PEC-51: revolução na arquitetura
institucional da segurança pública
Luiz Eduardo Soares (antropólogo,
professor da UERJ)
O
senador Lindbergh Farias (PT-RJ) acaba de apresentar a PEC-51, cuja finalidade
é transformar a arquitetura institucional da segurança pública, um legado da
ditadura que permaneceu intocado nos 25 anos de vigência da Constituição
cidadã, impedindo a democratização da área e sua modernização.
Meu
comentário:
A segurança pública não é “legado da ditadura”
somente. O sistema é muito anterior, reporta-se aos tempos monárquicos e
provincianos e seu modelo militar era típico de “polícia do Estado” e assim permaneceu.
Afirmar em reducionismo que a segurança pública é “legado da ditadura” é
distorcer desnecessariamente a verdade. O erro da ditadura (não sei se casual
ou premeditado...) foi, sim, o de jorrar diuturnamente nas ruas, como polícias,
instituições até então aquarteladas como forças auxiliares reserva do Exército
e treinadas como corporações militares de infantaria para que não ficassem
ociosas. Quanto a sair às ruas antes de 1964, esta incumbência resumia-se ao
policiamento de tropa, a comando, em jogos de futebol, em eventos carnavalescos
e em outros concentradores de multidão, e esporadicamente enfeitando quarteirões em duplas de
Cosme e Damião geralmente desarmadas. Só após 1964 é que as PPMM passaram a
patrulhar ruas e logradouros e a controlar o trânsito em escalas de serviço que
antes se resumiam às intramuros de quartéis para guarnecer a si mesmos. Pode-se
afirmar convictamente, isto sim, que não houve preparo de natureza policial no
âmbito das PPMM a não ser minimamente, predominando a cultura militar de
ocupação do terreno no seio da tropa, aliás, como ainda hoje ocorre, tendo como
exemplo máximo do infante a tropa do BOPE, e, de certo modo, – por pressão do
ambiente em vista do tráfico em favelas, – a tropa do Batalhão de Choque, cuja
missão se deveria ater ao controle de manifestações e distúrbios civis, e para
tanto exaustivamente treinadas, o que desde muito tempo não ocorre, os desvios
de finalidade em razão do tráfico em favelas, as ações operativas junto com o
BOPE, as ocupações transitórias e por vezes de longo tempo não lhe permitem. Creio
então ser mais justo atribuir a defasagem operativa das PPMM em relação à
violência e ao crime ao seu modelo militarizado a não propiciar que a tropa seja
mais que “corpos dóceis”, única forma de seus dirigentes (comandantes) atenderem
à ganância dos políticos por mais policiamento nas ruas em vista do espantoso
crescimento populacional e do aumento vertiginoso do crime, além de sua
sofisticação e de seu incrível belicismo. Já o aumento do número de criminosos,
como nos ensina Manuel López-Rey, – juiz criminalista espanhol, inegável
estudioso do fenômeno da criminalidade sob os auspícios da ONU, – o crescimento
populacional responde diretamente pelo aumento da criminalidade, já que o crime
existe tal e qual alguns sentimentos humanos como o amor e o ódio. Portanto, ao
se fazer avaliação sobre a criminalidade e a violência, deve-se evitar
generalizações causais de natureza ideológica, o que, infelizmente, costuma ser
moda no Brasil, e especificamente no RJ. Por outro lado, as PPMM reagem
aumentando expressivamente seus efetivos, com isto ampliando os atritos com a
marginalidade em círculo vicioso e desastroso, posto que quanto maior o
efetivo mais necessidade de controle hierárquico e disciplinar, tornando o
militarismo uma paranoia em desserviço da sociedade.
As propostas
chave da PEC-51 são as seguintes:
(1)
Desmilitarização: as PMs deixam de existir como tais, porque perdem o caráter
militar, dado pelo vínculo orgânico com o Exército (enquanto força reserva) e
pelo espelhamento organizacional.
Meu
comentário:
Desmilitarizar é uma coisa; extinguir é outra... Este
item sugere claramente a extinção das Polícias Militares pátrias para dar lugar
a um novo modelo estrutural de polícia, iniciativa tão arrojada como temerária, pois é certo que reações institucionais ocorrerão. Não há dúvida de que as PPMM
se unirão em todos os sentidos contra esta ameaça denominada pelo autor da PEC
-51 e seus adeptos (ele não está sozinho nesta empreitada) como “revolução na
arquitetura institucional da segurança pública”.
