É impressionante ver pessoas, – aparentemente equilibradas e sensatas durante o exercício do poder político, – perderem as estribeiras fora dele. Essa disputa pelo poder, em princípio, parece saudável em virtude da alternância exigida pela democracia. Mas nem tanto democracia na República da Burundanga, pois naquele país terceiro-mundista metido a desenvolvido ela é inegavelmente maniqueísta, dificilmente surgindo alguma terceira via nas disputas políticas. Em geral, é o sim contra o não, ou o não contra o sim, num viciado comportamento de “vice-versa” em pista de mão única, com uma das partes na contramão a colidir de frente com a outra, identicamente ao que fazem as partículas subatômicas no Grande Colisor de Hádrons... Como resultado, o que conseguir sobreviver, mesmo estropiado, assume o cobiçado cargo. E enquanto o vencedor se cura com bons remédios, o perdedor se recupera em sofrimento por falta daqueles bons remédios, que são caros. E assim, enraivecido pelo bolso vazio de ouro, o vencido dana a armar tocaias insanas contra o vencedor, este que, por sua vez, não faz por menos e se defende atacando com as mesmas armas que seriam proibidas num duelo justo.
É um teatro! E os atores se revezam no palco ou digladiam até o sangue escorrer pelo corpo e jorrar na sujeira sanguínea acumulada no tablado. Já o cenário e o enredo, tais como os atores, não mudam: o vencedor se diz “santo”, e o perdedor o demoniza também se dizendo “santo”. E o povo, – ingênuo, plateia, arraia-miúda, – tende a crer num ou noutro dependendo da eloquência, ora aplaudindo, ora vaiando, e assim segue o torvelinho satânico em nome da “moralidade”, embora ambos se vejam assolados por denúncias ministeriais e processos judiciais no mundo real que se recusam a aceitar como realidade palpável. Sem embargo, assim é a batalha dos oximoros atordoando a atônita plebe, que se contenta somente em vaiar ou aplaudir enquanto espera o prêmio do “papai estado”, não importando muito a caradura e o mau comportamento de quem eventualmente (ou permanentemente) o represente.
Defendem-se os perdedores, porém, informando a indefectível “perseguição política”. E alguns até resistem às pressões mantendo-se no cargo, enquanto outros desabam no descrédito restrito aos seus altíssimos pares e vão aos meandros da lentidão judicial crendo piamente nela para sobreviver à colisão até o pleito seguinte, ou seja, até o próximo espetáculo da mesma peça com o mesmo enredo e a mesma plateia: ignara e facilmente influenciável pelo sensacional: eleitores clientelistas da República Paternalista da Burundanga. Enfim, é um sistema gerador de ódio e mentira que muitas vezes até se inicia pelo verdadeiro amor das partes, em união supostamente indissolúvel, para conquistar o butim estatal, mas que, em vista de tentadoras e inconfessas vantagens, passam a ser odiar mutuamente. Cá entre nós, tal como denunciou o mestre da dramaturgia William Shakespeare: “Embora a autoridade seja um urso teimoso, muitas vezes, à vista de ouro, deixa-se conduzir pelo nariz.”
Na secreta realidade do nosso cotidiano, o ouro é o lema, é o início e o fim da política. E, de tanto que apodreceram o enredo, o cenário e os atores, é possível supor que nem pérolas aos porcos podem mais ser lançadas, pois os suínos já lhes desvelaram o valor e não as degustam como ração: ocultam-nas debaixo do cocho para protegê-las de outros porcos ávidos de se apoderarem do tesouro. Ora, se o ferocíssimo urso se deixa conduzir pelo nariz, que dizer dos porcos? E nesta linha da mais pura “ficção”, que é a “história secreta das sociedades” (crédito para o escritor Julio Cortazar, sublinhado por Nelson Motta no seu artigo de hoje no Jornal O Globo), ou seja, a realidade desconhecida, que diremos dos porcos representativos do povoléu que convivem na podridão de seus chiqueiros, com uns avançando na ração do outro. Eis como são os políticos vencedores e perdedores: iguais na intenção e diferentes na ação dependendo de qual deles ocupe o poder – o alegre vencedor –, para ódio do perdedor sem ouro ou pérola, que logo começa a cuspir no mesmo cocho que comeu. E “vice-versa”...
Ah, a platéia vibra com as pirotecnias avassaladoras numa república que tem o valor material das coisas em maior conta que o sentimento. O valor na República da Burundanga não é moral e ético nem legal: é “imoral, ilegal e engorda”. Curioso é que, no afã de disparar artilharia pesada contra o vencedor, o perdedor esquece que já ocupou as mesmas trincheiras do poder “em nome do povo”. Esquece que já foi vencedor ombreado ao mesmo inimigo que ora ataca, este que se defende atacando, e ambos se ferem em dor simultânea: são gêmeos univitelinos, irmãos siameses, vinho da mesma pipa, farinha do mesmo saco, porcos nascidos da mesma leitoa no mesmo chiqueiro apodrecido pela sujeira acumulada. Ah, espero que ao fim e ao cabo morram todos em comoriência ou dividam o mesmo cárcere destinado aos ladrões do povo, ao qual só cabe o ouropel subdividido em promessas descumpridas e em migalhas de véspera do grande pão consumido em frescor na crista do poder...
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Reflexão para o fim de semana
Sobre as disputas políticas na República da Burundanga
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