quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A violência em São Paulo

Não faz tanto tempo que insinuei estarmos nós, brasileiros, num “beco sem saída” em se tratando de criminalidade e violência. Reportava-me a uma onda de violência a assolar o Rio de Janeiro, com facínoras eliminando sumariamente muitos policiais militares. Vejo agora o mesmo fenômeno em São Paulo (nem me refiro aos simultâneos ataques de bandidos à polícia em Santa Catarina...), de tal modo que culminou esta semana com a execução, por patrulheiros fardados, e em viatura caracterizada, de um servente de pedreiro já por eles imobilizado. É inexplicável o fato porque os policiais militares estão cansados de saber que a tecnologia não mais permite que atos assim permaneçam no anonimato e a punição os alcançará menos tarde. Deduz-se então que a histeria tomou de assalto a racionalidade dos policiais militares, que, de uma condição tranquila de vida, passaram a réus de homicídio qualificado sem qualquer chance de defesa em tribunal. Por que mataram o detido? O que teria levado aqueles policiais ao gesto extremo e ao salto de ponta-cabeça num profundo abismo?...

Ora bem, não me há dúvida de que os PMs paulistas vivenciam um misto de pânico e ira devido à audácia de bandidos que não têm medo de matá-los e não se intimidam ante nenhuma punição, nem que seja a morte em vista de alguma reação. Mas é com esse espírito belicoso e fatalista que eles assassinam em série muitos policiais militares pegos em distração. Tanta arrogância e tal frieza lembram-me aqui um facínora do PCC que desafiou um juiz de direito durante interrogatório, tachando o comportamento do magistrado de “palhaçada”, vídeo amplamente difundido na internet. Disse-o, aliás, com todas as letras, arrotando do seu sujo boquirroto sua condição de “líder do PCC”. Pior que já cumprindo pena, o que confirma a inutilidade da punição que lhe fora antes imposta por outros crimes graves. 

Eis a questão: como combater bandidos tão motivados a sofrerem o cárcere e a morrerem pela causa que defendem? Que lei seria capaz de intimidá-los? Que punição?... A pena de morte?... Não! Claro que não!... Os facínoras integrantes de facções criminosas, desde o advento do Comando Vermelho no Rio de Janeiro (inspirador do PCC de São Paulo), instituíram uma ideologia ou um dogma fatalista: não se prendem a nenhuma regra formal nem se submetem à força estatal representativa da sociedade organizada. Vão ainda além: saem matando policiais como se pisoteassem baratas. E os policiais, com destaque para os que estão fardados e visíveis para inibir criminosos, em vez disso são eliminados, levando os demais à histeria como a que culminou com o tresloucado gesto, o emblema da semana que fará apagar da memória as centenas assassinatos de policiais. Porque na visão imediatista da mídia mais vale o transeunte mordendo a perna do cachorro do que o contrário: o policial deve morrer, mas não pode matar indiscriminadamente, tal como fizeram os integrantes da guarnição policial paulista. 

Lembra-me esse absurdo fato criminoso o “PM Rambo”, da mesma PM paulista, que assassinou um favelado atirando nele pelas costas ao vê-lo sair com seu carro depois de ter sofrido revista pelo próprio assassino. Emblemática foi a reação do “PM Rambo” (não tão gratuitamente assim conhecido) ao depor em sede do Poder Legislativo, numa CPI: “Eu fui treinado assim!” Simples! Curto e grosso!... Mas foi como reagiu o assassino à pressão a que estava submetido por parlamentares, não sendo difícil supor que na favela o seu ânimo fosse o mesmo: explodiu em irracionalidade a destruir duas vidas: a do favelado e a dele próprio, eis que foi expulso da corporação, preso e condenado. 