Bem, para se pensar em “mudança revolucionária”, como a Teoria Geral da Administração desde muito tempo estuda e ensina, ou seja, por imposição brusca de novas legislações e semelhantes instituindo as novas regras a serem imperativamente cumpridas, deve-se pensar que tipo de reação haverá e como ela será contida. No caso, trata-se de cutucar com vara curta bicentenárias instituições militares fardadas, armadas, aquarteladas e capazes de mobilização imediata de mais de 500 mil homens, somatório que ultrapassa o efetivo das três Forças Armadas juntas. O vocábulo “desmilitarização”, – visto pela maioria dos PMs como pejorativo e mera provocação das esquerdas, e que ganhou as ruas nas últimas manifestações, tendo como contraponto exatamente as tropas de PPMM, em especial nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, – o vocábulo “desmilitarização” tornou-se palavra de ordem dos manifestantes e dos políticos de esquerda que de algum modo contribuíram materialmente para incrementar as manifestações, muitas das quais descambaram para a baderna. Destacam-se neste contexto desfavorável os Black Blocs, que surgiram de surpresa e acirraram a violência, havendo por isso a necessidade do uso da força pelas PPMM, mormente do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Bem, para se pensar em “mudança revolucionária”, como a Teoria Geral da Administração desde muito tempo estuda e ensina, ou seja, por imposição brusca de novas legislações e semelhantes instituindo as novas regras a serem imperativamente cumpridas, deve-se pensar que tipo de reação haverá e como ela será contida. No caso, trata-se de cutucar com vara curta bicentenárias instituições militares fardadas, armadas, aquarteladas e capazes de mobilização imediata de mais de 500 mil homens, somatório que ultrapassa o efetivo das três Forças Armadas juntas. O vocábulo “desmilitarização”, – visto pela maioria dos PMs como pejorativo e mera provocação das esquerdas, e que ganhou as ruas nas últimas manifestações, tendo como contraponto exatamente as tropas de PPMM, em especial nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, – o vocábulo “desmilitarização” tornou-se palavra de ordem dos manifestantes e dos políticos de esquerda que de algum modo contribuíram materialmente para incrementar as manifestações, muitas das quais descambaram para a baderna. Destacam-se neste contexto desfavorável os Black Blocs, que surgiram de surpresa e acirraram a violência, havendo por isso a necessidade do uso da força pelas PPMM, mormente do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Concomitantemente, os ataques às UPPs pelas facções
criminosas Comando Vermelho e Terceiro Comando, – com alguns segmentos da
imprensa insinuando ter o CV se unido momentaneamente à ADA para tal fim, – os
ataques às UPPs levaram a PMERJ a se desdobrar em ações de choque e operativas,
as primeiras para controlar turbamultas e as segundas para responder
(tardiamente) ao assassinato sistemático, em tocaia, de jovens recrutas lotados
em diversas UPPs, com destruição de algumas sedes provisórias desse novo modelo
de intervenção alardeado como “unidades pacificadoras”. Se não bastasse,
acrescentou-se à baderna o dantesco espetáculo da queima de ônibus em vias
públicas cujo efeito desmoralizador é inegável.
Em meio a este cenário desfavorável emerge então,
com força hercúlea, a PEC-51 de autoria de um Senador da República do PT/RJ com
histórico de liderança em movimentos estudantis: Lindberg Farias. Claro que
tudo isto sugere orquestração bem urdida para se chegar à ação política em
curso, mais parecendo vindita contra a PMERJ e contra a PMSP, em cujo Estado, não
por acaso, abriga-se um governante do PSDB, partido de franca oposição ao PT.
Por outro lado, há no Congresso Nacional ampla maioria a favor do Governo
Central, o que torna possível o avanço da PEC-51 nos termos em que está
elaborada. Tudo isto, portanto, deve ser sopesado com cautela, pois não existem apenas duas
PPMM no país, mas dezenas delas, que, por enquanto, se mantêm distantes do
caldeirão político tendente a aferventar no seu máximo.
Cuidar de desmilitarização em clima tão instável
não me parece boa hora, em especial porque os argumentos, – excluídos alguns
excelentes, admito com sinceridade, – os argumentos da PEC-51 modo geral têm natureza
unívoca, não contam com a participação franca das instituições afetadas pela
PEC-51, que foi gerada nos mais profundos abismos congressuais e acadêmicos
identificados com a ideologia socialista e anti-imperialista, de tal modo que
no texto em comento há um sugestivo foco de luz crítico sobre os EUA.
Enfim, é inegável a velocidade da PEC-51 e são enfáticos
argumentos produzidos em inteligência e conhecimento de causa. Mas esta
velocidade, em pista de mão única, pode esbarrar em obstáculos intransponíveis,
na medida em que ignora o imenso, culto, inteligente e audaz Público Interno
representado pelos integrantes das PPMM, embora se saiba que há alguns
pseudo-intelectuais fardados (poucos) que comungam com as ideias do grupo político que
intenta mudar o modelo de segurança pública no país, mas como se o país
começasse no Rio de Janeiro e terminasse em São Paulo.
Convenhamos, desmilitarizar as PPMM pura e
simplesmente, sem aventar a hipótese intermediária de se instituir um
militarismo compatível com a atividade policial, como se nota em países como
Chile, Argentina, Espanha, Portugal, França etc., que possuem Forças de
Segurança, todas militares, porém praticantes do ciclo completo de polícia, salvo excesso
meu, não me parece prudente. Creio que antes de se partir para desmilitarizar
as PPMM seria mais viável torná-las “Forças de Segurança” de abrangência
nacional, deixando aos Estados-membros a tarefa de organizar suas polícias, aí
sim, nos termos da PEC-51, aberta aos integrantes das PPMM a possibilidade de
escolha pelo militarismo (renovado, claro) desta Força Intermediária Militar ou
pelo que denominamos Serviços de Segurança (atividade civilista de polícia).
