça, claro que com a recomendação de não ser repassado para a massa ignara; mas também é claro que alguns mais libertários conseguiam grafar o que memorizavam e assim iam aos poucos disseminando esses conhecimentos. Mas, e o tempo gasto nisso? E os pergaminhos que sumiram?...

Bem, a verdade é que enquanto a tropa da PMERJ “memoriza” o que é dito nos cursos de formação (Deus sabe lá como!), mantém-se em voga, como prevalente na cultura corporativa, o “combate ao crime” em detrimento da prestação de serviços policiais, embora o “combate ao crime” não alcance nem 10% dos serviços que a PMERJ executa no seu cotidiano da prevenção (principal ação) e da repressão (ação secundária) como polícia administrativa de segurança pública. Porque os atendimentos da PMERJ à população são numerosos e multivariados, tais como são os comportamentos sociais, muitos dos quais podem até se apresentar desordenados, reordenando-se naturalmente ou demandando ação policial neste sentido, mesmo que não se configurem como crime. E há os socorros vários que bem explicam não funcionar a PMERJ apenas “combatendo” crimes (raramente no asfalto e sistematicamente em favelas), travando verdadeiras e assustadoras “guerras” contra traficantes organizados militarmente. E como os traficantes assim se apresentam (“soldados do tráfico”), a sociedade exige que a PMERJ faça o mesmo, ou seja, pose para fotos com fuzis de guerra em vielas faveladas, pouco importando o sangue de ambos os lados escorrendo ante a indiferença desta mesma sociedade que exige veementemente o “combate”.

Falo assim para chegar ao seguinte ponto: se o PM conhecesse profundamente sua profissão, ele poderia não apenas se recusar ao desempenho de alguns papéis aqui traduzidos como busca do “kit imprensa”. Aliás, ele mesmo passaria a não se cobrar em reducionismo e teria argumentos para contradizer em todos os campos possíveis, até no judicial, as absurdas ordens que recebe de superiores igualmente ignaros quanto ao exercício profissional. Pois se cada um, superior e subordinado, tivesse em mãos os mesmos compêndios de leis, doutrina e ética, se conhecessem simultaneamente a letra escrita sobre o exercício pleno e profundo da profissão, se guardassem nas algibeiras suas partituras treinadas e constantemente repisadas em horas de instrução permanente e durante a folga, o discurso de ambos seria uno e eles poderiam dar as mãos e formar uma corrente invencível, capaz de pôr em enquadramento seus insensíveis ou acovardados superiores.

O tema não se esgota aqui e tornará com muitos matizes e texturas como: hierarquia e disciplina, plano de carreira etc. Enfim, há muitos assuntos que pretendo iluminar sempre com este título “Teoria do combate ao crime”.

Vamos discutir abertamente o tema a partir desta sucinta exposição?

Que venham os comentários!...


3 comentários:

Tom Telles disse...

Já estava encucado, pois 02 meses sem artigo é muito tempo para quem acompanha o blog.
Bem,ao usar alegoria para ilustrar vosso pensamento nos facilita o entendimento e linha de raciocínio.
Falo por minha experiência ao longo de 14 anos de atividade-fim, a instituição com certa dificuldade, esta percebida poucos anos depois, nos passa no CFSD as seguintes "tatuagens": DISCRIÇÃO, FIDELIDADE E OBEDIÊNCIA! Como o senhor bem diz, há comandante e comandantes, afirmo categoricamente que o QOC contribui hoje para uma policia fragmentada e isolada. A medida que um combatente sobrevive nos primeiros 05 anos e tem oportunidade de sentar num banco acadêmico de ciências sociais, sai de lá completamente DESANIMADO com os rumos da instituição que escolheu, seja por vocação ou motivos pessoais.
Fala-se muito em polícia de proximidade, mas o tratamento equivale as reses irracionais, pois ainda há oficiais que alimentam a teoria que soldado não tem que pensar e sim agir por impulso dentro do ADESTRAMENTO que lhe fora internalizado.
Tive a oportunidade perceber que, quando um soldado busca conhecimento jurídico no mundo acadêmico ele se torna crítico e mais adiante ciente que não passa de um mero número, reduzindo sua MOTIVAÇÃO para com seu ofício nobre.
Passamos hoje por um conflito interno inimaginável há alguns anos, a VAIDADE foi fomentada pelo Executivo com a máxima: o meios justificam o fim!desta feita Mestre Emir, não há preenchimento de 12.000 vagas anuais a toque de caixa que vá prestar serviço de POLICIA ADMINISTRATIVA EFICIENTE.
Fico por aqui com um ensinamento do Gal. Sun Tzu, SE AS TROPAS ESTÃO DESORGANIZADAS, O GENERAL NÃO TEM PRESTÍGIO...

