Referência/postagem anterior: “PEC-51: revolução na
arquitetura institucional da segurança pública” (Luiz Eduardo Soares –
antropólogo e professor da UERJ)
Há em cada Estado Federado uma
Polícia Militar que forjou a história de sua existência em fatores políticos
monárquicos e imperiais que guardam pouca relação com a atualidade do crime
urbano e rural. Traduzindo: as relações das PPMM com a política e seus
mandatários reduzem-se insistentemente a tradições militaristas solenemente
comemoradas e apinhadas de símbolos e emblemas, além da pomposidade da farda.
Eu poderia aqui enumerar várias destas relações comuns a todas as Polícias
Militares (PPMM), como, por exemplo, as formaturas de cursos vários em que o
militarismo realça-se sobremodo, em especial impressionando os convidados
civis, muitos dos quais recebedores de homenagens e assim alegrados em seus
egos. Enfim, a natureza militar das PPMM é forte componente cultural, inclusive
testado em guerras e comoções intestinas, época em que algumas PPMM atuaram em
defesa da pátria ou do regime vigente.
Esta forte cultura militarista
das PPMM, bicentenária, e prioritariamente realçada por seu lado de Forças Auxiliares
Reserva do Exército Brasileiro, predominou e ainda predomina no ambiente
interno, resistindo a todas as tentativas de mudança estrutural. Só não
resistiu, e até se interessou, pela mudança estrutural ocorrida a partir de
1964, marco inicial da presença maciça dos efetivos policiais militares nas
ruas por decisão dos militares que protagonizaram a reação à evidente intenção
de comunização do país.
Mas não interessa aqui discutir
se a intervenção militar foi indispensável, isto jamais saberemos, pois os
atores da esquerda não admitem a ideia e garantem enfaticamente que pretendiam,
digamos que “melhorar” ou “fortalecer” a claudicante democracia que imperava no
Brasil, curiosamente gerido por esta mesma facção política que hoje comanda os
destinos pátrios. Importa apenas que as PPMM, antes aquarteladas, deixaram os
quartéis e ocuparam as ruas a partir de 1964. Cá entre nós, sem qualquer
preparo policial...
Esta situação é no mínimo
paradoxal, pois ao mesmo tempo em que os argumentos da desmilitarização das
PPMM são mais que razoáveis, – talvez inadiáveis, – não se pode negar a
desconfiança das PPMM naqueles que no atual exercício do poder político as
pretendem desmilitarizar. Soa como retaliação, com a ressalva de que não vejo
assim...
Claro que também os militares
federais não acreditam em boa intenção dos patronos desta causa da
desmilitarização, que tem no Senador da República Lindbergh
Farias, do PT, seu principal ator político, eis que signatário da PEC-
51, esta que cuida exatamente da desmilitarização das PPMM nos termos em que
está posta e que pode ser e lida acessando-se o Google. Seria, talvez, a PEC
certa apresentada pelo senador errado?...
Ora bem, desconfianças à parte, vejo-me
obrigado a reconhecer que os argumentos do antropólogo e professor da UERJ Luiz
Eduardo Soares, escritos em parceria com Ricardo Balestreri, como está no
referido artigo já postado neste blog, não podem ser desconsiderados em emoção
corporativa ou ideológica, em especial quando discorrem os autores sobre
“Estruturas organizacionais e práticas seletivas” no item II do texto.
Quero aproveitar a dica do título
para lembrar que é sabido na Teoria Geral da Administração (TGA) que uma
organização atualmente se deve distinguir, no mínimo, pelas seguintes
variáveis: estrutura, pessoas, tarefas, tecnologia, ambiente e competitividade.
Esta última, competitividade, é prescrição teórica recente, mas de enorme peso
no contexto das organizações (públicas ou privadas) e de sua sobrevivência como
tais. Realmente, em termos de competitividade não se há de negar o exagerado
autismo das PPMM em relação ao presente e ao futuro.