Por sinal, há hoje funcionando junto ao Ministério
da Justiça a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), até então não
contemplada pela Constituição Federal, mas que poderia sê-lo como primeiro
passo para a efetivação da Força Intermediária Militar de Segurança Pública, já
que doutrinariamente se consagrou a ideia de que existe uma ordem pública
nacional a demandar a estruturação de uma segurança pública nacional com poder
instrumental suficiente para garantir a ordem pública no território pátrio sem
mais o concurso das Forças Armadas, última instância na preservação ou na
restauração da lei e da ordem.
(2) Toda instituição
policial passa a ordenar-se em carreira única. Hoje, na PM, há duas polícias:
oficiais e praças. Na polícia civil, delegados e não-delegados. Como esperar
respeito mútuo, compromisso com a equidade e coesão interna desse modo?
Meu comentário:
Esta é tese de alguns
policiais civis que desde muito tempo levantam a bandeira da “polícia civil
única e de carreira”, claro que extinguindo as PPMM. Já elegeu muitos delegados de polícia em diversos
parlamentos, inclusive recebendo votos de praças das PPMM. Só que a orientação
da PEC-51 no sentido de igualar oficiais e praças e delegados e tiras vai às
raias da utopia, especialmente porque existem regras de acesso aos quadros de
oficiais e praças, assim como de delegados de polícia e tiras. Enfiar tudo isto
num saco como se fosse farinha da mesma fornada mais parece piada de mau gosto.
Não vou falar das polícias
civis, mas nas PPMM há planos de carreira que dão às praças acesso ao
oficialato, desde que, porém, atendam às exigências de concursos internos e de
cursos de formação e aperfeiçoamento. Claro que no caso das PPMM o acesso ao
oficialato por praças poderia ser mais flexível, de modo a privilegiar praças e
graduados que se destacam em excelência universitária ao longo da carreira,
como sói ocorrer em países civilizados e democráticos.
Também a supressão de postos e
graduações nas PPMM poderia ser adotada, com a ressalva de que tal providência
(pasmem!) é permitida desde muito tempo nas tacanhas legislações federais
voltadas ao controle das PPMM. Mas até hoje nenhuma PM pátria, que eu saiba,
alterou sua pirâmide hierárquica. Continua “tudo como dantes no quartel de
Abrantes”.
(3)
Toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial (preventivo,
ostensivo, investigativo). Sepulta-se, assim, a jabuticaba institucional: a
divisão do ciclo do trabalho policial entre militares e civis. Por obstar a
eficiência e minar a cooperação, sua permanência é contestada por 70% dos
profissionais da segurança em todo o país, conforme pesquisa que realizei com
Silvia Ramos e Marcos Rolim, em 2010, com apoio do Ministério da Justiça e do
PNUD, na qual ouvimos 64.120 policiais e demais profissionais da segurança
pública (cf. “O que pensam os profissionais da segurança no Brasil?” Relatório
disponível no site do MJ).
Meu comentário:
Eia! Alvíssaras! Realmente não há razão para não
haver, em quaisquer circunstâncias, a prática do ciclo completo de polícia
mesmo hoje. Porque nada impede, em primeiro lugar, que todos os policiais sejam
treinados e exercitem a investigação criminal, nada mais que técnica a serviço
da verdade que se busca. Tanto é assim que as PPMM já instauram Inquéritos
Policiais Militares (IPM), tais como as Polícias Civis instauram Inquéritos Policiais
Civis, todos, ao fim e ao cabo passando pelo crivo do Ministério Público e do
Judiciário. Mas os conflitos de poder entre as duas instituições vão ao extremo
de as Polícias Civis não admitirem nem mesmo que as PPMM lavrem Termos
Circunstanciados (Lei 9099), tornando o assunto espantosa bizantinice. Em
havendo o ciclo completo de polícia precedendo à tese maior da
desmilitarização, é bem possível que a inevitável crise se aplaque,
especialmente porque haverão de haver profundas mudanças estruturais nas PPMM,
estas que, naturalmente, se voltarão precipuamente para a atividade policial, ficando o
militarismo num plano menor. Como é do interesse de todas as PPMM atuarem no
ciclo completo de polícia, decerto elas cederiam em relação ao militarismo,
desde que não houvesse quebra de hierarquia, sendo certo, porém, que a
hierarquia e a disciplina não são exclusivas de militares.
(4)
A decisão sobre o formato das polícias operando nos estados (e nos municípios)
cabe aos Estados. O Brasil é diverso e o federalismo deve ser observado. O
Amazonas não requer o mesmo modelo policial adequado a São Paulo, por exemplo.
Uma camisa-de-força nacional choca-se com as diferenças entre as regiões.
Meu
comentário:
Não há dúvida de que os
ambientes, tanto micro como macro, são diferentes e demandam tratamento
diferenciado. Portanto é indispensável apostar na flexibilidade estrutural (“o
formato deve seguir a função”). Mas isto somente será possível sem a
camisa-de-força nacional, de caráter constitucional, com destaque para o Inciso
XXI do Art. 22 da Carta Magna. Transferir a competência para os Estados
Federados significa sepultar as desconfianças antidemocráticas que ainda
imperam na cultura política pátria. Descentralizar é preciso.
