quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sobre os últimos acontecimentos envolvendo UPPs


Os jornais de hoje, sete de setembro, mui bem demonstram que ainda abundam os grilhões cerceadores da liberdade individual e coletiva nos grandes centros urbanos graças ao tráfico de drogas. E, por mais que se tente negar esta realidade, mais ela aflora como resultante de um sistema situacional incapaz de conter a escalada do crime. Na verdade, o sistema situacional participa ativamente das atividades criminosas, não sendo demais concluir pelo envolvimento de burocratas estatais e políticos profissionais com as diversas máfias instaladas na tessitura social pátria.
Se aqui coubesse uma alegoria, eu diria que não se pode apagar fogo com gasolina, mas é o que ocorre no cotidiano das relações sociopolíticas marcadas pela hipocrisia e por interesses financeiros de todos os naipes, entrando o povo como gado à disposição desses poderosos herdeiros da casa-grande. Enfim, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, sendo evidente que a trilogia “policial-trabalhador-bandido” é de improvável combinação em se tratando de favelas. É o que atualmente vemos: as UPPs desabando como encostas serranas em dias de chuva... Aliás, é temor antigo que manifesto em sucessivos artigos postados neste blog.
Não se trata de ser contra ou a favor das UPPs ou de seus mentores. Sou até a favor delas como conceito de polícia comunitária, mas sempre defendi que a prática das UPPs enfrentaria obstáculos poderosos, sublinhando-se exatamente a impossibilidade de se pôr a polícia como “pacificadora” em locais onde ela sempre foi recebida a tiros. Por outro lado, a índole da polícia é repressiva nas incursões em comunidades carentes. Afinal ela vai atrás de bandidos nem sempre identificados e acaba confundindo-os com trabalhadores. Daí emerge um histórico sistema de desconfianças que não será vencido com propaganda glamourizando exceções. Com efeito, as UPPs, se avaliadas no contexto global das favelas cariocas e fluminenses, representam uma exceção, e, de certo modo, indicam um descarado privilégio. Mas não é este o ponto que pretendo iluminar, que é da sabença geral. Atenho-me, pois, à trilogia, que não é minha, mas inspirada em pesquisa da antropóloga Alba Zaluar na Cidade de Deus.
Também não me vou ater à questão da distribuição injusta do efetivo da PMERJ, que, ao ser concentrado em ambientes de tarefa, em vez de fracionado no ambiente geral, está a produzir uma cruel discriminação, pior que sem atingir os objetivos da salvadora “política de segurança” inaugurada pelo mesmo governo que clamava pelo “enfrentamento” exatamente nas imediações do Complexo do Alemão, após ação encetada pela PCERJ, resultando dela, pelo que se sabe, 19 corpos ensanguentados. Lembra-me bem a empolgação das autoridades, com uma delas sublinhando em ênfase descomedida o aforismo atribuído ao segundo maior genocida da História da Humanidade (o socialista Joseph Stalin): “Não se pode fazer omelete sem quebrar ovos”. A guinada para a pacificação, portanto, sugere uma balança em que puseram contrapesos de um lado e depois do outro, permanecendo, porém, os mesmos pesos históricos representados pelos conflitos entre a casa-grande e a senzala, ou seja, entre a comunidade (orgânica e emotiva) e a sociedade (formal e racional).
Sim, os racionais capitalistas, projetando um futuro de muitos bilhões de dólares em função da Copa do Mundo e das Olimpíadas, não tiveram dificuldade de envolver nos seus planos o sistema estatal, do qual mantém o controle absoluto. Mas os racionais, como que imitando a lógica shakespeariana, aparentam máxima emoção ao aplaudir a imprescindível “pacificação”, mantendo a propaganda dela em altíssimo nível, a ponto de impregnar policiais e favelados (eternos desafetos) e convencer a opinião pública de que os bandidos, apenas afastados de seus homizios, se “regeneraram” a medo do sistema situacional “apoiado” pelos favelados; sempre, é claro, por meio dos discursos de líderes comunitários que nos últimos anos foram sumariamente eliminados pelos traficantes, estes que deixaram seus representantes mimetizados entre os trabalhadores que aceitaram esperançosamente a “pacificação”, mas que agora reagem às agressões dos “pacificadores”, não importando aqui se militares federais ou estaduais ou se policiais civis. Eis a situação atual, somatório de um sem-número de ocorrências leves e graves naqueles ambientes de tarefa privilegiados com a “pacificação” pela mesmíssima polícia que continua a incursionar as demais favelas compostas de trabalhadores e bandidos usando da mesmíssima violência − sua indefectível índole.
Neste ponto, e ainda com o foco na trilogia, é possível concluir pela impossibilidade da interação restrita a poucas favelas cariocas no circuito dos supracitados eventos desportivos. A realidade se impõe tal como a mãe-natureza cobra dos desidiosos desfechando trágicas inundações e deslizamento de barreiras, deste modo matando os excluídos e suas desgraçadas famílias. Na verdade, não lhes faz muita diferença morrer debaixo de lama ou por tiros de bandidos e/ou policiais, como se viu em mais um caso no Parque da Alegria, Caju, onde a “alegria” se tornou tristeza ante a morte estúpida de uma menina de seis anos: Juliane Rodrigues. Cá entre nós, nem importaria lembrar seu nome, é tão comum morrer criança vítima de tiros policiais ou da desídia estatal a produzir catástrofes, que a criança já se encontra na estatística a ser empurrada numa gaveta qualquer do sistema situacional.
Falta agora um general ser atingido por balaço de traficante e morrer numa favela (não almejo que ocorra, é apenas uma preocupação que manifesto), para a represa estourar e todos se virem ante a dura realidade de que o transnacional tráfico de drogas e armas não pretende aceitar nenhuma “pacificação”, seus negócios não permitem trégua. E assim nos enfiaremos na “mexicanização do crime” como num caminho sem volta, com todas as forças estatais desmoralizadas por bandidos pés de chinelo que sabem muito bem as táticas de guerrilha e sobejamente conhecem, salvo engano meu, a máxima de um general norte-vietnamita (Von Nguyen Giap): “Se o inimigo ataca, nós recuamos; se o inimigo estaciona, nós o inquietamos; se o inimigo recua, nós o atacamos.” Resta então saber em que fase de descontrole está a pacificação e qual será o passo seguinte para corrigir o rumo das ações e evitar sua falência...

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