sábado, 16 de maio de 2015

RIO EM GUERRA LXIX


“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


“Os mortos ficam bem onde caem.”
(M. Assis – Memorial de Aires)



Corpo de Diego foi enterrado em Botafogo (Foto: Marcelo Elizardo / G1)

Extraída do G1 em 16/05/2015, a foto do enterramento de mais um favelado (do Rapper Diego Luniére, de 22 anos, morto com um tiro no pescoço quando tentava visitar o pai) bem retrata a tragédia que abala o Rio de Janeiro, mormente a Região Metropolitana do Grande Rio.

Mas poderia ser sepultamento de PM, pois nesta luta entre rotos e esfarrapados há vítimas constantes de ambos os lados, não importa que sejam ou não traficantes, cidadãos de bem ou policiais, a bala não escolhe cara nem coração, segue o seu curso mortal com a indiferença de sempre...

“os mortos ficam bem onde caem”...

A frase machadiana vence o tempo e nos alcança como severa ironia. Pois, se analisarmos os discursos de gestores e governantes, eles se limitam aos clichês de sempre: “Vamos apurar!”; “A PM reforçou o policiamento!”; “As armas dos policiais foram recolhidas para exame balístico!”; “Os PMs foram retirados das ruas!” etc.

Tudo com muita ênfase para se ajustar aos leitores situados longe da tragédia, e que se contentam em ler e reler os clichês sem se darem conta de que a data da notícia é outra, que os jornais não são os mesmos, que as vítimas não são as anteriores, enfim, “os mortos ficam bem onde caem”, desde que não sejam eles ou suas parentelas.

Tudo repetitivo... Até mesmo meus comentários parecem refletir uma só imagem num jogo de espelhos, já que o assunto é o mesmo, já que não há nada de novo sob o sol, o círculo da criminalidade é vicioso e não há virtuosidade capaz de reverter esta situação de guerra que assola o RJ como um todo, mas reverbera com intensidade nas favelas da capital, instituindo uma falsa ideia de que todas as favelas se concentram na Cidade Maravilhosa, se é que é ainda maravilhosa além dos seus cemitérios a mais e mais apinhados de miseráveis mortos a tiros.

Porque há uma grave perturbação da ordem pública nos moldes que lemos em decretos federais ainda em vigor e nos regulamentos da PMERJ que a eles se reportam. Como, por exemplo, o Decreto nº 88777, de 30 de setembro de 1983 (R-200):

“14) Grave Perturbação ou Subversão da Ordem – Corresponde a todos os tipos de ação, inclusive as decorrentes de calamidade pública, que por sua, natureza, origem, amplitude, potencial e vulto:

  a) superem a capacidade de condução das medidas preventivas e repressivas tomadas pelos Governos Estaduais;

   b) sejam de natureza tal que, a critério do Governo Federal, possam vir a comprometer a integridade nacional, o livre funcionamento de poderes constituídos, a lei, a ordem e a prática das instituições;

   c) impliquem na realização de operações militares.”

Ou nas Bases Doutrinárias da PMERJ (1983):

“Medidas operativas – Medidas de caráter militar adotadas pelo Governo Federal, que visam a neutralizar as ações do inimigo interno, já identificado na fase de Grave Perturbação da Ordem. A situação a enfrentar é a luta interna.”

Mas, apesar da legislação, não mais vale o que está escrito, nenhum governante federal ou estadual jamais admitirá ter perdido a batalha contra a criminalidade, embora isto seja evidente aos olhos de todos. Fica então o Estado-membro fingindo que vence, com a mídia local, bem remunerada, reforçando o otimismo por meio da generalização de sucessos pontuais, como é caso das UPPs no seu início e que agora parece não suportar o peso que lhe impuseram. E quem vence, ao fim e ao cabo, é o Poder Marginal, bastando observar mais atentamente o ambiente social, não apenas o encenado na mídia, mas o real, que é somatório de todos os fragmentos de notícia a minimizarem a cruel realidade da grave perturbação da ordem pública a demandar operações militares como as que funcionam como reais forças de pacificação em confrontos bélicos reconhecidos pela ONU mundo afora.