(5)
A escolha dos Estados restringe-se ao repertório estabelecido na Constituição –
pela PEC-51 –, o qual se define a partir de dois critérios e suas combinações:
territorial e criminal, isto é, as polícias se organizarão segundo tipos
criminais e/ou circunscrições espaciais. Por exemplo: um estado poderia criar
polícias (sempre de ciclo completo) municipais nos maiores municípios, as quais
focalizariam os crimes de pequeno potencial ofensivo (previstos na Lei 9.099);
uma polícia estadual dedicada a prevenir e investigar a criminalidade
correspondente aos demais tipos penais, salvo onde não houvesse polícia
municipal; e uma polícia estadual destinada a trabalhar exclusivamente contra o
crime organizado. Há muitas outras possibilidades autorizadas pela PEC,
evidentemente, porque são vários os formatos que derivam da combinação dos
critérios referidos.
Meu comentário:
A proposição sugere a
especialização por tarefas. A princípio a ideia parece boa, mas será
conflitante na subdivisão da polícia estadual em duas vertentes específicas. Pois
é certo que numa visão sistêmica não se há de crer que os fatos criminosos, nos
casos de crimes de maior potencial ofensivo, não sejam interagentes,
interdependentes e inter-ralacionados e de algum modo se integrem ao crime
organizado principalmente do tráfico. Ou seja, os crimes são sistêmicos, o que pressupõe a necessidade de
uma polícia igualmente sistêmica e proativa, ficando as reações como exceção.
Também vejo como forte possibilidade de êxito o modelo proposto neste item,
mormente devido à sua flexibilidade.
(6)
A depender das decisões estaduais, os municípios poderão, portanto, assumir
novas e amplas responsabilidades na segurança pública. A própria
municipalização integral poder-se-ia dar, no estado que assim decidisse. O
artigo 144 da Constituição, atualmente vigente, é omisso em relação ao
Município, suscitando um desenho que contrasta com o que ocorre em todas as
outras políticas sociais. Na educação, na saúde e na assistência social, o
município tem se tornado agente de grande importância, articulado a sistemas
integrados, os quais envolvem as distintas esferas, distribuindo
responsabilidades de modo complementar. O artigo 144, hoje, autoriza a criação
de guarda municipal, entendendo-a como corpo de vigias dos “próprios
municipais”, não como ator da segurança pública. As guardas civis têm se
multiplicado no país por iniciativa ad hoc de prefeitos, atendendo
à demanda popular, mas sua constitucionalidade é discutível e, sobretudo, não
seguem uma política nacional sistêmica e integrada, sob diretrizes claras. O resultado
é que acabam se convertendo em pequenas PMs em desvio de função, repetindo
vícios da matriz copiada. Perde-se, assim, uma oportunidade histórica de
inventar instituições policiais de novo tipo, antecipando o futuro e o
gestando, em vez de reproduzir equívocos do passado.
Meu comentário:
Concordo integralmente com o
argumento, com a ressalva de que os desvios constitucionais das Guardas
Municipais, por absoluta necessidade das populações por elas atendidas, não são
mais aberrantes que a criação inconstitucional da Força Nacional de Segurança
Pública, algo que, no entanto, poderá ser ajustado e resolver parcialmente o
problema da desmilitarização das PPMM. Mas não se justifica criar e manter
Guardas Municipais com limitações tão apertadas. O ideal seria ampliar a
dimensão dos serviços de segurança desses abnegados agentes públicos
uniformizados, mas que não perderam suas características civis, o que
garante serem as Guardas Municipais modelo civilista, e é bom que permaneçam com
esta cultura ao receberem maior poder de ação contra o crime. E que não se
tornem “pequenas PMs”, risco real na medida em que a maioria delas é comandada
por oficiais, graduados e praças das PPMM.
(7) As responsabilidades da União são expandidas, em várias áreas,
sobretudo na uniformização das categorias que organizam as informações e na
educação, assumindo a atribuição de supervisionar e regulamentar a formação
policial, respeitando diferenças institucionais, regionais e de especialidades,
mas garantindo uma base comum e afinada com as finalidades afirmadas na Constituição.
Hoje, a formação policial é uma verdadeira babel de conteúdos, métodos e graus
de densidade. O policial contratado pela PM do Rio de Janeiro para atuar nas
UPPs é treinado em um mês, como se a tarefa não fosse extraordinariamente
complexa e não envolvesse elevada responsabilidade. A tortura e o assassinato
de Amarildo, na UPP da Rocinha, não foram fruto da falta de preparo, mas do
excesso de preparo para a brutalidade letal e o mais vil desrespeito aos
direitos elementares e à dignidade humana. A tradição corporativa, autorizada
por fatia da sociedade e pelas autoridades, impõe-se ante a ausência de uma
educação minimamente comprometida com a legalidade e os valores republicanos.
De que serve punir indivíduos se o padrão de funcionamento rotineiro é reproduzido
desde a formação, ou no vácuo produzido por sua ausência?
Meu comentário:
Meu comentário:
Texto confuso e reducionista, na medida em que se
fecha num episódio midiático que não diz respeito ao todo das PPMM pátrias.
Vejo-o como desnecessário no contexto em que foi posto, pois não serão casos
pontuais que legitimarão a desmilitarização das PPMM. Esta proposição é puramente
política e demagógica. Por conseguinte, nada acrescenta à analise que aqui se
desenvolve. É bom lembrar que as recentes iniciativas governamentais na
segurança pública do RJ, fomentando a instalação de UPPs, insinuam bem mais o
atendimento de interesses empresariais e políticos inconfessáveis, mas que
estão em franca entropia, como, aliás, muitas vezes prognostiquei no meu blog.