Aparentemente, todas as PPMM apostam
que mais uma vez haverá a permanência do status
quo contra tudo e todos, bastando aos atuais gestores (comandantes-gerais submissos
aos governantes estaduais, principalmente) seguir a cartilha de sempre e que se
resume em executar o que “o mestre mandar”, mesmo que as ações determinadas
sejam contrárias aos direitos e garantias individuais e atropelem vez por outra
as leis vigentes. E isto é possível porque as falhas são sempre e “militarmente”
dirigidas ao andar de baixo, mantendo-se a cúpula protegida exatamente pelo deformado
militarismo e seus tacanhos regulamentos.
Têm-se, então, no pico da
pirâmide hierarquizada ao modo manu militari, a submissão dos eventuais
dirigentes ao poder político predominante, aquele capaz de descartá-los num
piscar de olhos, fator conjuntural que torna as PPMM, como instituições
permanentes, nada mais que elefantes domesticados. Eis como emerge a base da
pirâmide, para onde tudo desemboca e vai às ruas: rebanho de “corpos dóceis”,
ou seja, um amontoado de carcaças humanas sem vontade própria e prontas para o
abate. E como os PMs são abatidos individualmente, e também facilmente
substituídos por novas fornadas, a instituição permanece agindo no ambiente
social sem a necessidade de muito pensar em todos os sentidos. Enfim, não há
muita “arquitetura institucional” a ser considerada...
No caso do pico da pirâmide,
basta às PPMM fracionar o efetivo em estruturas físicas adrede localizadas no
ambiente dos Estados Federados (Batalhões, Companhias, Pelotões, Grupamentos,
Regimentos, Destacamentos e quejandos) e nelas lotar grandes ou pequenos efetivos
a serem jorrados nas ruas e logradouros do modo tradicional (áreas de Batalhões
subdivididas em subárias de Companhias, em setores de Pelotões, em roteiros de
Guarnições e em pontos de estacionamento (ponto base) prefixados de tal modo
que possam ser todos os PMs diuturnamente fiscalizados pelos diversos escalões
de supervisão, que vão desde a do comando-geral, exercitada por oficiais
superiores, à do sargento lá na ponta da linha. Eis as PPMM existindo para si
mesmas...
Ora bem, tudo é posto nas ruas
como se fosse relógio de parede que não sai do prego e seus ponteiros giram
sistematicamente a contar o tempo. No caso das PPMM, o tempo é subdividido em
escalas várias e extenuantes e funciona com base no mesmo relógio: sem sair do
lugar. E assim chegamos ao PM isolado, ou em dupla, ou em guarnições ocupando
viaturas menores ou maiores (radiopatrulha, PATAMO, PAMESP, DPO, PPC, UPP e
demais siglas que não param de crescer e que não nos interessa aqui enumerar,
todos sabem como isto funciona).
Ademais, os PMs saem de seus
quartéis não para exercitar a prevenção tendo como paradigma a não ocorrência
de crimes devido à presença ostensiva das guarnições nas ruas; porque elas saem
com metas repressivas puramente aleatórias, como apreensão de armas e drogas, prisão
de suspeitos etc., paranóia que leva ao extremo do desespero as guarnições
fracionadas, estas que, em não atingindo as metas que lhes são impostas, são
desfeitas, punidas, transferidas etc., não sem antes serem postas sob suspeição
de “arrego” com marginais no ambiente social.
Tudo isto e bem mais ocorre por
conta do manu militari e da falta de uma doutrina de natureza policial capaz de
predominar sobre a outra, militar, cuja característica tacanha ainda é
assustadora e não mudará por vontade interna das PPMM. Sim, se depender das
PPMM, tudo permanece “como dantes no quartel de Abrantes”. Eis a conta do “militarismo-PM”,
sobre o qual ainda muito discutiremos em vista da PEC 51 e suas variações que
não sabemos para que lado vão, sendo certo, porém, que a sorte já está
lançada...
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