Emir Larangeira disse...

Caro Tom Telles

A sua síntese é perfeita! Infelizmente o pessoal (dirigente) da PMERJ só se preocupa em atender às loucuras de políticos que não sabem para que existe a corporação e usa-a conforme seus interesses político-eleitoreiros geralmente escusos. Já a PMERJ (falo dos dirigentes sempre eventuais) preocupa-se em formar "corpos dóceis" (Vide "Vigiar e Punir" de M. Foucault) exatamente para manipular a tropa como se faz com rebanhos. Daí é que assistimos ao mau funcionamento de um sistema que poderia ser mais eficiente e eficaz se não permitisse tanta interferência de fora à revelia das leis que nos regem e que deveríamos esfregar na cara desses políticos. Mas o interesse individual não corporativo fala mais alto, o divisionismo é aberrante desde a formação das turmas de oficiais na Academia, local onde as disputas meritocráticas predominam e que é nascedouro da sede de poder que acompanha a oficialidade por toda a carreira, com uns que se dedicaram menos aos estudos sempre almejando "dar cangalha" nos outros que estudaram mais. Esperar que a corporação cumpra sua missão constitucional num clima organizacional de disputas insanas é realmente querer muito. Enfim, não sei onde a PMERJ vai parar, ela tem sido paradigma da incompetência, diferentemente de muitas coirmãs que se demonstram coesas e que possuem "espírito de corpo". Mas continuo crendo que o caminho da verdade é o debate franco, como fazemos aqui. De modo que pretendo ir em frente instigando os companheiros a se manifestarem como você fez. Porque pensar e dizer são caminhos para o acerto futuro. Se não houver discussão sincera, e o imediatismo continuar predominando, a entropia nos vencerá e algum dia uma "PEC" qualquer nos exterminará como instituição.

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Confesso que havia decidido a não mais postar comentários quando o assunto fosse Polícia, Segurança Pública, etc, afinal faz 31 anos que não lido com essa atividade e o tempo vai se encarregando de apagar as lembranças, as boas e as ruins; mas posso fazer uma analogia entre a minha antiga função (Policial Militar) com a atual (Profissional de Manutenção Eletromecânica). O profissional de manutenção de equipamentos deve seguir uma rotina básica, normalmente previamente elaborada e baseada em leis da física e procedimentos de segurança, onde a experiência do dia a dia torna tudo mais fácil. Na função de Policial Militar é diferente, você não sabe o que vai encontrar pela frente. Por diversas vezes adentrei numa comunidade a bordo de uma viatura de Patamo ou a pé, sendo recebido a tiros; também já aconteceu de nos depararmos com moradora grávida segurando o "ventre" em vias de dar à luz no meio da rua e é lógico que a socorremos, encaminhando-a ao hospital mais próximo; naquela época (hoje parece que a coisa mudou) também éramos recebidos por moradores com sorriso no rosto pela nossa presença pedindo que voltássemos mais vezes.
Resumindo o papo, não tenho dúvidas que lidar com máquinas é mais fácil que com seres humanos, com seres humanos bandidos fica ainda mais difícil. Um afetuoso abraço com meu respeito e admiração. Paulo Xavier.