(8)
A PEC propõe avanços também no controle externo e na participação da sociedade,
o que é decisivo para alterar o padrão de relacionamento das instituições
policiais com as populações mais vulneráveis, atualmente marcado pela
hostilidade, a qual reproduz desigualdades. Assinale-se que a brutalidade
policial letal atingiu, em nosso país, patamares inqualificáveis. Para dar um
exemplo, no estado do Rio, entre 2003 e 2012, 9.231 pessoas foram mortas em
ações policiais.
Meu
comentário:
Novamente uma boa ideia se reduz ao lugar comum da
crítica a apenas um Estado Federado, e que não projeta igual quadro situacional
aos demais Estados da Federação. É evidente a necessidade de controle externo,
o que até atualmente ocorre até com certo rigor. O problema é o indefectível toque
ideológico, que torna esse controle externo suspeito de atender a determinadas
facções, distanciando-se assim dos ditames democráticos que exigem tratamento
igual também para agentes públicos, estes que não podem ser vistos como
inimigos da sociedade e muito menos como desafetos das categorias sociais
desfavorecidas.
(9) Os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança serão
plenamente respeitados durante as mudanças. A intenção é que todos os policiais
sejam mais valorizados pelos governos, por suas instituições e pela sociedade.
Meu
Comentário:
Não se poderia aqui começar pela aprovação da PEC
300? Crer que este atual governo vá privilegiar policiais é o mais apurado
humor negro dos últimos tempos. Portanto, e a meu ver, isto é engodo, porque
não faz parte do jogo político petista valorizar policiais e militares
estaduais e federais, mas, sim, fomentar movimentos baderneiros que se expandem por meio de verbas públicas repassadas através de ONGs. Sem
essa então de respeito a direitos trabalhistas, que, por sinal, inexistem na
atual conjuntura e assim permanecerão por interesses outros, ideológicos, de
tendências castristas-leninistas-marxistas-chavistas-trotskistas-maoístas
e outros mais que complementam esta vertente ideológica predileta dos atuais
detentores do poder. Cascata pura!
(10)
A transição prevista será prudente, metódica, gradual e rigorosamente
planejada, assim como transparente, envolvendo a participação da sociedade.
Meu comentário:
Diante das circunstâncias, e pelo fato de a
primeira bandeira desfraldada no texto ter sido a desmilitarização das PPMM, é
de se supor que esta transição não será tão prudente, como alegam os defensores
da PEC-51. E quando se fala em “participação da sociedade” fica logo evidente a
falta de melhor argumento, pois esta participação deveria ser anterior à PEC-51
e não posterior. Do mesmo modo, conceber a extinção de um modelo policial realmente
carcomido pelo tempo e pela realidade atual, mas sem ouvir as mais de 500 mil
pessoas que integram estas organizações bicentenárias, aquarteladas, fardadas e
armadas, chega a ser hilariante. Ora, uma coisa é admitir a necessidade de
mudar o sistema de segurança pública pátrio, o que não se resume de modo algum
em mudar a polícia. Afinal, são muitos os subsistemas que compõem este sistema:
Justiça, Ministério Público, Subsistema carcerário, Leis Penais e Processuais
Penais, Defensoria Pública, DETRAN, Guardas Municipais etc. Isto em níveis
federal, estadual e municipal. Portanto, desestruturar tão somente as Polícias
Militares a pretexto de “humanizar” o serviço policial
não dá para deglutir tão facilmente. Presume-se então que há outros objetivos
embutidos nos singelos propósitos da PEC-51 supostamente surgida da mente e da
pena de um Senador da República petista, do RJ, e candidato a governador nas
próximas eleições. Imaginar prudência num contexto destes é ser, na verdade,
imprudente ao extremo...
Por
que a PEC-51 me parece decisiva? Por que considero indispensável e urgente a
desmilitarização e a mudança do modelo policial? As respostas se apoiam na
seguinte tese: o crescimento vertiginoso da população penitenciária no Brasil,
a partir de 2002 e 2003, seu perfil social e de cor tão marcado, assim como a
perversa seleção dos crimes privilegiados pelo foco repressivo, devem-se,
prioritariamente, à arquitetura institucional da segurança pública, em especial
à forma de organização das polícias, que dividem entre si o ciclo de trabalho,
e ao caráter militar da polícia ostensiva. Devem-se também às políticas de
segurança adotadas e não seria possível, no modo em que transcorre, se não
vigorasse a desastrosa lei de drogas. Observe-se que a arquitetura
institucional inscreve-se no campo mais abrangente da justiça criminal, o que,
por sua vez, significa que o funcionamento das polícias, estruturadas nos
termos ditados pelo modelo constitucionalmente estipulado, produz resultados na
dupla interação: com as políticas criminais e com a linha de montagem que
conecta polícia civil, Ministério Público, Justiça e sistema penitenciário.
Pretendo demonstrar que a falência do sistema investigativo e a inépcia
preventiva – entre cujos efeitos incluem-se a explosão de encarceramentos e seu
viés racista e classista – são também os principais responsáveis pela
insegurança, em suas duas manifestações mais dramáticas, a explosão de
homicídios dolosos e da brutalidade policial letal.
