domingo, 11 de dezembro de 2011

Pesquisa a serviço de uma boa causa



Desde que as UPPs foram instaladas, esta é a primeira vez que vejo um diagnóstico capaz de servir de referência ao planejamento de novas ações e à manutenção das que estão dando certo. Pesquisa simples e direta, tendo como amostragem as comunidades atendidas por UPPs, é possível perceber o sucesso desta ação operacional da PMERJ até mesmo pela análise dos índices negativos, pois a insatisfação de poucos dos ouvidos reflete o ânimo daqueles que, mesmo permanecendo em meio às trevas nas comunidades pacificadas, não mais conseguem transitar no crime com a desenvoltura e a impunidade de antes. Já o peso positivo dos índices não deixa nenhuma dúvida de que as comunidades não gostam de bandidos. Aliás, jamais gostaram, pelo menos na época em que experimentei combater o tráfico à moda antiga, ou seja, mediante incursões bem-sucedidas, porém eventuais, num entra-e-sai que produzia resultados aparentemente grandiosos, mas nada significavam em termos de erradicação do terror imposto pelo tráfico, que era e ainda é permanente na tessitura comunitária. Portanto, prender bandidos, até muito famosos, e apreender grandes quantidades de droga em determinados momentos e lugares só serviam para gerar notícias espetaculares no dia seguinte. E perdura esta cultura operacional aonde as UPPs não chegaram, e as incursões aparatosas culminam atingindo inocentes: preço caro em demasia, que não justifica nenhum resultado, por mais positivo e espetacular que o seja.
Focar a corrupção como prioridade da pesquisa foi deveras inteligente, pois ratificou o que imaginávamos: as comunidades com UPPs estão experimentando uma real sensação de segurança, algo inédito na história operacional da segurança pública nas últimas décadas. Portanto, negar o sucesso às UPPs onde estão instaladas é estupidez ou má-fé. Porque há um componente psicossocial importantíssimo a ser considerado: a cultura da UPP tornou-se mais forte que a cultura das facções criminosas que usavam como emblema o “apoio da comunidade”, pura falácia a serviço do crime, discurso político-ideológico que se reporta aos tenebrosos tempos em que a Falange Vermelha (versão original do Comando Vermelho) comandava os crimes de sequestro, assalto a bancos, tráfico de drogas e outros delitos graves a partir de favelas “politizadas”, mito que se desfez no RJ por obra e graça das UPPs.
Tanto era assim que vale o registro da declaração do prócer do CV, William da Silva Lima, autor de um livro editado pela Editora Vozes e prefaciado por Rubem Cesar Fernandes, presidente da ONG Viva Rio (Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho), título sugestivo, pois exalta o perigoso facínora Zé Bigode, que sozinho enfrentou um poderoso aparato policial na Ilha do Governador, preferindo morrer a se render. Tornou-se herói do crime e foi descaradamente afagado por sistemas que deveriam lutar ao lado da sociedade sadia em defesa do cidadão ordeiro. Ah, o glamour do CV se deu de modo incrível: o livro do bandido foi lançado em 05 de abril de 1991 (durante o segundo Governo Brizola) na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), durante seminário sobre criminalidade dirigido pelo Instituto de Estudos de Religião (ISER), de orientação católica, com direito a autógrafos subscritos pela esposa do autor, que estava em lugar certo por sua periculosidade: trancafiado em BANGU I.
Parece ficção ou piada, mas não é uma coisa nem outra: foi assim mesmo o insólito episódio da exaltação do líder da sanguinária facção criminosa, num evento que supostamente trataria da criminalidade como um mal a ser debelado. Sobre o prócer do CV, eis o que ele declarou ao Detetive de Polícia João Pereira Neto, que na época trabalhava na Divisão Antissequestro (DAS) da Polícia Civil, em entrevista gravada pelo referido policial e reproduzida pelo jornalista Carlos Amorim no seu livro Comando vermelho – A História Secreta do Crime Organizado: “William comenta que alguns intelectuais pretendiam usar o Comando Vermelho na luta política: (...). ‘Alguns deles, pequeno-burgueses, pretendiam usar nossas comunidades e nossa organização com finalidades políticas. À medida que não deixamos usar, comprovamos, sem soberba, que conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu, o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês (a polícia) nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas? Quantos BANGU I, II, III, IV, V... terão que ser construídos para encarcerar essa massa?’...”
Não está sendo assim, o bandido não vingou sua profecia (mas, cá entre nós, vinha acertando em cheio), porque hoje o mito do “criminoso político” e catalisador da “revolta comunitária” enfia-se a mais e mais no abismo do descrédito graças às UPPs; e isto vale para todo o Brasil, pois é certo que o Estado, se quiser, é capaz de pôr circunflexo o crime organizado. Claro que falamos de vitória parcial, se se considerar a quantidade de favelas ainda dominadas pelo tráfico e a migração dos bandidos antes homiziados naquelas policiadas por UPPs. Mas interessa sublinhar a importância psicossocial da quebra definitiva da hegemonia do crime nessas localidades, realidade que deve funcionar como verdadeiro pesadelo nas noites maldormidas de bandidos que, mesmo armados até os dentes e ostentando poder em comunidades sem UPP, são hoje os primeiros a saber que não são invencíveis coisa nenhuma; e o favelado ordeiro olha-os com o olhar crítico de quem igualmente sabe que um dia a UPP alcançará sua comunidade e os valentões sairão em disparada, com o rabo entre as pernas, ao depararem com o BOPE, momento em que só cabe a rendição, a fuga ou a morte. Eis a nova cultura de vitória contra o crime organizado do tráfico: a do tormento dos bandidos por contágio de suas humilhantes derrocadas nos locais-emblemas do CV e do TC: Complexo do Alemão e Rocinha.
Por fim, devo reconhecer que desta feita a estatística serviu a um bom propósito e deve ser exemplo de outras. Porque, sem o estardalhaço das notícias exageradas, a pesquisa reflete invulgar profundidade. Demonstra ser possível apurar o sentimento comunitário por vias indiretas: indaga sobre a corrupção policial, sobre a qual a comunidade se manifesta sem temor, e, desta forma, é fácil inferir que a aprovação da PM significa a desaprovação do banditismo, e de forma veemente, até quando desmerece a PM onde alguns de seus membros se corromperam, incômodo imediatamente sanado por resposta eficaz da corporação. Que venham então outras UPPs para assustar mais ainda os acovardados bandidos, estejam onde estiverem, sejam quantos forem!

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