Referência/postagem: “PEC-51:
revolução na arquitetura institucional da segurança pública” (Luiz Eduardo
Soares – antropólogo, professor da UERJ)
O assunto é inesgotável e deveras
polêmico, de modo que as abordagens serão aqui fragmentadas, porém sempre com
visão sistêmica (subsistemas de um só sistema), tentativa não tão simples
diante de situação a mais e mais complexa. Porém, mesmo se tratando de
realidade (a PEC 51 existe e deve ser vista pelas PPMM como grave ameaça institucional,
porque, ao fim e ao cabo, extingue estas corporações bicentenárias numa só
canetada), não podemos deixar de pontuar algumas situações com o fim de
facilitar a compreensão do que pretendemos comunicar, já que, pelo que se
infere das circunstâncias com que a PEC-51 tramita no Congresso Nacional, as
PPMM não foram ouvidas.
Mantendo o foco no artigo-mãe gravado
neste blog e acima sublinhado, devo novamente lembrar que os efetivos no
serviço ativo das PPMM em todo o Brasil devem ultrapassar o expressivo
quantitativo de 500 mil oficiais e praças. O militarismo, deste modo, deve ser
posto no âmbito interno das corporações como necessidade, com a ressalva de que
não há no país Polícias Militares iguais; há, sim, semelhanças em virtude de
imposições legais federais, mas cada PM se ajusta aos seus ambientes, sendo
certo, porém, que esta flexibilidade estrutural esbarra na conjuntura firmada
na Carta Magna não apenas no Art. 144, mas também no Inciso XXI do Art. 22
deste diploma legal (“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...) XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de
bombeiros militares;”)
Eis o nó górdio das PPMM, porque
onde está escrito “União” entenda-se Exército Brasileiro (EB). Para mudar a atual
conjuntura é preciso também apagar a prescrição constitucional em sublinha, o
que produzirá, pelo menos em tese, a reação do EB, que ainda hoje conta no seu
Estado-Maior com uma Inspetoria Geral das PPMM viva e atenta. No fim de contas,
uma sublevação de governadores tendo a si alinhadas as PPMM é hipótese sempre
considerada pelo EB porque quase ocorreu no momento crítico de 1964. Ou será
que não? Vê-las descontroladas, sem freios além da vontade dos Estados
Federados, representa para o EB, no mínimo, uma possibilidade de antagonismo
armado...
Bem, que seja pura quimera minha aventar
a hipótese acima...
Outro ponto complicado que noto
no texto em estudo é que o foco da crítica é sobre a PM do Rio de Janeiro (PMERJ).
Esta corporação, – mexida e remexida em vista do deslocamento do Distrito
Federal (PMDF) para Brasília, partindo-se esta em duas com a simultânea criação
do Estado da Guanabara (PMEG) e posteriormente atropelada junto com a PMRJ pela
Fusão da GB com o RJ, decorrendo daí a PMERJ em mistura heterogêna, – esta
corporação não serve muito de paradigma para julgamento do militarismo adotado
por cada PPMM pátria.
O ideal seria estudar cada
militarismo-PM antes de imaginar a possibilidade de deslegitimar todas as PPMM
brasileiras em função de casos isolados e de grande repercussão como o do
Amarildo, na Rocinha, favela situada na cidade do Rio de Janeiro e que nenhuma
relação guarda com o resto do país. Isto só como exemplo a lembrar que a grande
mídia fluminense e carioca possui um espírito crítico unívoco e, portanto,
política e socialmente injusto. Não retrata com isenção a realidade da PMERJ
nem nas ruas e muito menos intramuros dos quartéis. Há muita ira acumulada de
parte a parte e as autoridades civis querem vencer a PMERJ no peito e na raça,
desestruturando-a física e moralmente, ignorando a absurda destruição de vidas
policiais militares, consequente de uma criminalidade sem precedentes no
Brasil.
Também é de bom alvitre
esclarecer que o PM se comporta como ovelha diante de seus superiores, que para
as ovelhas são mais lobos que cães pastores. Mas do lado de fora as ovelhas se
tornam cães pastores ou lobos, dependendo do fato e do ambiente onde agem.
