segunda-feira, 13 de abril de 2015

RIO EM GUERRA LIII

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

O DIA ONLINE

11/04/2015 23:20:00

Fórum sobre o Alemão emociona e traz propostas para mudar cenário de guerra

Evento promovido pelo O DIA/Iser/Cesec, que aconteceu na sede do Viva Rio, reuniu quase 200 pessoas

NICOLÁS SATRIANO E TÁSSIA DI CARVALHO

Rio - A emoção deu o tom. Numa noite histórica em que O DIA reuniu a cúpula da Polícia Militar, secretarias de Estado, Defensoria Pública, o vice-prefeito do Rio, parlamentares, especialistas, imprensa e dezenas de moradores do complexo, quem saiu ganhando foi o diálogo.


Após três horas e meia no Fórum ‘Alemão: Saídas para a Crise’, o encontro de quinta-feira, que teve 146 assinaturas de presentes na sede do Viva Rio e pelo menos 200 participantes, definiu quatro pautas: compromisso da PM em responder ao pedido de desocupação imediata dos espaços públicos de lazer tomados pelas tropas; criação de fórum de interlocução com os ativistas locais pelas secretarias estaduais de Ação Social e Direitos Humanos e de Segurança Pública; e a viabilização de uma oficina de projetos.

O vice-prefeito Adílson Pires prometeu também destravar a criação da Universidade do Alemão, parceria do Cefet, UFRJ e IFRJ, que necessita de um terreno da prefeitura. “É meu compromisso.”

O evento também foi organizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes (Cesec), e Instituto de Estudo de Religiões (Iser). A possibilidade de ficar frente a frente com autoridades e a cúpula da PM permeou o encontro, que teve início com um minuto de silêncio em homenagem às vítimas da guerra na comunidade, entre elas policiais militares e o menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos.

Houve choro, depoimentos emocionados, denúncias sobre a implantação de “toque de recolher branco”, reclamações sobre a saída de oficiais comprometidos com a população — que estiveram à frente das UPPs no começo do projeto — e críticas ao belicismo da corporação. A maneira como se faz a abordagem de moradores, com xingamentos e até tapas na cara, foi citada em ao menos três depoimentos. Segundo eles, as ameaças são constantes. Houve relatos até de policiais do Bope agredindo PMs de UPPs com tapas na cara, como denunciou a moradora Mariluce Souza.

“Nos últimos anos, o Alemão tem recebido muita polícia e arma. Em vez disso, precisamos de mais programas sociais”, pediu Lúcia Cabral, da ONG Educap. O produtor cultural Helcimar Lopes lamentou a sucessão de proibições de eventos no complexo. Ele foi o primeiro a falar do toque de recolher. “Chegaram a dizer que o teleférico iria fechar”, disse. Eduardo Alves, diretor do Observatório de Favelas, na Maré, lembrou que “não se alcança a paz com ações policiais que tirem as pessoas das ruas.” O coronel Robson Rodrigues, chefe do Estado-Maior da PM, anotava tudo, acompanhado por outros oficiais — todos desarmados.

Junior Perim, do Circo Crescer e Viver, levantou a plateia ao sugerir que o governador Luiz Fernando Pezão montasse um gabinete de crise no Alemão, em vez “de entregá-lo ao Beltrame (secretário de Segurança).” Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Rio, também citou o governador: “Peça perdão pela morte de Eduardo”, sugeriu. E reclamou da nota oficial da presidenta Dilma Rousseff. “Foi pífia.”

Pressionado, o coronel Robson Rodrigues admitiu que a PM não é uma “força monolítica”, numa referência à disputa interna na corporação, entre correntes que defendem o policiamento de proximidade e o confronto. “A PM aceitou o convite para fazer esta guerra há 30, 40 anos, e agora estamos lutando para mudar isso. Mas não é fácil mudar esta cultura”, reconheceu Robson. “Acredito em muitas dores e propostas aqui expostas. Ninguém mais tolera tanta violência no Brasil.”

‘Como é possível paz com fuzil?’

Tempo e espaço reduzidos não impediram que lágrimas fossem derramadas. Durante a fala de Pehkx Jones, subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção, ligado à Secretaria Estadual de Segurança, a moradora Mariluce Souza não conteve a revolta. Olhos marejados, consternada, disse que não queria ver seu filho assassinado. E pôs em xeque as medidas do governo. “Como é possível fazer paz com fuzil?”, questionou.

Emocionada, exigiu respostas do Estado e afirmou que direitos constitucionais só são garantidos para quem não mora na favela. Tanto ela quanto o marido, Kléber Araújo, lembraram reunião em um contêiner com o governador do Rio, dentro do Complexo do Alemão, em que Pezão chegou a pedir a mediação dos moradores para que a paz na comunidade fosse restabelecida.

A moradora foi enfática ao contestar se o pacto firmado com o governador incluía disparos de policiais na cabeça de crianças de dez anos. Para Kléber, inclusive, “o problema do Alemão não é o tráfico, porque o tráfico não tem compromisso com a vida na comunidade”, ressaltou.