Há
pressupostos e implicações teóricas em minha hipótese que devem ser
explicitados, assim como uma interlocução subjacente com a tese popularizada
por Loic Wacquant, em sua influente obra, As Prisões da Miséria (Jorge Zahar Editora).
O autor sugere conexões funcionais entre a adoção do receituário neoliberal nos
Estados Unidos e o aumento dramático das taxas de encarceramento, sobretudo de
pobres e negros. O neoliberalismo, ao promover o crescimento do desemprego, o
esvaziamento de políticas sociais e a desmontagem de garantias individuais,
exigiria a criminalização da pobreza para aplacar as demandas populares e
evitar a eventual tradução política da exclusão em protagonismo crítico ou
insurgente. Se o exército de reserva da força de trabalho não é mais necessário,
dadas as peculiaridades do sistema econômico globalizado que transfere a
exploração do trabalho para países dependentes, ou apresenta riscos de
converter-se em fonte de instabilidade política, torna-se conveniente canalizar
contingentes numeros dos descartáveis para o sistema penitenciário. Não por
acaso, os EUA viriam a produzir a maior população penitenciária do mundo. Certo
ou errado para o caso norte-americano, o diagnóstico não se aplica ao Brasil.
Entre nós, a epidemia do encarceramento coincide com os governos do PT, que
poderiam merecer todo tipo de crítica, menos as de serem neoliberais,
promotores de desemprego e do desmonte de políticas e garantias sociais. Pelo
contrário, não resta dúvida quanto às virtudes sociais dos mandatos do presidente
Lula, durante os quais houve redução das desigualdades e ampliação do emprego e
da renda. Contudo, nunca antes na história
desse país prendeu-se tanto. Atribuo a expansão do encarceramento à
combinação entre as estruturas organizacionais das polícias, a adoção de
políticas de segurança que privilegiaram determinados focos seletivos e a
vigência, seguida da potencialização discricionária da Lei de drogas. Tudo isso
em um contexto de crescimento econômico e dinamismo social que intensifica as
cobranças por elevação do rendimento de todas as instituições. Para demonstrar
minha tese, impõe-se um percurso argumentativo.
Meu
comentário
O longo texto é mistura de ideologias mescladas com suposições postas como “ciência”. A eloquência do autor do texto é inegável; sua cultura é reconhecidamente brilhante. Daí ser-lhe fácil produzir a comunicação do modo que lhe convém, claro que com intenção de influenciar o máximo que puder. No meu modo de ver, o texto acima é desnecessário neste contexto e apenas serve para reforçar a ideia de que a PEC-51 não tem origem na mente do seu signatário, Senador Lindberg Farias, que neste andar da carruagem se torna apenas carroça carregando ideias alheias com as quais entusiasticamente comunga. Todavia, pelo menos o autor do texto, Luiz Eduardo Soares, que neste ponto se situa na primeira pessoa, assume para si suas “hipóteses”, o que significa dizer que todo o Brasil de 200 milhões de habitantes está dependente da ideia de apenas uma pessoa de cujo brilhantismo não se duvida, ele é portador de excelência intelectual que merece aplauso, mas que, em virtude destas qualidades, é capaz de generalizar brilhantemente qualquer ideia una como se fosse múltipla, com o direito inclusive de reproduzir a famigerada frase (grifada) do ex-presidente Lula (“nunca antes na história deste país prendeu-se tanto”), mas com sentido de oximoro, para dar um toque de isenção à ideia central deste notório petista e assumido socialista ("eurocomunista"), que, por se integrar ao Ministério da Justiça do PT, não faz qualquer referência à aberração constitucional denominada Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). Por quê?... No fim de contas, a Força nacional de Segurança Pública é formada por efetivos de diversas PPMM pátria e vem atuando na manutenção da ordem pública em diversos Estados Federados.
O longo texto é mistura de ideologias mescladas com suposições postas como “ciência”. A eloquência do autor do texto é inegável; sua cultura é reconhecidamente brilhante. Daí ser-lhe fácil produzir a comunicação do modo que lhe convém, claro que com intenção de influenciar o máximo que puder. No meu modo de ver, o texto acima é desnecessário neste contexto e apenas serve para reforçar a ideia de que a PEC-51 não tem origem na mente do seu signatário, Senador Lindberg Farias, que neste andar da carruagem se torna apenas carroça carregando ideias alheias com as quais entusiasticamente comunga. Todavia, pelo menos o autor do texto, Luiz Eduardo Soares, que neste ponto se situa na primeira pessoa, assume para si suas “hipóteses”, o que significa dizer que todo o Brasil de 200 milhões de habitantes está dependente da ideia de apenas uma pessoa de cujo brilhantismo não se duvida, ele é portador de excelência intelectual que merece aplauso, mas que, em virtude destas qualidades, é capaz de generalizar brilhantemente qualquer ideia una como se fosse múltipla, com o direito inclusive de reproduzir a famigerada frase (grifada) do ex-presidente Lula (“nunca antes na história deste país prendeu-se tanto”), mas com sentido de oximoro, para dar um toque de isenção à ideia central deste notório petista e assumido socialista ("eurocomunista"), que, por se integrar ao Ministério da Justiça do PT, não faz qualquer referência à aberração constitucional denominada Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). Por quê?... No fim de contas, a Força nacional de Segurança Pública é formada por efetivos de diversas PPMM pátria e vem atuando na manutenção da ordem pública em diversos Estados Federados.
