“O mundo está perigoso para se viver! Não por
causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta
de que não viram.” (Albert Einstein)
Muitos leitores me questionam quando critico o que
entendo como falhas do sistema de segurança pública no RJ, geralmente me
cobrando o porquê de eu não as ter consertado no meu tempo. Coitado de mim!...
Uma andorinha só não faz verão... Não tive poder para tanto. Mas como atuei por
longos anos como instrutor de cadetes, graduados e praças (Armamento e Tiro,
Instrução Policial Básica Individual e Emprego Tático de Unidades Especiais) na
antiga Escola de Formação de Oficiais (EsFO) e na Cia Escola de Recrutas da
PMRJ (Cia Es), além de ter sido instrutor de Defesa Civil na ESPM da PMERJ (Curso
de Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO – para capitães), sinto-me habilitado ao
debate.
Eis porque insisto em participar, só pensando e
escrevendo, pois é só o que me cabe como missão neste andar da carruagem de
onde já vislumbro minha última estação. Mas, enquanto ela não me alcança, nem
eu a alcanço, vou jorrando ideias na esperança de vê-las lidas por muitos
amigos visitantes deste blog. Se são aceitas, ou não, é outra história...
Todavia, a quem indaga costumo responder que naqueles
tempos de serviço ativo o lado de fora não era muito diferente do de hoje,
exceto quanto grau de violência, atualmente muito mais grave devido ao uso
indiscriminado de armas de guerra, tanto por bandidos como por policiais,
sempre em meio a indefesas populações faveladas. E não por acaso foi exatamente
no meu tempo, e durante meu comando à frente do 9º BPM, na Zona Norte da
Capital do RJ, que foi apreendido na Favela de Acari o primeiro fuzil de guerra
na sua versão civil denominada AR-15. A versão militar era denominada M.16,
fabricada pela COLT norte-americana para atender às necessidades do Exército
dos EUA no Vietnã, segundo o que especialistas comentavam largamente na mídia.
A apreensão do fuzil AR-15, que se deu em novembro de
1989 (eu jamais antes vira um), foi tão inusitada que gerou matéria até no The
New York Times. Atropelado pela imprensa que celeremente acorreu ao 9º BPM,
vi-me obrigado a me manifestar e declarei que não dava para a polícia enfrentar
traficantes armados com fuzis como o apreendido. Creio, porém, que parte da
imprensa me interpretou errada ou maldosamente, noticiando como se eu tivesse
demonstrando medo, com uma repórter até insinuando que eu estava “jogando a
toalha”.
Muito bem, talvez a insinuação da jornalista tenha
sido consequente de incidente anterior, na mesma favela, que quase encerrou a
minha cláusula contratual com a vida: um tiro de fuzil endereçado à minha
cabeça, mas que acertou a parede uns 50 centímetros acima dela, no exato
momento em que eu era entrevistado por equipe da TV GLOBO, com tudo
aparentemente dominado.
Não estava!... O susto fez a repórter e o cinegrafista
irem ao chão atabalhoadamente, enquanto eu corria em zigue-zague na direção de
onde viera o disparo com a intenção (frustrada) de alcançar o maldito atirador.
O projétil atravessou a fraca parede e desapareceu, mas todos os PMs que me
acompanhavam apostaram ter sido tiro de arma nacional, talvez de FAO, não se
sabe, não localizamos o projétil...
Portanto, eu não joguei nenhuma toalha, apenas antevi
o sombrio futuro dos confrontos entre policiais e bandidos, aparentemente restritos
até então ao uso corriqueiro de metralhadoras, escopetas, pistolas e
revólveres, armas de menor alcance, porém não menos letais e igualmente capazes
de produzir vítimas entre civis inocentes. Enfim, tudo acontecia como hoje:
morriam bandidos, policiais e moradores de favelas em constantes tiroteios. Só
na área do 9º BPM ocorriam em média trinta tiroteios mensais entre policiais e
marginais, ou seja, um por dia, com muitos ferimentos e mortes contabilizados.
E se já era assim com armas, digamos que “obsoletas”, não me foi difícil supor
que o acréscimo do fuzil estrangeiro ao arsenal dos bandidos e dos policiais
produziria bem mais estragos, como de fato ocorre atualmente.