Presidente de associação critica desmonte do projeto inicial das UPPs

Presidente da Associação de Moradores da Palmeiras, Marcos Valério Alves fez o mais contundente depoimento no encontro. Emocionado, tomou a palavra e criticou o comportamento dos policiais que ocupam o Alemão. “Você se lembram daquele menino que andava sempre com o policial Sérgio, um homem honesto que pensava na comunidade, e que era um exemplo? Pois bem: vocês tiraram o policial de lá, destruíram o trabalho dele, e o garoto hoje está no tráfico!”, disparou.

Dizendo-se ameaçado, certo de que será a próxima vítima de uma “bala achada”, denunciou que Uanderson Manuel da Silva, comandante da UPP Nova Brasília assassinado em 11 de setembro, foi vítima de fogo amigo por não aceitar suborno. “Eu sei que vou morrer, estou pedido.”

Segundo ele, o último comandante sério que o Complexo do Alemão teve foi o Major Paiva. “Precisamos de policiais comprometidos com o morro, que protejam o morador. Hoje, o Capitão Rodrigues, que esteve conosco, está na Mangueira e tem guerra de facções lá. Mas você não ouve relato de moradores feridos.”

Ele citou que agentes da UPP invadiram a sede do projeto social que administrava na Nova Brasília, destruíram tudo e levaram seus documentos. “Em um mês foram 45 policiais afastados por desvio de conduta no começo da UPP. Quantos são hoje?”, questionou.
Por fim, afirmou que o complexo é controlado por três poderes: a UPP, o Comando Vemelho e policiais corruptos. “Temos uma milícia lá: Precisamos da limpeza ética.” Presidente da Associação de Moradores da Fazendinha, Francisco de Arimateia de Lima lamentou o fato da favela ser conhecida pela violência. “É muito ruim.”

Cano defende a retirada

Do Laboratório de Análises da Violência da Uerj, o docente Ignácio Cano defendeu que, hoje, “não há interlocução entre Polícia Militar e a população do Complexo do Alemão”. Para ele, enquanto são discutidas alternativas, o Executivo fala em reocupação. “É necessário recuar”, afirmou o professor. Cano disse, ainda, que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) significaram uma possibilidade de deixar o legado da guerra para trás, mas considerou a ocupação no Alemão um fracasso. “As mortes se tornaram corriqueiras”, ressaltou o professor.

‘Quero cultura, não polícia’

Coordenador do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago foi enfático durante o fórum: “Pedimos serviços básicos e o Pezão entende polícia; pedimos cultura e ele entende polícia. As escolas estão sendo zonas de conflito por causa da polícia e o governador coloca mais policiais no morro”, reclamou.

Raull denunciou postagem numa página de rede social em que os agentes da unidade teriam escrito ‘É tudo nosso’. “Se sentem donos da favela?”, criticou, mostrando a postagem. Ele ainda reproduziu o áudio do filho de Elizabeth Francisco, morta dentro de casa por bala perdida. Nele, percebe-se o desespero do jovem por ser dia 1º de abril, revelado no pânico para que acreditassem nele.

Raull disse ainda que a PM desconta nos moradores um ódio que deveria ser direcionado ao governo. “O policial deveria ser o primeiro revoltado com o quem colocou eles naqueles buracos sujos (cabines da UPP).” Para Alan Brum, do Raízes em Movimento, as denúncias são extensas: “Tem uma viatura na calçada há anos que atrapalha a passagem das crianças da escola. Já pedimos para chegar para o lado, mas nunca saem.” Alan exigiu a imediata devolução de todas as áreas de lazer da favela transformadas em bases policiais.

“Gratidão eterna pela mediação”

Por André Balocco

“Mediar um encontro em que estiveram frente a frente correntes distintas, e distantes, mexeu comigo. Desde o dia em que a ideia foi aceita pelos parceiros Sílvia Ramos, do Cesec, e Pedro Strozenberg, do Iser, até o abraço em Junior Perim na entrada do Viva Rio, quando senti o astral positivo, foi uma intensa semana de telefonemas, zap-zaps, tensão e, principalmente, gratidão. Sim, porque não há outra palavra que defina a mágica que nos uniu ali. A mim só resta agradecer pela chance. E vamos em frente!"


MEU COMENTÁRIO

“Para alguma coisa serve a desgraça.”

Talvez o encontro tenha sido o mais importante evento desde a criação das UPPs. Pelo menos em virtude do conteúdo registrado pelo Jornal O DIA, pode-se confirmar a magnitude do encontro, que merece muitas reflexões.

O primeiro ponto a sublinhar está na fala do Chefe do Estado-Maior, Coronel PM Robson Rodrigues, admitindo dissensões internas, porém fixando-as num só aspecto, operacional, surgido a partir do primeiro governo do senhor Leonel Brizola e do primeiro comando próprio exercitado pelo falecido Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, nomeado na condição de Secretário de Estado da Polícia Militar (1983-1987), acumulando deste modo uma dupla função de certo modo esdrúxula. Mas o momento era de aversão absoluta dos militares ao governante, este que também não estava disposto a “pedir a benção” aos verdes-olivas. Por sua vez, os verdes-olivas ignoraram de lá para cá as PPMM e, sobretudo, a PMERJ, por razões político-ideológicas mais que óbvias.

