terça-feira, 6 de setembro de 2011

Sobre a “pacificação” do Complexo do Alemão

fonte: internet





O tráfico continuar a funcionar sem armas em favelas controladas por UPPs é razoável: não se muda uma cultura dessas da noite para o dia. Mas estariam controladas ou é só ilusão? Afinal, o Exército Brasileiro ser atacado por traficantes em local supostamente conquistado mediante emprego de um dos maiores aparatos policiais e militares atuando simultaneamente em zona urbana, não é crível. Entretanto, é o que aconteceu, e parece que não será fácil ao EB retomar o controle da situação e resgatar a credibilidade abalada. Pior é que não há aparato mais forte que o EB, instância máxima de garantia da lei e da ordem, como reza a Carta Magna, sendo certo que aquela “ordem” do preceito constitucional não é a “ordem pública”, mas outro tipo de reação a uma desordem fora de controle das forças policiais estaduais e federais.
Parece-me uma espécie de “sinuca de bico” em que se enfiou o EB, e sair dela batendo retirada nem pensar. Então, será que a polícia estadual acorrerá em defesa do EB, invertendo a ordem das coisas, com a força menor atuando como força maior? Eis o confuso quadro com que se defronta o poder público depois de bagunçar com o ordenamento jurídico pátrio, sabendo-se que o EB jamais poderá sair do Complexo do Alemão como perdedor, embora não possa atuar segundo sua doutrina de força operativa de destruição do inimigo. Sim, a Brigada Paraquedista segue uma cultura totalmente avessa à função policial. Ela existe para desembarcar em paraquedas na retaguarda inimiga e destruir suas tropas, assim permitindo o avanço das tropas regulares. Como adequar esta enraizada cultura operativa a uma favela ocupada por população amiga assolada por banditismo comum? Ah, não há como!...
Cá entre nós, nem as polícias estão preparadas para vencer o tráfico, e o Rio de Janeiro se encaminha inexoravelmente para a “mexicanização” do crime. Porque, ao atacar uma força emblemática como o EB, os traficantes demonstram invejável organização, tresloucada coragem e eficiente comando externo, decerto oriundo de fora (países produtores e fornecedores da droga). É o que representa o Complexo do Alemão e a Rocinha, locais dominados por facções desafetas, ambas com altíssimo poder de articulação e de regeneração diante das adversidades policiais ou militares. Olhar esta gravíssima situação do banditismo urbano, muiltifacetado, sofisticado e milionário com os olhos românticos da “pacificação” já hoje sugere um risco enorme. Porque a pacificação não faz parte da índole da polícia, cuja cultura repressiva outrora destoada do foco do banditismo para o da “subversão” está longe de ser vencida.
A verdade é que tudo a que assistimos até agora não passa de deformação estrutural ante a função. O modelo de segurança pública brasileiro é antiquado, desnorteado e consequentemente inadequado para atender aos reais objetivos de controle do crime. Serve a crítica para a Justiça, o Sistema Carcerário e quejandos. Melhor dizendo, não há sistema, mas apenas instituições formatadas em períodos de exceção (refiro-me também ao Estado Novo) e que mais disputam poder entre si do que se irmanam no combate ao mal do banditismo. Relembrando a máxima arquitetural de Louis Sullivan (“o formato deve seguir a função”), o formato do sistema de segurança pública no Brasil não segue a função. Aliás, nem sistema pode ser considerado, eis que não há interdependência, inter-relação e interação entre eles, mas conflitos institucionais ferrenhos. Nem vou comentar quais organismos vivem em permanente litígio, mas não posso deixar de sublinhar três deles: Polícias Civis, Polícias Militares e Ministério Público, este último sempre em choque com as primeiras e estas com as segundas, numa bizarria de dar muitas dores de cabeça por seu pior significado semântico.
Se de um lado a maquinaria governamental briga mais que se entende, a criminalidade do tráfico é tão visível na ponta da linha, entre os pés de chinelo, que até parece inexistir o topo da cadeia de comando dos aviões, submarinos e diversos outros intrincados meios de distribuição de drogas e armas mundo afora. O Brasil, claro, representa importante rota para tudo que é canto. Sua extensão territorial e o acesso marítimo nos permitem especular sobre a impressionante quantidade de drogas e armas que por aqui passam, com boa parte delas permanecendo no mercado interno brasileiro. Haja dinheiro a movimentar esse Leviatã, e não será um falido sistema como nosso capaz de estacar o mal, nem no topo nem na base. Daí não adiantar a glamourização das ações pacificadoras na ponta da linha de algumas favelas há anos dominadas pelo tráfico, com os favelados indistintamente tratados pelas forças estatais como inimigos e eternos suspeitos. Pretender que essa sofrida massa humana confie na mesma polícia a lhe afagar após lhe agredir em insistente violência é pura ilusão.
Portanto, quando vejo a imprensa noticiar que as autoridades vão se reunir para reavaliar as UPPs, estas, que estão em risco de degeneração, tal como tentar instalar fechadura nova em porta arrombada, vou ao delírio. Desespero-me, sim, pois participei desse mesmo filme antes e não mais aguento seus reprises em roupagens velhas recebendo tintura a fingir ser roupa nova. Sim, porque tudo me parece repeteco do repeteco, com muitos materiais obsoletos ou inadequados e muitas gentes sofrendo os horrores da morte gratuita em meio a esses intermináveis conflitos armados (horribile dictu). Com efeito, sei que é horrível me enfiar na contramão dos discursos ufanistas não somente de políticos matreiros, mas também da mídia viciada em dinheiro publicitário oficial. Mas como não me situo num lado nem noutro, e não passo de um cidadão aflito ao assistir tamanho bizantinismo, posso aqui me arriscar a grafar ideias próprias, do mundo particular de minhas reflexões, sejam elas pertinentes ou impertinentes. Mas que sejam lidas e desdobradas em outras reflexões!...

3 comentários:

Paulo Xavier disse...
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Tiago Alexandre disse...
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Tiago Alexandre disse...
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