quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobre os desvios de conduta na PMERJ

Excelente notícia! Mas não se trata de novidade. No antigo RJ, nos idos de 1972, o Coronel do EB Hindemburgo Coelho de Araújo, então comandante-geral da Polícia Militar, mandava reciclar na Companhia Escola de Recrutas, hoje CEFAP, muitos PMs com problemas disciplinares sem seus quartéis. Eles variavam em idade, tempo de serviço, saúde, graduação etc. Por isso cada caso era cuidado isoladamente, sendo comum a todos enfrentar o banco de formação ou aperfeiçoamento em matérias teóricas ministradas nos cursos em andamento ou planejadas para atender a esta situação específica, claro que individualizando os punidos e respeitando seus círculos hierárquicos. Mesmo assim, é certo que muitas injustiças ocorreram ao longo dos anos...
Durante a reciclagem, como era denominado esse trabalho de recuperação pessoal e profissional dos homens, efetuava-se uma rigorosa investigação perscrutando-se os problemas sociais e familiares dos submetidos a esse sistema punitivo, que, em contrário do que possam pensar, não era brando nem curta era a sua duração. Muitos chegavam presos e cumpriam pena disciplinar assistindo às aulas e atuando com recrutas no serviço interno, geralmente de guarda do aquartelamento. Era deveras interessante a interação entre os antigos e os novatos, que anteviam o que sofreriam se se desviassem durante a carreira.
O final da reciclagem apontava situações que iam da conclusão pela reforma de alguns desviados como consequência de estresse e doenças psiquiátricas ao retorno de outros aos quartéis com seus problemas superados e motivados a iniciar nova vida na caserna quase perdida. E outros mais, sem solução, eram excluídos a bem da disciplina ou expulsos da corporação, sendo desnecessário clarear que as decisões de PAD antes da Carta Magna de 1988 eram céleres. Porém, não se pode afirmar que hoje os direitos dos PMs à ampla defesa e ao contraditório, e, especialmente, os seus direitos humanos, sejam respeitados, embora indefectivelmente citados nos textos punitivos em mera formalidade virtual.
Na vigência do segundo comando do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, na condição de deputado estadual e devido ao nosso bom relacionamento (posteriormente deteriorado) eu lhe pude sugerir, juntamente com o Cel PM Jorge da Silva, então chefe do EMG, a criação de um colegiado para rever as exclusões disciplinares. Eu recebia na ALERJ um impressionante contingente humano de excluídos da PMERJ a merecer atenção. Havia muitos vestígios de injustiças, o que me fez levar o problema primeiramente ao Cel PM Jorge da Silva, e em seguida ao supracitado comandante-geral, que se sensibilizou acolheu a sugestão.
O colegiado formado por coronéis (talvez também tenentes-coronéis, se não me falha a memória) logo iniciou seus trabalhos, e, para espanto do sistema, começou a concluir que havia muito mais injustiça que justiça nas anteriores decisões de exclusão disciplinar. Muitas dessas injustiças foram corrigidas, mas depois imperou o “temor midiático” e o coronel Cerqueira subitamente desfez o colegiado, embora ele, o colegiado, atuasse segundo um rigoroso regramento preestabelecido em Resolução publicada em Boletim da PM. Esta Resolução foi elaborada pelo Estado-Maior da corporação por iniciativa do Cel PM Jorge da Silva. Mas, infelizmente, como a quantidade de injustiças praticadas era escandalosa, o sistema tremeu na base e preferiu sepultar a ideia. Não mais se avaliou nada. E assim o Mal tornou a triunfar do Bem.
Agora vejo com animação o retorno da iniciativa em roupagem nova. Confesso, porém, que, apesar de crer na boa intenção do atual comandante-geral, assalta-me um mau presságio. Penso que o sistema tenderá a novamente “amarelar” ante a constatação das injustiças acumuladas. Aliás, muitas delas, praticadas há mais de cinco anos, talvez nem sejam revistas, o que por si só é uma brutal injustiça. Não sei se o comandante-geral poderá vencer esta regra limitadora das decisões administrativas. Espero que sim, embora não eu possa deixar de relembrar Trasímaco: “A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.”
Porque é certo que a mídia estará a cobrar do governante bem mais a exclusão sumária de supostos desviados de conduta, sem jamais manifestar preocupação com o impacto social que cada exclusão produz: perda abrupta do emprego associada à inabilidade para o exercício de outras profissões; perda do direito da família ao sistema de saúde da corporação; enfim, o PM excluído sai da condição de normalidade social e familiar para a de penúria, que, ao fim e ao cabo, ultrapassa a sua pessoa e afeta diretamente a família, com muitas crianças atingidas em razão do desemprego do titular do núcleo familiar. Um criminoso condenado possui mais direitos que um PM excluído a bem da disciplina, e este, muitas vezes sem mais alternativa de sobrevivência, ingressa na vida delituosa...
Superar a injustiça resgatando o passado é indispensável. Não adianta prometer justiça somente de hoje em diante. Seria falácia. Também não vejo necessidade de o comandante-geral decidir isoladamente os casos de exclusão e reinclusão disciplinares. Nem também vejo com bons olhos a Corregedoria Interna investigar, acusar e sentenciar, levando a justiça e a injustiça prontas e acabadas para a assinatura decisória do comandante-geral. No fim de contas, com tantos e diversificados afazeres ele não deve ter tempo para estudar com afinco cada caso em meio aos volumosos processos disciplinares que costumam seguir ao seu gabinete em carrinhos de supermercado.
A verdade é que nada impede de a PMERJ inovar o modelo disciplinar criando Conselhos ou Tribunais Administrativos ou Disciplinares (não importa a denominação, mas os seus fins) nos Comandos Intermediários. Basta-lhe para tanto adaptar o modelo e os ritos dos Conselhos de Sentença da AJMERJ, deste modo definindo com clareza o Presidente, o Relator e três Membros, totalizando cinco julgadores (coronéis e/ou tenentes-coronéis da ativa), funcionando a Corregedoria Interna e seus órgãos fiscalizadores como parte acusadora. De outro lado estará a defesa representada por advogado ou por oficial-procurador formado em Direito. Deste modo simples e formal, cada caso receberá tratamento individualizado, vindo aos autos do PAD não apenas o fato em si, mas a condição social, física e psicológica dos acusados. Assim o julgamento disciplinar considerará a sua repercussão social direta e indireta, garantindo que a punição não ultrapasse a pessoa do acusado, por mais aviltante seja a falta cometida.
Esses Conselhos ou Tribunais Disciplinares atuarão apoiados por secretarias permanentes, para onde os PAD serão encaminhados pelos comandantes, chefes e diretores de OPM quando se tratar de medida extrema de expulsão ou exclusão disciplinar. Poderá haver uma segunda instância de julgamento de recursos (Conselho ou Tribunal Pleno formado pelos coronéis mais antigos do serviço ativo), funcionando conforme os mesmos ritos da primeira instância e igualmente apoiado por uma secretaria permanente.
Não se pretende com a ideia desprestigiar a autoridade disciplinar daqueles comandantes, chefes e diretores, que continuarão a aplicar o regulamento disciplinar em casos de transgressões de menor importância. Entretanto, as decisões de exclusão disciplinar ou expulsão não mais recairão sobre seus ombros, passando a ser matéria de exclusiva apreciação pelos Conselhos ou Tribunais Disciplinares nos termos aqui sugeridos e que devem ser aprimorados. Demais disso, todavia, poderão os punidos por penas menores recorrer delas aos respectivos Conselhos ou Tribunais Disciplinares, que poderão mantê-las, anulá-las ou reformá-las, sempre em benefício e jamais em prejuízo dos requerentes por meio de agravamento da punição original.
Não me parece difícil montar uma estrutura assim na PMERJ. E seria vital para o comandante-geral, que hoje absorve todo o ônus de um problema cuja responsabilidade de saná-lo deveria ser distribuída entre os tenentes-coronéis e coronéis da ativa. Ficaria o comandante-geral, aí sim, como autoridade capaz de receber recursos de decisões desfavoráveis e não unânimes, e também o secretário de segurança pública e o governador, como instâncias superiores, todos orientados por suas assessorias jurídicas. Deste modo, os princípios da ampla defesa e do contraditório e os direitos humanos da família do acusado seriam atendidos nos termos constitucionais do devido processo legal e do respeito à dignidade humana. E assim, e finalmente, o Bem triunfará do Mal...