Mas nem pensar a União admitir que há um confronto bélico em território pátrio, até porque parece ter interesse na manutenção do caos e na submissão da população ao medo constante, medo de tudo, inclusive medo de reagir em contraposição a este Poder Marginal que brada aos ares como bradou o narcotraficante Fernandinho Beira-Mar, em Bangu I, depois de massacrar seus oponentes: “Tá tudo dominado!” E veio ele, com pompas de estrela midiática, a rir do promotor, do juiz e dos jurados no seu último julgamento em que saiu condenado a mais um século de prisão, o que para ele pareceu nada significar, demonstrou que tem vida boa na cadeia e sabe que possui uma legião de viciados aplaudindo-o bem mais do que seriam aplaudidas as pessoas que acertadamente o acusaram, julgaram e condenaram...

Compreende-se... Afinal, nos dias de hoje quem é mais bandido no Brasil?... Ele ou os empresários, burocratas e políticos envolvidos na roubalheira de bilhões dos cofres públicos? Quem é mais nefasto à sociedade?... Ah, onde fica o povo nesta história de sangria bilionária?... Fácil, muito fácil: pagando a conta com maiores juros, recebendo no peito os ajustes fiscais, atordoando-se com o aumento exponencial das tarifas de serviços essenciais, enquanto amarga uma péssima saúde pública, uma educação falida e demais serviços estatais arruinados. E assim o são para facilitar a sangria dos bilhões, decerto tornados trilhões se aqui se somar a ladroagem nos três patamares do Poder Público (União, Estados-membros e Municípios)... Cruzes!

O povo condenado!... Sim, sim, o maior condenado de todos é o povo, cujos olhos não veem a floresta que se oculta atrás do arbusto, só enxergam deste as ramagens. Estão todos cegos e empurrados pela miséria controlada, que chamam “bolsa-família”... Ah, apenas um dos muitos artifícios usados pela facção política para manter o povo afastado do discernimento enquanto enterra seus mortos com direito a no máximo uma semana de mídia para as inúteis choradeiras pedindo “justiça”. E é para isto tão-somente que serve sua desgraça, pois a locomotiva capitalista não diminui velocidade a não ser para descarregar seus vagões lotados de impiedades nas mãos calejadas deste povo demasiadamente sofrido.

Como mudar isto?... Impossível! Não acontece aqui uma calamidade tão ruim para o povo que faça melhorar a sua vida em sociedade. O povo, afinal, é orgânico, é comunidade solidária na tristeza da posse de nada. A sociedade é formal, distante, indiferente, individualizada na alegria da posse de tudo. E é desta sociedade que emerge a “Esquerda Caviar” prometendo alegrias ao povo sofrido, que, no entanto, permanece sofrido e vendo na telinha de sua tevê de rabo quente, ou na dos botequins, os ladrões sendo soltos e outros passeando, chiques e impunes. Por isso o herói do povo das favelas não pode ser um socialite, deve ser quem efetivamente os domina, o amigo das FARCs, que são amigas do PT no Foro de São Paulo. Sim, refiro-me àquele que bradou no presídio depois do massacre: “Tá tudo dominado!” E, diante do juiz, do promotor, e de sete jurados “representando o povo”, imitou o político ao dizer: “Não vi nada, não sei de nada!”...

Mas tudo isto é ficção, é irrealidade, não está acontecendo, estou sonhando!... Não! Não estou sonhando! mais um corpo caiu em São Gonçalo no dia de hoje, está no G1 em letras garrafais, e a história que ora conto já nasce requentada:

“G1 Rio

16/05/2015 12h33 - Atualizado em 16/05/2015 16h19

Testemunhas acusam PM de matar jovem em São Gonçalo, no RJ


Família diz que arma foi plantada perto de jovem para justificar

Polícia afirma que jovem estava sob custódia por porte de arma.

Testemunhas acusam policiais militares de terem matado o ajudante de cozinha Wagner dos Santos Silva, de 19 anos, com um tiro durante uma operação contra o tráfico de drogas na quarta-feira, em São Gonçalo. Segundo o pai, Ricardo Santos, Wagner voltava do trabalho por volta das 17h quando foi atingido por um tiro de fuzil nas costas, no morro da Dita, que fica no bairro do Jockey. No velório, no cemitério São Miguel, parentes e amigos se emocionaram. As informações são do RJTV. (...)”

Ah, é tudo como disse em fina ironia o mestre Machado de Assis se antecipando ao futuro do RJ:


“Os mortos ficam bem onde caem.”




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