Tem razão o coronel PM Robson Rodrigues ao se referir à “gangorra” instituída a partir da defesa que o comandante Cerqueira fazia da “integração comunitária”, o que se poderia definir, também, como “polícia de proximidade”, proposta antiga e bastante pesquisada mundo afora (dentre outros autores e pesquisadores, vide Martha K. Huggins – Polícia e Política; Relações Estados Unidos/América latina – Cortez Editora).

Acontece que antes a tônica era a do confronto armado, e motivos haviam, pois a rápida evolução do Comando Vermelho, a ocupação de favelas por esta facção criminosa, e uma espécie de mística em torno da sigla CV levaram a PMERJ a acirrar o enfrentamento em favelas como forma única de travar o crime organizado do tráfico. Lembra-me os adeptos do confronto, que nesta conturbada época de mudança política estavam recolhidos nos bastidores intramuros, jocosamente designavam a ideia da “integração comunitária” como “interferência comunitária”, instituindo-se um autêntico racha entra a oficialidade e as praças acostumados ao confronto não somente no cotidiano das ruas, mas também nos treinamentos. Mas há muitos outros motivos a considerar em se falando de dissensões internas na PMERJ. E talvez bem mais graves...

Curioso é que hoje há muitos confrontos na prática e pouca “polícia de proximidade” nas ruas, a não ser a recente experiência na Tijuca, cujo futuro é ainda incerto. Quem a defende é o coronel PM Robson Rodrigues, o mesmo que tem de administrar problemas decorrentes de inevitáveis confrontos entre PMs e traficantes em muitas favelas, tendo como exemplo marcante o Complexo do Alemão, sede do CV, e nada conquistado ou pacificado.

O encontro promovido pelo Jornal O DIA descortina uma série de contradições que tornam o discurso diferente da prática. A “desgraça” está finalmente “servindo para alguma coisa”; as chiadeiras comunitárias abundam em razão, ficando a PMERJ na defensiva e a contar histórias passadas que não mais explicam nem justificam o presente do Complexo do Alemão, eis que a corporação foi literalmente desnudada em frases contundentes (“Nos últimos anos, o Alemão tem recebido muita polícia e arma. Em vez disso, precisamos de mais programas sociais”, pediu Lúcia Cabral, das ONG Educap).

Não pretendo me estender além da matéria, que contém observações primorosas de muitas gentes capazes e de muitas gentes sofridas. Devo, porém, sublinhar a corajosa opinião do Professor Ignácio Cano, que defende a retirada da PMERJ do Alemão: “É necessário recuar.” Concordo com ele, já insinuei aqui que não se combate inimigo em lugar algum do mundo sem estabelecer como tática também o recuo para a reorganização e o reforço das tropas. Esta é uma regra que não deve ser esquecida, especialmente por quem guerreia, sem essa de que a PMERJ não é assim, ela atualmente guerreia de fuzil em tudo que é lugar, sendo certo que a cultura do confronto maximamente se representa pela ação do BOPE e de outras Unidades Especiais. O BOPE em favelas, tudo bem... Mas estas últimas (Batalhão de Choque e Batalhão de Cães) deveriam treinar para emprego diverso do confronto em favelas. As pressões, porém, vêm deformando e reduzindo suas reais destinações institucionais.

Enfim, a matéria é um estupendo choque de realidade! Sim, vê-se a realidade em cada depoimento de estudiosos, em cada reação comunitária, em tudo. Resta ao sistema de segurança pública nada mais que ouvir a voz do povo. Quanto à PMERJ, é passada a hora de ela aprender a dizer não para cima e sim para baixo, além de sublinhar em suas reflexões superiores a denúncia mais gravosa consignada pelo Jornal O DIA: “Houve relato até de policiais do BOPE agredindo PMs de UPPs com tapas na cara, como denunciou a moradora Mariluce Souza.” E se não bastasse, o assertivo depoimento de Marcos Valério, Presidente da Associação de Moradores da Palmeiras, segundo retratou o Jornal O DIA: “(...) Por fim, afirmou que o complexo é controlado por três poderes: a UPP, o Comando Vermelho e policiais corruptos.”


É o que basta!

2 comentários:

Anônimo disse...

Dá pra entender a revolta do povo, precisa - se investir em educação, programas culturais e tudo mais. Só que eu também entendo a urgência do Pezão em tentar resolver o problema da segurança do estado. Também temos que levar em consideração a crise econômica em que está passando o país no momento.

Anônimo disse...

Emir disse:

Segurança Pública não é somente ação policial. Enquanto tivermos governante como o prefeito do Rio, Eduardo Paes, capaz de declarar sem cerimônia que ele construir sede de UPP é um "favor", sem qualquer consciência de sua responsabilidade como gestor da coisa pública e cidadão, nada melhorará.