A evolução desta específica violência decorrente do
uso indiscriminado de armas de guerra deu-se em rápido processo. Nem trinta
anos escorreram para se chegar à situação de hoje, tendente a piorar, em
especial porque não existe no Brasil uma política de segurança pública que
especifique claramente os deveres e as responsabilidades do Estado (nos seus
três patamares: União, Estados-membros e Municípios) e da Sociedade. Tanto é
assim que o atual prefeito do Rio de Janeiro, ignorando a Carta Magna, talvez
por ser ela ainda dúbia, declarou e reiterou na mídia que a prefeitura
construir sede de UPP é “favor”. Ora, não é favor algum, é dever, porém mal
definido a partir da própria Lei Maior, que precisa rever a segurança pública
desde o seu Título IV, deste modo grafado: “Da Defesa do Estado e Das
Instituições Democráticas”.
Enfim,
o que a Carta Magna sugere é a defesa do Estado e de suas Instituições e não a
proteção da Sociedade e do Cidadão no contexto amplo da Ordem Pública, que é
objeto da Segurança Pública, sendo esta a garantia estrutural daquela. Talvez a
imprecisão conceitual da Ordem Pública responda pelos erros conjunturais e
estruturais da Segurança Pública como sua garantia. Isto representa uma cruel
contradição, pois a União mantém o comando constitucional da Ordem Pública, mas
não assume o seu posto nem permite que os Estados-membros e Municípios o façam,
como se pode depreender do Inciso XXI do Art. 22 da CRFB: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...) XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros
militares;”
Tal preocupação da União não ocorreu com as polícias civis.
Somente as Polícias Militares são atreladas ao freio constitucional por serem
elas Forças Auxiliares do Exército, espécie de “reserva técnica” em vista de
hipóteses remotas de Defesa Interna e de Defesa Territorial. Enfim, ambas tão
distantes da realidade atual que estão num horizonte a perder de vista. Mas
enquanto a carroça estatal da segurança pública permanece estagnada, os velozes
carros do crime avançam desenvoltamente. Para tanto, conta com dinheiro a rodo,
mão de obra à vontade e armas de todos os mais afamados fabricantes mundiais,
sem obstáculos aduaneiros e sem temor de punição. Já a polícia sofre para
adquirir armas à altura das utilizadas pelos bandidos, porque depende de
autorização da União (entenda-se Exército Brasileiro), que muitas vezes não
acontece, a ditadura militar ainda tem seu peso neste importante segmento de
defesa da sociedade, que não pode ser fortalecido em vista da possibilidade de
se voltar para fins “subversivos”. Ora!...
Mas como a necessidade pressiona deveras, a polícia acaba
recebendo armas de guerra, muitas tomadas de bandidos e outras compradas em
redobrado esforço, tentando assim, pelo menos, uma igualdade de forças.
Impossível! Há mais bandidos que policiais; eles estão hierarquizados tais como
as organizações policiais, civis ou militares; ocupam territórios populosos
(favelas), que se tornam autênticas cidadelas só faltando muralhas. Mas estas
existem, embora invisíveis, como se constata agora no Complexo do Alemão, local
em que os traficantes traçaram uma linha imaginária a partir da qual atirarão
nos PMs para matar. Pior é que o container da UPP está dentro do círculo
imaginário, tendo os PMs que permanecer numa espécie de garagem, fora da linha,
parecendo tudo muito surreal.
Claro que na minha época havia limitações semelhantes, havia
barreiras de concreto fechando as ruas das favelas, enfim, o mesmo de hoje. E
havia também territórios favelados considerados inexpugnáveis, como era caso de
Vigário Geral, cuja fronteira era a via férrea. A partir desta, e até a orla da
baía de Guanabara, era território proibido à polícia. Entrar era tiroteio na
certa. Claro, também, que entrávamos mesmo assim e muitas vítimas tombavam de
lado a lado. Tal como hoje, o que significa que nada mudou no “quartel de
Abrantes”...
Este é o problema: muitos confrontos desde trinta anos atrás e
nada mudou a não ser para pior. Pois o que vemos são políticos enganando o povo
com inovações nada mais que “cosméticas”. Sim, nada mudou a não ser para pior,
confirmando que a carroça estatal não pode vencer a corrida contra os velozes carros
do crime. E se o problema persiste, qual seria, por conseguinte, a solução?...
Acirrar a repressão policial?... Recuar?... Descriminalizar o uso
de drogas?...
Como o mundo é feito de opostos, que fique no ar a ideia!...
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