Tenho pelo Cel PM Fernando Belo, digno presidente da AME, mais que admiração profissional, mas uma sólida amizade pessoal. No entanto, devo discordar da opinião dele inserindo alguns poucos argumentos à baila dessa discussão que promete desdobramentos:
1) Os estandes de tiro dos quartéis não são apropriados ao exercício do tiro de fuzil. Destinam-se ao treino com armas curtas e nem vou comentar sobre a ociosidade desses importantes locais de treinamento onde a PMERJ deveria gastar o máximo de munição para economizá-la nas ruas e diminuir o forte risco de mortes indistintas por insuficiência de treinamento intensivo.
2) Como os estandes de tiro não são apropriados ao treinamento com fuzil (em muitas unidades inexistem), é de se supor que os fuzis troquem de mãos durante o revezamento das guarnições que logo picam o passo com destino aos seus lares ou aos “bicos” a garantirem o indispensável complemento de seus gastos com a família. Nem digo sobre o cansaço permanente a que as guarnições se submetem em vista de necessidades pessoais e familiares: o cansaço em si, de qualquer origem, desaprova qualquer treinamento com armas, demais de ser contraproducente.
3) Esta realidade é a que eu vivenciei na PMERJ durante quase trinta anos de serviço acrescidos da condição de instrutor de tiro muitas vezes adstrito ao ensinamento de manutenção do armamento (desmontar, limpar, reparar e remontar armas), sem qualquer possibilidade de usar munição, mesmo recarregada, cuja quantidade não supria toda a corporação, malgrado o elogiável esforço do setor de recarga da PMERJ que funcionava por conta da abnegação de um tenente e sua equipe.
4) Foi num contexto assim, desfavorável, que o fuzil foi jorrado na tropa em grandes quantidades. Contribuiu para a temerária decisão o assassinato em série de PMs tal como hoje ocorre em São Paulo, demais da ostensiva arrogância de bandidos a brandirem fuzis em ameaça inconcebível ao aparato policial e à sociedade no seu todo devido à ampla difusão de seus gestos arrogantes e impunes.
5) Portanto, a meu ver não se justifica a banalização do uso de uma arma destinada a atiradores de escol, cautela necessária para preservar a vida de inocentes. Mas o que se vê constantemente é o avanço de meia dúzia de corajosos PMs com seus fuzis a buscarem tiroteios com traficantes de efeitos danosos ao agente policial e ao povo principalmente favelado. Porque é raríssimo o PM fazer uso de fuzil em confronto no asfalto, o que impõe a perigosa ideia de que é somente na favela que está o “inimigo” a ser fuzilado. E, claro, vento que venta pra lá, venta pra cá...
6) Além de aplaudir a diminuição do número de fuzis em mãos de guarnições, defendo o concomitante treinamento intensivo com armas curtas, para que o PM se sinta capaz de saber que a determinada distância o seu tiro contra algum alvo fixo ou móvel será infalível. Nada de rajadas inócuas, mas tiros qualitativos. Não significa abolir totalmente o uso do fuzil, mas limitá-lo destinando-o a atiradores de escol capazes sempre de acertar o alvo e eliminar o perigo. Sobre como a tropa deve se deslocar no terreno (asfalto, favela ou selva) o treinamento é simples e deve também ser intensivo, tal como os times de futebol treinam para o jogo seguinte, embora aparentemente não passe de um mesmo evento com pessoas diversas do outro lado e às vezes (muitas vezes) as mesmas pessoas de um mesmo time. É a respeito desse treinamento que falo, ou seja, com o PM treinando até mesmo se lançar ao chão em reflexo condicionado ou se ocultar e se proteger antes de atirar com precisão arduamente treinada.
7) A PMERJ bem que poderia exercitar campeonatos internos de tiro para motivar a tropa a treinar, claro que com o apoio dos aparatos individuais de segurança, em especial o abafador de tiro, que por não ser antes utilizado como regra pela corporação, tem ela hoje um exército de surdos (“trauma do artilheiro”) na ativa e na inatividade. Pior é que a perda dessa importante função tem sido pouco argumento para a reforma dos surdos, tudo porque um dia determinado oficial, ex-comandante, fingiu que ouvia bem e assim se manifestou a um repórter em plena rua. Ao tentar ocultar sua deficiência (prefiro crer, pela lógica da falta de abafador em seus treinamentos como aluno e instrutor), o inverso tornou-se verdade e alvo de chacota, assim como vem inviabilizando a reforma de milhares de PMs surdos feito uma pedreira. Ora, isto é covardia! Mais uma dentre muitas covardias estatais quando se trata de reconhecer direitos de PMs num mínimo exigido pela dignidade humana gravada em convenções internacionais e na Carta Magna.
8) Que se recolham, pois, os fuzis! Tem razão o sistema ao decidir pelo menos iniciar a mudança de uma cultura que brotou do fato de essas armas chegarem primeiro às mãos de traficantes. Mas combater o mal com um mal maior não se justifica, os resultados disso têm sido desastrosos também para a corporação. Que o uso de fuzis se resuma ao combate planejado e executado por tropas de elite, ficando a prevenção nas ruas e logradouros menos agressiva e mais ágil, desde que, repito, haja a absoluta certeza de que as guarnições estão afinadas com suas armas curtas! Que também se aumente significativamente a pena para portadores de fuzil em quaisquer lugares, incluindo-se um regime mais duro ou idêntico ao do adulto para menores atiradores de escol das quadrilhas de traficantes e quejandos! Mas que se mude, sim, essa cultura nascida ao acaso da aleatoriedade de sempre...
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