I. Voracidade
encarceradora enviesada e os circuitos da violência letal
Entre
1980 a 2010, 1 milhão, 98 mil e 675 brasileiros foram assassinados. O país
convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas
são jovens pobres, do sexo masculino, sobretudo negros. Desse volume aterrador,
apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da Violência, do professor
Waiselfisz, publicado em 2012. Mas não nos precipitemos a daí deduzir que o
Brasil seja o país da impunidade, como o populismo
penal conservador e a esquerda punitiva
costumam alardear. Pelo contrário, temos a quarta população carcerária do mundo
e, provavelmente, a taxa de crescimento mais veloz. Ou seja, além de não evitar
as mortes violentas intencionais e de não as investigar, o Estado brasileiro
prende muito e mal. As prioridades estão trocadas. A vida não é valorizada e se
abusa do encarceramento. A privação de liberdade, este atestado de falência
civilizatória, para a qual ainda não dispomos de alternativa hábil, deveria ser
o último recurso, exclusivamente para casos violentos, crimes contra a pessoa,
quando o agressor representasse riscos reais para a sociedade. Hoje, temos 550
mil presos.
Entre
os presos, apenas cerca de 12% cumprem pena por crimes letais. 40% são
provisórios. Dois terços dessa população, aproximadamente 367 mil, foram presos
sob acusação de tráfico de drogas ou crimes contra o patrimônio. Fica patente
que os crimes contra a vida, assim como as armas, não constituem prioridade. Os
focos são outros: patrimônio e drogas.
Meu
comentário:
Aqui o autor se reporta a uma dura realidade, e eu
acrescento que exatamente por ser assim é que as PPMM, mal estruturadas para
exercitarem apenas a polícia administrativa de segurança pública, se veem
atropeladas por acontecimentos criminosos acima e além da sua capacidade
operacional, dependendo do Estado-membro considerado. No caso da PMERJ, esta
situação é sobremodo aflitiva e dispensa maiores comentários, a não ser o de
confirmar que ela não pode servir de paradigma para a desmilitarização de todas
as PPMM. Mas, com certeza, não será a desmilitarização pura e simples que
resolverá a grave questão exposta pelo autor, porque é evidente que todos esses
efeitos não têm como causa tão-somente as PPMM e suas equivocadas intervenções
geralmente mediante ordem do andar de cima. Aliás, talvez lhes caiba a menor
parte e não se deve tomar o efeito pela causa para confundir...
II. Estruturas organizacionais e
práticas seletivas
As
PMs são definidas como força reserva do Exército e submetidas a um modelo
organizacional concebido à sua imagem e semelhança, fortemente verticalizado e
rígido. A boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento
de suas funções. As características organizacionais do Exército atendem à sua
missão constitucional, porque tornam possível o “pronto emprego”, qualidade
essencial às ações bélicas destinadas à defesa nacional.
A
missão das polícias no Estado democrático de direito é inteiramente diferente
daquela que cabe ao Exército. O dever das polícias, vale reiterar, é prover
segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da Lei, ou seja, protegendo
seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões que os violem. O
funcionamento usual das instituições policiais com presença uniformizada e
ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dada a
variedade, a complexidade e o dinamismo dos problemas a superar, os seguintes
atributos: descentralização; valorização do trabalho na ponta; flexibilidade no
processo decisório nos limites da legalidade, do respeito aos direitos humanos
e dos princípios internacionalmente concertados que regem o uso comedido da
força; plasticidade adaptativa às especificidades locais; capacidade de
interlocução, liderança, mediação e diagnóstico; liberdade para adoção de
iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e intervenções
governamentais inter-setoriais. Idealmente, o (a) policial na esquina é um (a)
gestor (a) da segurança em escala territorial limitada com amplo acesso à
comunicação intra e extra-institucional, de corte horizontal e transversal [1].
A
PM é um corpo de servidores públicos pressionado pelo governo, pela mídia, pela
sociedade a trabalhar e produzir resultados, os quais deveriam ser entendidos
como a provisão da garantia de direitos e a redução da criminalidade, sobretudo
violenta, estabilizando e universalizando expectativas positivas relativamente
à cooperação. Entretanto, resultados não são compreendidos nesses termos, seja
porque interpõe-se a opacidade dos valores da guerra contra o inimigo interno,
seja porque a máquina policial apenas avança para onde aponta seu nariz, por
assim dizer. Em outras palavras, a máquina, para produzir, respondendo à
pressão externa (crescente quando o país cresce e a sociedade intensifica
cobranças, levando os governos a exigir mais produtividade de seus aparatos),
precisa mover-se, isto é, funcionar, e só o faz segundo as possibilidades
oferecidas por seus mecanismos, os quais operam em sintonia com o repertório
proporcionado pela tradição corporativa, repassado nas interações cotidianas,
nos comandos e no processo de socialização, o qual incorpora e transcende a
formação técnica.