2 comentários:

Paulo Xavier disse...

Vou tentar explicar aqui o que presenciei algumas vezes na caserna, através de uma analogia, ainda que grosseira.
Um dos melhores jogadores de certo time, de nome Chico, é caçado dentro de campo o tempo todo por seus adversários, sem que o árbitro puna os faltosos. O Chico é jogador leal, não gosta de revidar, mas chega num ponto em que não mais suportando apanhar, parte para cima do árbitro de forma desrespeitosa, cobrando uma atitude. O árbitro, senhor da razão e da situação (qualquer semelhança com alguns Oficiais da PM é mera coincidência)expulsa o Chico, carregando na súmula toda sua ira, colocando inverdades, comprometendo a carreira do atleta.
No futebol esse jogador ficaria um, dois, no máximo alguns jogos suspensos; na PM ele poderá ser excluído definitivamente das fileiras da Corporação e o restante da história está muito bem explícito nessa corajosa narrativa.
Cel Larangeira, hoje trabalho há vinte anos no mesmo setor, sou respeitado e dou muitos conselhos aos mais jovens, creia que muitos não acreditam que sou ex-PM pela minha reta conduta. Melhor pra mim, fica mais fácil eu dizer que fui injustiçado.

Anônimo disse...

Excelente a idéia, Coronel. O nosso CMT Geral poderia examinar a possibilidade de implantar isso. Seria algo justíssimo, sem ficar naquela palhaçada de PAD pra cá e pra lá.

Numa situação como essa, poderia ser livre a discussão sobre o acontecido com o PM acusado; e ele sairia dali sabendo que a justiça foi feita, por pior ou melhor que seja a conclusão final. Os fatores adversos que o Sr. citou, também são muito importantes para pesar na balança na hora da decisão do colegiado.