terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre a desmilitarização das Polícias Militares brasileiras

Contribuição do jornalista Gustavo de Almeida






Assessor de Imprensa - Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - MtB 21824 - http://br.linkedin.com/in/gustavodealmeida1968
 
 


 
 
 
Artigo MAGISTRAL do coronel Ibis sobre o debate da desmilitarização, que sairá no jornal da OAB. Mas desde já pode ser compartilhado. (Por Gustavo de Almeida)
 
"TRISTES TRÓPICOS II

Sempre que a Polícia Militar é acusada de alguma brutalidade, o debate em torno do modelo de administração militar retorna com fôlego renovado, como se a violência estivesse na linha de desdobramento lógico do ideário dos corpos organizados sob a rigidez dos princípios da hierarquia e da disciplina. Para um país marcado pela interferência dos militares na política, como o nosso, a desmilitarização da polícia ganha ares de sabedoria proverbial, como aquelas sentenças grandiloquentes e vazias do conselheiro Acácio.

Uma discussão séria sobre violência policial não pode desconsiderar um dado fundamental: policiais são recrutados nas mesmas camadas sociais sobre as quais incidem, preferencialmente, a criminalização e a vitimação operadas pelo sistema de justiça criminal. Entre aquilo que o homem aprende, nos bancos escolares, e aquilo que ele pratica - no momento em que é convocado a agir - entra um componente estranho à formação profissional: o conjunto das crenças e valores que o indivíduo traz consigo, no âmago do ser.

No Brasil, o fenômeno da violência policial e a criminalização da pobreza são atos de uma mesma tragédia: obras da escravidão. O problema é muito mais complexo do que uma simples reforma no modelo de gestão das polícias militares. É preciso um grande esforço de inclusão e de educação para a cidadania, se quisermos superar o abandono histórico das camadas mais pobres da população.

Em segundo lugar, há uma diferença imensa entre modelo de administração militar e militarismo. São coisas absolutamente diferentes, que o discurso simplista dos especialistas de plantão aglutina numa cantilena sem pé nem cabeça. A distinção é muito bem apresentada no festejado Dicionário de política, organizado por Norberto Bobbio, para o qual remetemos o leitor interessado no tema. Uma questão de leitura atenta e honestidade intelectual.

Em síntese, a nossa miséria se apresenta assim: nossa sociedade repousa sobre uma base secular de violência inimaginável; amalgamado a esse fundamento hediondo há um autoritarismo persistente e silencioso, socialmente admitido, que encontra na ideologia da militarização da segurança pública expressão política para sua intolerância. Não é outra a razão pela qual um filme como Tropa de Elite consegue produzir um efeito assustador: transmudar violência fascista em glamour.

Essa insensibilidade dos afetos – obra moral da escravidão - é a conditio sine qua non dessas brutalidades cotidianas que praticamos debaixo do sol, nestes tristes trópicos. Estamos muito próximos daquele diagnóstico sombrio, com o qual Lévi-Strauss abre suas reflexões sobre o desenvolvimento dos aglomerados urbanos do Novo Mundo: entre nós as cidades passavam da barbárie à decadência sem conhecer a civilização."

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