Há algo estranho nessa irracionalidade que afeta simultaneamente os lados duma só moeda cunhada com a imagem de policiais destreinados, mal remunerados e maltratados por superiores, e de bandidos abraçando dogmas além do razoável. Nem importam a cara ou a coroa, isto é irrelevante, pois tratamos de rotos versus esfarrapados cujo destino é invariavelmente o mesmo: cadeia ou sepultura. E de longe assiste a esse espetáculo de horrores a sociedade formal com seu ministro de estado sintetizando absurdamente que prefere a morte a cumprir pena em cadeia brasileira. Seria apenas trágico, se não fosse cômica, a fala do ministro, eis que é ele o principal responsável pela carceragem nacional, cabendo-lhe o ônus também pelas péssimas condições dos presídios estaduais, não se entendendo por que municípios endinheirados não construírem presídios para guardar seus munícipes criminosos, uma questão de segurança pública que se lhes insere, também, como dever, já que o “Estado” referido na Carta Magna é indistinto quanto aos três níveis de poder, além de responsabilizar os próprios cidadãos: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...” 

Enfim, a preservação da ordem pública deve ser visualizada, sempre, num contexto sistêmico, e não como responsabilidade isolada, tanto do estado quanto do cidadão. Como a ordem pública é um fundamento, uma situação de paz e harmonia na convivência social, a segurança pública é a sua garantia instrumental, esta que, como está na Lei Maior, é dever integral do Estado e responsabilidade de todos, o que inclui bem claramente a sociedade organizada e seus cidadãos. E se bandidos são escolados no crime em presídios destinados a ressocializá-los, a ponto de ordenarem bandidos soltos a eliminar policiais que não valem o preço da moeda que leva a sua imagem, tudo está errado nesta grave tragédia real, porém tratada como ficção pela sociedade brasileira e pelo estado e seus agentes situados no topo das decisões sobre a segurança pública. E chegamos ao extremo dum ministro produzir frases de efeito contra si próprio, porquanto é dele o dever, enquanto ministro de estado da Justiça, e também, além do direito, é sua responsabilidade, enquanto cidadão brasileiro submetido à Carta Magna.

2 comentários:

Paulo Fontes disse...

Comentário da minha autoria publicado no dia 14/11/12, no blog do Reinaldo Azevedo, da Revista Veja


Caro Reinaldo Azevedo
As declarações irresponsáveis do Ministro da Justiça afirmando que se ele fosse preso preferiria morrer, deixam um claro recado, uma mensagem subliminar, para aqueles criminosos que estão cumprindo pena no sistema prisional brasileiro: matar ou morrer, ficar preso nunca. Fugir ou morrer, ficar preso nunca. Promover rebelião ou morrer, ficar preso nunca. Traficar e corromper, ficar preso nunca.
Os apenados no Brasil não têm do que reclamar: tem progressão de regime após cumprir 1/6 da pena, indulto de natal, saída por bom comportamento,usufruem do direito de manter relações íntimas com suas esposas, companheiras, namoradas ou concubinas, e pasmem,suas famílias recebem auxilio reclusão benefícios inimagináveis em qualquer país civilizado do planeta.
Alguém deve lembrar ao Ministro que legislar sobre o sistema penitenciário é competência concorrente da União e dos Estados conforme decorre das prescrições contidas no artigo 24 da Carta Política da Nação, “verbis”:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
E sendo assim o governo do PT que está no poder por quase dez anos já teve tempo suficiente para promover as mudanças necessárias para melhorar o sistema prisional e se não o fez que assuma as conseqüências.
E o tempo que a autoridade passou como Deputado estadual qual foi a sua ação, na parte concorrente do estado, para atuar em cima das causas da questão?
Essas autoridades devem perder a mania de criticar ou se posicionar sobre um determinado assunto como se não fizesse parte dele, o que não é o caso pois o governo faz parte desse imbróglio há mais de dez anos; uma eleição, uma reeleição e uma sucessão já pela metade!
Se o Ministro acha que a situação dos presídios é uma das razões para o aumento da criminalidade ou que o sistema prisional brasileiro é capaz de transformar um pequeno infrator em um criminoso de alta periculosidade e que ele é uma verdadeira escola do crime, que trate então de apontar soluções para o problema.
Se tivéssemos um governo sério e comprometido com a coisa pública esse Ministro deveria ser demitido sumariamente, voltar para o seu partido e cuidar para não se envolver em tramóias tipo “Mensalão”, pois do contrário o homem da capa preta poderá mandá-lo exatamente para o lugar onde os “mensaleiros” cumprirão a pena imposta pelo Supremo Tribunal Federal: a cadeia!

Anônimo disse...

Texto lúcido e que representa com retidão a atualidade vivida em São Paulo e no país.