É incrível ver o complexo tema da desmilitarização das Polícias
Militares pátrias posto sobre a mesa em tamanha simplicidade. Parece matéria de
ficção literária. Excluído o manifestante Gabriel a destoar o coral desta embolada, esquecem-se
os ilustres estudiosos sublinhados de que lidam com instituições seculares,
nascidas na pujança do absolutismo e tão resistentes a mudanças que ainda hoje
desafiam as estruturas de poder, estas mesmas que dominam o país há quase dois
séculos, sendo certo que a PMERJ remonta ao ano de 1809 e as demais, aos anos
seguintes, indo aos idos de 1835, no mais ou no menos. Enfim, as Polícias
Militares não guardam nenhuma relação com ditadura militar, mas é íntima de
todos os regimes autoritários e supostamente democráticos que se impuseram no
Brasil pela força ou pelo voto de cabresto desde o Brasil Colônia, passando
pelo Brasil Império e viajando pelo Brasil República, este que ainda hoje exige
do cidadão brasileiro o voto obrigatório.
Esclarecendo que sou favorável à adoção de um novo modelo de polícia no
Brasil, tal como muitos policiais civis e militares, entendo, porém, que
alterar a atual estrutura não é tão simples como sugeriram alguns dos
entrevistados pela habilidosa jornalista Vera Araújo, que sabe como ninguém atiçar uma boa polêmica. Não que sejam eles incapazes
de opinar. Afinal, ideologias de lado, todos são indiscutíveis autoridades no
assunto. Mas a desmilitarização das Polícias Militares, – com a devida vênia
dos que lavraram suas opiniões, – tem imperativamente de passar por Emenda Constitucional, ou seja, tem de ser levada à decisão do Congresso Nacional, com
ressalva de que mudança conjuntural e estrutural tão tamanhona envolve circunstâncias
políticas que não serão facilmente vencidas. Ainda mais em se tratando de momento em que os poderes executivo e legislativo estão desmoralizados na
ótica do povo... Por conseguinte, chega a ser hilariante colocar as Polícias
Militares como um “bode” no centro deste enorme salão...
Ora, não cabe reduzir uma crise nacional ao comportamento operacional das
Polícias Militares em reação às surpreendentes manifestações populares, mais
ainda surpreendentes, por sinal, pela falta de objetividade do discurso dos manifestantes, a
não ser em relação às tarifas de transporte coletivo, embora tenha sobrado
excelência na mobilização por via das redes sociais. Sim, as manifestações
foram organizadas, bem articuladas, distribuídas Brasil afora, e praticamente
suspensas ao fim da Copa das Confederações. Mas o raro fenômeno social obrigou os
governantes a acionar suas Polícias Militares, todas elas, cá entre nós,
carentes de treinamento e de materiais destinados ao controle de distúrbios
civis. Claro que as cenas de violência, muitas delas, decorreram da falta de
preparo da tropa, inclusive psicológico, dentre outras falhas operacionais aberrantes.
Pois sabemos, - nós que somos do ramo, - que existe uma gama de procedimentos
treinados e um sem-número de meios materiais capazes de manter um lado afastado
do outro, como, por exemplo, os canhões d’água, que produzem excelente efeito
na dispersão de manifestantes e não machucam ninguém; quando muito, produzem
alguns resfriados.
Agora, falhas milicianas à parte, não fosse a ação enérgica das
Polícias Militares no sentido de conter as manifestações e reprimir os
vândalos, talvez hoje estivéssemos assistindo a uma reedição de 1964. Portanto,
é má hora atrair a atenção para a desmilitarização “imediata”, como sugerem
alguns dos entrevistados, bastando aqui o argumento no sentido de que isto é
utopia, não se compraz com o grave momento de rejeição popular não somente às
Polícias Militares, estas que, aliás, estão acostumadas a enfrentar esse tipo
de situação. A questão se prende a algo maior: rejeição a um sistema político
corroído de cabo a rabo pela corrupção desembestada, pondo as ideologias de
esquerda em xeque-mate. Ora, transferir esta conta para os exauridos costados
das Polícias Militares e para a “direita” é piada de mau gosto.
Como já afirmei, sou favorável, como muitos companheiros policiais lúcidos,
à mudança do modelo de segurança pública no Brasil. Vejo a desmilitarização com
bons olhos. Por outro lado, devo lembrar que distúrbios civis ocorrem no mundo
inteiro e a repressão nos países de extrema esquerda é das piores, destacando-se
a mui amada Cuba de Fidel, ou a mui amada China de Mao, nas quais manifestantes
inexistem: foram fuzilados e estão sepultados. Aqui pelo menos não se mata
manifestante e a pancadaria ocorre com prejuízos para ambos os lados da
contenda. Ah, sim, que se diga para evitar confusões típicas de quem trata de
tema contaminado por ideologias: os países em destaque são mui amados pelas
esquerdas pátrias, em especial pelos ocupantes do Poder Central. Não por mim...
Mesmo, porém, simpático à mudança estrutural da segurança pública no
Brasil, quero evidenciar que minha opinião e nada são a mesma coisa. Talvez
comparada em valor à do manifestante escolhido pelo Jornal O GLOBO para ser
ouvido... Mas ai de nós se o tema for posto na sala como um “bode” apelidado de
Polícia Militar! Ademais, quem muda a Carta Magna num regime democrático são os
políticos. Eles, porém, tratam de tudo, menos de segurança pública, e é fácil
saber por que evitam mexer nesse vespeiro que ocupa um título constitucional
que bem claramente diz a que veio: “Titulo V - Da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas”. Se não bastasse, eis o Inciso XXI do Art. 22 da Lei
maior: “Art. 22. Compete privativamente à
União legislar sobre: (...) XXI - normas gerais de organização, efetivos,
material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e
corpos de bombeiros militares;” Enfim, eis a “Polícia do Estado”, que não é
invenção da polícia, e que, portanto, exige a consideração do conjunto da obra,
que, gostem ou não, inclui as Forças Armadas como protagonistas “da lei e da
ordem”: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do
Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Ora bem, discorrer sobre o significado legal e doutrinário da “lei e da
ordem” a que se refere o supracitado artigo constitucional é para outra
ocasião...
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