Enfim, são transformações turbulentas, de difícil avaliação porque não
interessa à corporação mostrar à sociedade, por exemplo, a pesquisa encomendada
ao IBOPE, em 1983, na qual havia a singela indagação sobre quais as qualidades
que a tropa mais apreciava em seus superiores. Dentre muitos adjetivos
abonadores havia a resposta final “nenhuma”. Esta foi escolhida quase à
unanimidade, e se não unânime foi porque havia alguns sargentos e oficiais
(superiores) também respondendo à pesquisa em meio ás praças (subordinadas).
Desmilitarizar as PPMM (o
movimento nacional parece que começa e termina aqui no RJ) significa mexer com
o espírito de corpo de organizações bicentenárias, com características bem mais
acentuadas de “força de segurança”, todas possuidoras de tropa treinada em
comando militar, como o BOPE/RJ e seus congêneres das demais corporações. Mexer
com os brios dos que entendem ser benéfico o militarismo, já que estão
acostumados a receber comando militar, significa menoscabar, num só tempo, cães
pastores, lobos e ovelhas, tornando-os indistintamente lobos. Portanto, não
será com um simples passe de mágica, não será rasgando os atuais papéis constitucionais
e legais e apresentando uma nova escrita revolucionária, de caráter destruidor
e definitivo, que as coisas harmoniosamente fluirão. Há de se gastar tempo e
habilidade para ouvir a tropa de 500 mil PMs da ativa (ou mais),
considerando-se ainda os inativos que formam opinião no seio da tropa, gostem
ou não os intelectuais e os políticos interessados na mudança.
Falo assim como espécie de aliado.
Almejo também uma polícia melhor atuando no território pátrio, certo de que o
atual sistema vem de muito tempo em franca entropia. Não sou inimigo da causa
desmilitarização. Sei, porém, que se houver surpresas os interessados em
“revolução na arquitetura institucional da segurança pública” podem deparar com
reações mais revolucionárias ainda. Sei da máxima arquitetural de Louis
Sullivan e entendo que o formato da segurança pública está longe de alcançar a
função (“o formato deve seguir a função”). Formato é estrutura; função é
objetivo. No caso das PPMM, flexionar a primeira (estrutura-formato) para
atender à segunda (função-objetivo) não dependerá tão-somente de apelar para a ‘mudança
revolucionária”, olvidando a imperiosa necessidade de se fazer uso da “mudança
evolucionária”, mais lenta, porém passível de ser bem-sucedida. Enfim, é
preciso mudar atitudes para lograr a implantação de novos comportamentos.
Por outro lado, sei que em muitos
casos empresariais, mais no mundo particular e menos no estatal, mudanças
bruscas de leis e regras podem funcionar. Mas essas “mudanças revolucionárias”
mesmo assim devem ser precedidas de diagnóstico e aceitação prévia para não se
tornar um tiro no escuro gerador de “bala perdida”... Convencer antes da
necessidade de mudança estrutural das PPMM pode ser um bom caminho, pois é
certo que reações adversas à PEC-51 já se fazem sentir nas redes sociais, nos
refeitórios espalhados em quartéis policiais militares no Brasil inteiro etc. Há
também resistências veladas em meio às entidades representativas de oficiais e
praças, todas, por sinal, insatisfeitas com o PT em vista da procrastinação da
PEC 300, embora algumas defendam em emoção ideológica a desmilitarização das
PPMM. Tais como fizeram os marinheiros...
Partir para uma pressão total, de
caráter político, em iniciativa de polêmico político de esquerda filiado ao PT,
pode produzir uma espécie de “efeito bumerangue”. A fera acuada em incerteza
poderá reagir como lobo e o feitiço virar-se contra o feiticeiro. Não creio que
isto seja interessante. Mas por enquanto é o que depreendo do título em
referência, que sugere uma “mudança revolucionária” que somente se consegue por
meio de lei forte ou por armas. Ambas existem, mas, em princípio, estão em
trincheiras opostas...
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