sábado, 10 de novembro de 2012

Tenho pelo Cel PM Fernando Belo, digno presidente da AME, mais que admiração profissional, mas uma sólida amizade pessoal. No entanto, devo discordar da opinião dele inserindo alguns poucos argumentos à baila dessa discussão que promete desdobramentos: 

1) Os estandes de tiro dos quartéis não são apropriados ao exercício do tiro de fuzil. Destinam-se ao treino com armas curtas e nem vou comentar sobre a ociosidade desses importantes locais de treinamento onde a PMERJ deveria gastar o máximo de munição para economizá-la nas ruas e diminuir o forte risco de mortes indistintas por insuficiência de treinamento intensivo. 

2) Como os estandes de tiro não são apropriados ao treinamento com fuzil (em muitas unidades inexistem), é de se supor que os fuzis troquem de mãos durante o revezamento das guarnições que logo picam o passo com destino aos seus lares ou aos “bicos” a garantirem o indispensável complemento de seus gastos com a família. Nem digo sobre o cansaço permanente a que as guarnições se submetem em vista de necessidades pessoais e familiares: o cansaço em si, de qualquer origem, desaprova qualquer treinamento com armas, demais de ser contraproducente. 

3) Esta realidade é a que eu vivenciei na PMERJ durante quase trinta anos de serviço acrescidos da condição de instrutor de tiro muitas vezes adstrito ao ensinamento de manutenção do armamento (desmontar, limpar, reparar e remontar armas), sem qualquer possibilidade de usar munição, mesmo recarregada, cuja quantidade não supria toda a corporação, malgrado o elogiável esforço do setor de recarga da PMERJ que funcionava por conta da abnegação de um tenente e sua equipe. 

4) Foi num contexto assim, desfavorável, que o fuzil foi jorrado na tropa em grandes quantidades. Contribuiu para a temerária decisão o assassinato em série de PMs tal como hoje ocorre em São Paulo, demais da ostensiva arrogância de bandidos a brandirem fuzis em ameaça inconcebível ao aparato policial e à sociedade no seu todo devido à ampla difusão de seus gestos arrogantes e impunes. 

5) Portanto, a meu ver não se justifica a banalização do uso de uma arma destinada a atiradores de escol, cautela necessária para preservar a vida de inocentes. Mas o que se vê constantemente é o avanço de meia dúzia de corajosos PMs com seus fuzis a buscarem tiroteios com traficantes de efeitos danosos ao agente policial e ao povo principalmente favelado. Porque é raríssimo o PM fazer uso de fuzil em confronto no asfalto, o que impõe a perigosa ideia de que é somente na favela que está o “inimigo” a ser fuzilado. E, claro, vento que venta pra lá, venta pra cá... 

6) Além de aplaudir a diminuição do número de fuzis em mãos de guarnições, defendo o concomitante treinamento intensivo com armas curtas, para que o PM se sinta capaz de saber que a determinada distância o seu tiro contra algum alvo fixo ou móvel será infalível. Nada de rajadas inócuas, mas tiros qualitativos. Não significa abolir totalmente o uso do fuzil, mas limitá-lo destinando-o a atiradores de escol capazes sempre de acertar o alvo e eliminar o perigo. Sobre como a tropa deve se deslocar no terreno (asfalto, favela ou selva) o treinamento é simples e deve também ser intensivo, tal como os times de futebol treinam para o jogo seguinte, embora aparentemente não passe de um mesmo evento com pessoas diversas do outro lado e às vezes (muitas vezes) as mesmas pessoas de um mesmo time. É a respeito desse treinamento que falo, ou seja, com o PM treinando até mesmo se lançar ao chão em reflexo condicionado ou se ocultar e se proteger antes de atirar com precisão arduamente treinada. 

7) A PMERJ bem que poderia exercitar campeonatos internos de tiro para motivar a tropa a treinar, claro que com o apoio dos aparatos individuais de segurança, em especial o abafador de tiro, que por não ser antes utilizado como regra pela corporação, tem ela hoje um exército de surdos (“trauma do artilheiro”) na ativa e na inatividade. Pior é que a perda dessa importante função tem sido pouco argumento para a reforma dos surdos, tudo porque um dia determinado oficial, ex-comandante, fingiu que ouvia bem e assim se manifestou a um repórter em plena rua. Ao tentar ocultar sua deficiência (prefiro crer, pela lógica da falta de abafador em seus treinamentos como aluno e instrutor), o inverso tornou-se verdade e alvo de chacota, assim como vem inviabilizando a reforma de milhares de PMs surdos feito uma pedreira. Ora, isto é covardia! Mais uma dentre muitas covardias estatais quando se trata de reconhecer direitos de PMs num mínimo exigido pela dignidade humana gravada em convenções internacionais e na Carta Magna. 

8) Que se recolham, pois, os fuzis! Tem razão o sistema ao decidir pelo menos iniciar a mudança de uma cultura que brotou do fato de essas armas chegarem primeiro às mãos de traficantes. Mas combater o mal com um mal maior não se justifica, os resultados disso têm sido desastrosos também para a corporação. Que o uso de fuzis se resuma ao combate planejado e executado por tropas de elite, ficando a prevenção nas ruas e logradouros menos agressiva e mais ágil, desde que, repito, haja a absoluta certeza de que as guarnições estão afinadas com suas armas curtas! Que também se aumente significativamente a pena para portadores de fuzil em quaisquer lugares, incluindo-se um regime mais duro ou idêntico ao do adulto para menores atiradores de escol das quadrilhas de traficantes e quejandos! Mas que se mude, sim, essa cultura nascida ao acaso da aleatoriedade de sempre...

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