domingo, 27 de abril de 2014

PEC-51 - DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES


Referência/postagem anterior: “PEC-51: revolução na arquitetura institucional da segurança pública” (Luiz Eduardo Soares – antropólogo e professor da UERJ)

Há em cada Estado Federado uma Polícia Militar que forjou a história de sua existência em fatores políticos monárquicos e imperiais que guardam pouca relação com a atualidade do crime urbano e rural. Traduzindo: as relações das PPMM com a política e seus mandatários reduzem-se insistentemente a tradições militaristas solenemente comemoradas e apinhadas de símbolos e emblemas, além da pomposidade da farda. Eu poderia aqui enumerar várias destas relações comuns a todas as Polícias Militares (PPMM), como, por exemplo, as formaturas de cursos vários em que o militarismo realça-se sobremodo, em especial impressionando os convidados civis, muitos dos quais recebedores de homenagens e assim alegrados em seus egos. Enfim, a natureza militar das PPMM é forte componente cultural, inclusive testado em guerras e comoções intestinas, época em que algumas PPMM atuaram em defesa da pátria ou do regime vigente.

Esta forte cultura militarista das PPMM, bicentenária, e prioritariamente realçada por seu lado de Forças Auxiliares Reserva do Exército Brasileiro, predominou e ainda predomina no ambiente interno, resistindo a todas as tentativas de mudança estrutural. Só não resistiu, e até se interessou, pela mudança estrutural ocorrida a partir de 1964, marco inicial da presença maciça dos efetivos policiais militares nas ruas por decisão dos militares que protagonizaram a reação à evidente intenção de comunização do país.

Mas não interessa aqui discutir se a intervenção militar foi indispensável, isto jamais saberemos, pois os atores da esquerda não admitem a ideia e garantem enfaticamente que pretendiam, digamos que “melhorar” ou “fortalecer” a claudicante democracia que imperava no Brasil, curiosamente gerido por esta mesma facção política que hoje comanda os destinos pátrios. Importa apenas que as PPMM, antes aquarteladas, deixaram os quartéis e ocuparam as ruas a partir de 1964. Cá entre nós, sem qualquer preparo policial...

Esta situação é no mínimo paradoxal, pois ao mesmo tempo em que os argumentos da desmilitarização das PPMM são mais que razoáveis, – talvez inadiáveis, – não se pode negar a desconfiança das PPMM naqueles que no atual exercício do poder político as pretendem desmilitarizar. Soa como retaliação, com a ressalva de que não vejo assim...

Claro que também os militares federais não acreditam em boa intenção dos patronos desta causa da desmilitarização, que tem no Senador da República Lindbergh Farias, do PT, seu principal ator político, eis que signatário da PEC- 51, esta que cuida exatamente da desmilitarização das PPMM nos termos em que está posta e que pode ser e lida acessando-se o Google. Seria, talvez, a PEC certa apresentada pelo senador errado?...

Ora bem, desconfianças à parte, vejo-me obrigado a reconhecer que os argumentos do antropólogo e professor da UERJ Luiz Eduardo Soares, escritos em parceria com Ricardo Balestreri, como está no referido artigo já postado neste blog, não podem ser desconsiderados em emoção corporativa ou ideológica, em especial quando discorrem os autores sobre “Estruturas organizacionais e práticas seletivas” no item II do texto.

Quero aproveitar a dica do título para lembrar que é sabido na Teoria Geral da Administração (TGA) que uma organização atualmente se deve distinguir, no mínimo, pelas seguintes variáveis: estrutura, pessoas, tarefas, tecnologia, ambiente e competitividade. Esta última, competitividade, é prescrição teórica recente, mas de enorme peso no contexto das organizações (públicas ou privadas) e de sua sobrevivência como tais. Realmente, em termos de competitividade não se há de negar o exagerado autismo das PPMM em relação ao presente e ao futuro.

Aparentemente, todas as PPMM apostam que mais uma vez haverá a permanência do status quo contra tudo e todos, bastando aos atuais gestores (comandantes-gerais submissos aos governantes estaduais, principalmente) seguir a cartilha de sempre e que se resume em executar o que “o mestre mandar”, mesmo que as ações determinadas sejam contrárias aos direitos e garantias individuais e atropelem vez por outra as leis vigentes. E isto é possível porque as falhas são sempre e “militarmente” dirigidas ao andar de baixo, mantendo-se a cúpula protegida exatamente pelo deformado militarismo e seus tacanhos regulamentos.

Têm-se, então, no pico da pirâmide hierarquizada ao modo manu militari, a submissão dos eventuais dirigentes ao poder político predominante, aquele capaz de descartá-los num piscar de olhos, fator conjuntural que torna as PPMM, como instituições permanentes, nada mais que elefantes domesticados. Eis como emerge a base da pirâmide, para onde tudo desemboca e vai às ruas: rebanho de “corpos dóceis”, ou seja, um amontoado de carcaças humanas sem vontade própria e prontas para o abate. E como os PMs são abatidos individualmente, e também facilmente substituídos por novas fornadas, a instituição permanece agindo no ambiente social sem a necessidade de muito pensar em todos os sentidos. Enfim, não há muita “arquitetura institucional” a ser considerada...

No caso do pico da pirâmide, basta às PPMM fracionar o efetivo em estruturas físicas adrede localizadas no ambiente dos Estados Federados (Batalhões, Companhias, Pelotões, Grupamentos, Regimentos, Destacamentos e quejandos) e nelas lotar grandes ou pequenos efetivos a serem jorrados nas ruas e logradouros do modo tradicional (áreas de Batalhões subdivididas em subárias de Companhias, em setores de Pelotões, em roteiros de Guarnições e em pontos de estacionamento (ponto base) prefixados de tal modo que possam ser todos os PMs diuturnamente fiscalizados pelos diversos escalões de supervisão, que vão desde a do comando-geral, exercitada por oficiais superiores, à do sargento lá na ponta da linha. Eis as PPMM existindo para si mesmas...

Ora bem, tudo é posto nas ruas como se fosse relógio de parede que não sai do prego e seus ponteiros giram sistematicamente a contar o tempo. No caso das PPMM, o tempo é subdividido em escalas várias e extenuantes e funciona com base no mesmo relógio: sem sair do lugar. E assim chegamos ao PM isolado, ou em dupla, ou em guarnições ocupando viaturas menores ou maiores (radiopatrulha, PATAMO, PAMESP, DPO, PPC, UPP e demais siglas que não param de crescer e que não nos interessa aqui enumerar, todos sabem como isto funciona).

Ademais, os PMs saem de seus quartéis não para exercitar a prevenção tendo como paradigma a não ocorrência de crimes devido à presença ostensiva das guarnições nas ruas; porque elas saem com metas repressivas puramente aleatórias, como apreensão de armas e drogas, prisão de suspeitos etc., paranóia que leva ao extremo do desespero as guarnições fracionadas, estas que, em não atingindo as metas que lhes são impostas, são desfeitas, punidas, transferidas etc., não sem antes serem postas sob suspeição de “arrego” com marginais no ambiente social.

Tudo isto e bem mais ocorre por conta do manu militari e da falta de uma doutrina de natureza policial capaz de predominar sobre a outra, militar, cuja característica tacanha ainda é assustadora e não mudará por vontade interna das PPMM. Sim, se depender das PPMM, tudo permanece “como dantes no quartel de Abrantes”. Eis a conta do “militarismo-PM”, sobre o qual ainda muito discutiremos em vista da PEC 51 e suas variações que não sabemos para que lado vão, sendo certo, porém, que a sorte já está lançada...

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