quarta-feira, 3 de julho de 2013

A desmilitarização das Polícias Militares




É incrível ver o complexo tema da desmilitarização das Polícias Militares pátrias posto sobre a mesa em tamanha simplicidade. Parece matéria de ficção literária. Excluído o manifestante Gabriel a destoar o coral desta embolada, esquecem-se os ilustres estudiosos sublinhados de que lidam com instituições seculares, nascidas na pujança do absolutismo e tão resistentes a mudanças que ainda hoje desafiam as estruturas de poder, estas mesmas que dominam o país há quase dois séculos, sendo certo que a PMERJ remonta ao ano de 1809 e as demais, aos anos seguintes, indo aos idos de 1835, no mais ou no menos. Enfim, as Polícias Militares não guardam nenhuma relação com ditadura militar, mas é íntima de todos os regimes autoritários e supostamente democráticos que se impuseram no Brasil pela força ou pelo voto de cabresto desde o Brasil Colônia, passando pelo Brasil Império e viajando pelo Brasil República, este que ainda hoje exige do cidadão brasileiro o voto obrigatório. 

Esclarecendo que sou favorável à adoção de um novo modelo de polícia no Brasil, tal como muitos policiais civis e militares, entendo, porém, que alterar a atual estrutura não é tão simples como sugeriram alguns dos entrevistados pela habilidosa jornalista Vera Araújo, que sabe como ninguém atiçar uma boa polêmica. Não que sejam eles incapazes de opinar. Afinal, ideologias de lado, todos são indiscutíveis autoridades no assunto. Mas a desmilitarização das Polícias Militares, – com a devida vênia dos que lavraram suas opiniões, – tem imperativamente de passar por Emenda Constitucional, ou seja, tem de ser levada à decisão do Congresso Nacional, com ressalva de que mudança conjuntural e estrutural tão tamanhona envolve circunstâncias políticas que não serão facilmente vencidas. Ainda mais em se tratando de momento em que os poderes executivo e legislativo estão desmoralizados na ótica do povo... Por conseguinte, chega a ser hilariante colocar as Polícias Militares como um “bode” no centro deste enorme salão... 

Ora, não cabe reduzir uma crise nacional ao comportamento operacional das Polícias Militares em reação às surpreendentes manifestações populares, mais ainda surpreendentes, por sinal, pela falta de objetividade do discurso dos manifestantes, a não ser em relação às tarifas de transporte coletivo, embora tenha sobrado excelência na mobilização por via das redes sociais. Sim, as manifestações foram organizadas, bem articuladas, distribuídas Brasil afora, e praticamente suspensas ao fim da Copa das Confederações. Mas o raro fenômeno social obrigou os governantes a acionar suas Polícias Militares, todas elas, cá entre nós, carentes de treinamento e de materiais destinados ao controle de distúrbios civis. Claro que as cenas de violência, muitas delas, decorreram da falta de preparo da tropa, inclusive psicológico, dentre outras falhas operacionais aberrantes. Pois sabemos, - nós que somos do ramo, - que existe uma gama de procedimentos treinados e um sem-número de meios materiais capazes de manter um lado afastado do outro, como, por exemplo, os canhões d’água, que produzem excelente efeito na dispersão de manifestantes e não machucam ninguém; quando muito, produzem alguns resfriados. 

Agora, falhas milicianas à parte, não fosse a ação enérgica das Polícias Militares no sentido de conter as manifestações e reprimir os vândalos, talvez hoje estivéssemos assistindo a uma reedição de 1964. Portanto, é má hora atrair a atenção para a desmilitarização “imediata”, como sugerem alguns dos entrevistados, bastando aqui o argumento no sentido de que isto é utopia, não se compraz com o grave momento de rejeição popular não somente às Polícias Militares, estas que, aliás, estão acostumadas a enfrentar esse tipo de situação. A questão se prende a algo maior: rejeição a um sistema político corroído de cabo a rabo pela corrupção desembestada, pondo as ideologias de esquerda em xeque-mate. Ora, transferir esta conta para os exauridos costados das Polícias Militares e para a “direita” é piada de mau gosto. 

Como já afirmei, sou favorável, como muitos companheiros policiais lúcidos, à mudança do modelo de segurança pública no Brasil. Vejo a desmilitarização com bons olhos. Por outro lado, devo lembrar que distúrbios civis ocorrem no mundo inteiro e a repressão nos países de extrema esquerda é das piores, destacando-se a mui amada Cuba de Fidel, ou a mui amada China de Mao, nas quais manifestantes inexistem: foram fuzilados e estão sepultados. Aqui pelo menos não se mata manifestante e a pancadaria ocorre com prejuízos para ambos os lados da contenda. Ah, sim, que se diga para evitar confusões típicas de quem trata de tema contaminado por ideologias: os países em destaque são mui amados pelas esquerdas pátrias, em especial pelos ocupantes do Poder Central. Não por mim... 

Mesmo, porém, simpático à mudança estrutural da segurança pública no Brasil, quero evidenciar que minha opinião e nada são a mesma coisa. Talvez comparada em valor à do manifestante escolhido pelo Jornal O GLOBO para ser ouvido... Mas ai de nós se o tema for posto na sala como um “bode” apelidado de Polícia Militar! Ademais, quem muda a Carta Magna num regime democrático são os políticos. Eles, porém, tratam de tudo, menos de segurança pública, e é fácil saber por que evitam mexer nesse vespeiro que ocupa um título constitucional que bem claramente diz a que veio: “Titulo V - Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Se não bastasse, eis o Inciso XXI do Art. 22 da Lei maior: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;” Enfim, eis a “Polícia do Estado”, que não é invenção da polícia, e que, portanto, exige a consideração do conjunto da obra, que, gostem ou não, inclui as Forças Armadas como protagonistas “da lei e da ordem”: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” 

Ora bem, discorrer sobre o significado legal e doutrinário da “lei e da ordem” a que se refere o supracitado artigo constitucional é para outra ocasião...

 

 

 

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