A
máquina funciona determinando às equipes de subalternos nas ruas, pelos canais
hierárquicos do comando, ao longo dos turnos de trabalho, trajetos de
patrulhamento, em cujo âmbito realiza-se a vigilância. A operacionalização
depende da subserviência do funcionário que atua na ponta, ao qual se exige
renúncia à dimensão profissional de seu ofício, à liberdade de pensar,
diagnosticar, avaliar, interagir para conhecer, planejar, decidir, mobilizar
recursos multissetoriais, antecipando-se aos problemas identificados como
prioritários. A inexorável discricionariedade da função policial será exercida
nos limites impostos pela abdicação do pensamento e do protagonismo
profissional. Será reduzida ao arbítrio, porque descarnada da finalidade superior,
que daria sentido à sua ação. O que restará ao policial militar na ponta, na
rua? O que caberá ao soldado? Varrer a rua com os olhos e a audição,
classificando personagens e biotipos, gestos e linguagens corporais, figurinos
e vocabulários, orientado pelo imperativo de funcionar, produzir, o que
significa, para a PM, prender. Ad hoc, no varejo do
cotidiano, só resta ao soldado procurar o flagrante, flagrar a ocorrência,
capturar o suspeito. Os grupos sociais mais vulneráveis serão também, no quadro
maior das desigualdades brasileiras e do racismo estrutural, os mais
vulneráveis à escolha dos policiais, porque eles projetarão preconceitos no
exercício de sua vigilância. Nos territórios vulneráveis, a tendência será
atuar como tropa de ocupação e enfrentar inimigos. Assim se explicam as
milhares de execuções extra-judiciais sob o título cínico de
autos-de-resistência, abençoados pelo MP sem investigação e arquivados com o
aval cúmplice da Justiça, ante a omissão da mídia e de parte da sociedade.
Por
fim, o flagrante exige um tipo penal: na ausência da antiga vadiagem, está à
mão a lei de drogas (e não só). Ou seja, pressionar a PM a funcionar equivale a
lhe cobrar resultados, os quais serão interpretados não como redução da
violência ou resolução de problemas, mas como efetividade de sua prática, ou
seja, como produtividade confundida com prisões, contabilizada em prisões,
aquelas mais prováveis pelo método disponível, o flagrante. O personagem, o
biotipo, o rótulo, o figurino, o território, a fala, a vigilância no
varejo das ruas, a ação randômica em busca do flagra: não é preciso grandes
articulações funcionais entre macro-economia e políticas sociais, a
proporcionar sobrevida ao capitalismo. Basta a máquina funcionar. Ela não
investiga, porque a fratura do ciclo, prevista no modelo, não permite. Ela está
condenada a enxergar o que se vê na deambulação vigilante, em busca dos
personagens previsíveis, que confirmem o estereótipo e estejam nas ruas,
mostrem-se acessíveis. Ela vai á caça do personagem socialmente vulnerável, que
comete determinados tipos de delito, captáveis pelo radar do policiamento
ostensivo.
Claro
que a política criminal é decisiva, assim como a política de segurança, com
suas escolhas de fundo, mas é indiscutível que cumprem papel determinante a
militarização e a ruptura do ciclo do trabalho policial. A divisão do ciclo, no
contexto da cultura corporativa belicista –herdada da ditadura e do
autoritarismo onipresente na história brasileira–, cria uma polícia
exclusivamente ostensiva, cuja natureza militar –fortemente centralizada e
hierarquizada– inibe o pensamento na ponta, obsta a valorização do policial e
de sua autonomia profissional, e mutila a responsabilidade do agente,
degradando a discricionariedade hermenêutica em arbitrariedade subjetiva. A
aprovação da PEC-51 não resolverá todos os problemas. Longe disso. Entretanto,
pelos motivos expostos, constitui condição sine qua non para que eles comecem a
ser enfrentados.
Meu
comentário:
Texto irrepreensível, digno de ser emoldurado e
pendurado em todos os quartéis policiais militares Brasil afora. Desta feita o
autor se sobrepujou a si em excelência. Tem ele razão desde a primeira letra ao
ponto final desta parte, que deveria ser introdutória de tudo que disse antes.
Realmente este é o retrato da PMERJ e quiçá da PMSP. Não sei das demais, pois,
como assevera o autor em outros momentos, não é possível enformar como massa
comum ambientes multivariados e multifacetados como se fossem idênticos. Mas
creio que em relação às demais PPMM, pelo que nos chega via mídia e por outros
meios (redes sociais) os problemas são iguais, variando a extensão e a
profundidade deles.
Não sei se esta conclusão decorreu da pesquisa
referida no texto; não sei se a pesquisa considerou em equilíbrio o país no seu
todo. Até creio que não, e talvez a discussão direta com cada PM pátria sobre
os benefícios da PEC-51, dando espaço para questionamentos e decisões
comungadas por oficiais e praças das PPMM, poderia salvar como “evolução” a
referida mudança proposta como “revolução”, só que sem armas, as armas estão na
outra trincheira apinhada de PMs (500 mil), além da força reserva de inativos
que ainda conseguem força para combater e se integrarão aos ativos como
voluntários. Partir para uma “mudança revolucionária” num cenário assim, tão
adverso, poderá produzir efeito cruel em vez da harmonia social pretendida
pelos defensores da PEC-51.
[1] Este parágrafo foi escrito em parceria com Ricardo Balestreri para
artigo que publicamos juntos na Folha de São Paulo, em 18 de maio de 2012, sob
o título, “A Raiz de nossos problemas de segurança”.
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