Publicado no O GLOBO de 07 de julho de 2009
Publicado no O GLOBO de 07 de julho de 2009
Nada é fruto do acaso...
É segunda-feira, dia 06 de julho de 2009. Abro o Word para anotar alguma inferência sobre os acontecimentos recentemente publicados. Não sei se enveredo pelos caminhos repetitivos da bandalheira política ou da insegurança pública a ceifar outra vida humana, como foi o caso da professora da PUC Cássia Blondet Baruque, cidadã brasileira de 48 anos de idade, morta por assaltantes em Botafogo/Rio, no fim de semana. Cena comum, notícia de hoje a embrulhar o peixe de amanhã, exceção, é claro, da família dela e de seus alunos e amigos; exceção também para mim, por saber que se trata de mais uma derrota da polícia contra a avassaladora criminalidade a ocupar vitoriosamente a crônica policial.
Acordei contente. Ontem, 05 de julho, foi minha data aniversária. Passei o dia recebendo parente e amigos em casa. E o que me seria um dia comum tornou-se festa-surpresa, cheia de improvisos, pessoas trazendo iguarias e presentes. Um dia quase perfeito, porque no meu íntimo eu guardava uma tristeza. Mas prefiro ocultá-la, envergonhado ante o fato mais grave: a morte estúpida da professora cujo mal foi o de sair para festejar com o noivo o casamento de pessoa amiga. Aqui em casa a festa terminou com minha tristeza dissimulada em alegria e sem surpresas ou tragédias; a festa dela custou-lhe a vida. Sorte minha e azar o dela? Tudo, afinal, se reduz a esta indagação? Estava ela em hora e lugar errados? Foi fatalidade? Qual será a desculpa?...
Ah, já está escolhida: a ausência da radiopatrulha, que deve ser onipresente e estar em todos os recantos do território estadual durante as 24 horas do dia. Não! Essa desculpa decerto não atenderá ao sistema governamental. A culpa há de ser individualizada em carne, e osso, e alma, e espírito; e então poderá recair sobre os patrulheiros, garantindo-se o castigo público para suprir a curiosidade popular. Será assim? Tomara que não! Ah, mas a família da professora, – qualquer que seja a culpa ou a desculpa, – a família da professora assumirá a sua dor eternamente; e os familiares dos policiais faltosos, – em sendo esta a desculpa do sistema, – que se virem! Tomara que não termine assim! Mas o sistema precisa sobreviver segundo a lógica do “Rei Sol”, que não repetirei, já está decorada de tanto que a menciono. Quanto aos bandidos...
Bem, quanto aos bandidos, nada demais, os “coitadinhos” estavam no papel deles... Tais como se defenderam seus parceiros presos durante assalto a edifício na Praia de Icaraí, Niterói, em plena luz do dia, também nesse fim de semana: são vítimas das “desigualdades sociais”... E as autoridades públicas torcerão para que alguma novidade distraia a imprensa, de preferência um PM matando casualmente uma criança ou, – estressado em virtude de escalas desumanas, – seja visto chutando um cão vadio. E ele, o PM, endossará o discurso dos defensores das causas desconhecidas, e o povo não notará que as indenizações bilionárias aos “perseguidos pela ditadura” poderiam até triplicar o policiamento nas ruas da “Cidade Maravilhosa” dos “Pans e Copas”... Que dinheirama, hein?... Daria para evitar muitas desgraças como a que matou a professora Cássia Blondet Baruque, que hoje tem nome e amanhã será apenas estatística policial, confirmando a ironia machadiana de que “os mortos ficam bem onde caem.”
Que falar à família da professora? Ah, a PMERJ não agiu para evitar morte dela, mas reagiu à altura do nefasto acontecimento: matou, feriu e prendeu os assassinos! Não se há duvidar da coragem desses companheiros do 2º BPM, que, por sinal, são comandados por um excelente profissional. Mas... E daí?... Prender-se à ótima reação é insuficiente; parece desculpa de vestibulando a descobrir questões que de antemão sabia, mas que, por razões inexplicáveis, errou nas respostas. Boa desculpa, sim, mas que não o livrou da reprovação nem o livrará de outras reprovações pelos mesmos motivos sobejamente conhecidos. Até quando seremos esses repetentes vestibulandos supostamente sabedores da resposta certa, se não nos dedicamos suficientemente aos estudos para entendermos a mais elementar pergunta e respondê-la com a precisão exigida?... E a pergunta elementar é: “Até quando a PMERJ continuará carente de meios materiais e humanos para eficazmente proteger o cidadão?”
Até quando?... Ora, o tempo trapeiro e indiferente passará, e um dia os assaltantes custodiados pelo Estado com parte dos impostos pagos pela própria vítima serão solene e onerosamente julgados. Vamos torcer para que seja positiva a prova balística das armas apreendidas com os bandidos presos ou com o que morreu atirando nos PMs.
Ah, mas se o projétil que ceifou a vida da professora não tiver saído de nenhuma arma apreendida em mãos dos sobreviventes, a culpa será do morto e enorme a possibilidade de absolvição dos “coitadinhos”, dependentes apenas da eloquência e do discernimento do elenco da peça teatral denominada julgamento (juiz, promotor, advogado de defesa e jurados). Mas, quando ocorrer esta encenação societária, a morte da professora será papel amarelado. E os réus, sentados no banco, cabisbaixos, com fisionomias treinadas em tristeza, aguardarão o veredito com boas chances a absolvição.
Até quando?... Até que os parentes, alunos e amigos da professora Cássia Blondet Baruque, desanimados, nem tomem conhecimento do resultado; porque o julgamento será questionado, e outros atos judiciais serão acrescidos à peça cujo final desaparecerá em fade irreversível: sem platéia, vaia ou aplauso; apenas um dentre muitos atos finais de peças semelhantes que o sistema tratará como inválidos palimpsestos. Afinal, o tempo não pode parar e os idênticos crimes seguintes têm urgência de justiça...
É segunda-feira, dia 06 de julho de 2009. Abro o Word para anotar alguma inferência sobre os acontecimentos recentemente publicados. Não sei se enveredo pelos caminhos repetitivos da bandalheira política ou da insegurança pública a ceifar outra vida humana, como foi o caso da professora da PUC Cássia Blondet Baruque, cidadã brasileira de 48 anos de idade, morta por assaltantes em Botafogo/Rio, no fim de semana. Cena comum, notícia de hoje a embrulhar o peixe de amanhã, exceção, é claro, da família dela e de seus alunos e amigos; exceção também para mim, por saber que se trata de mais uma derrota da polícia contra a avassaladora criminalidade a ocupar vitoriosamente a crônica policial.
Acordei contente. Ontem, 05 de julho, foi minha data aniversária. Passei o dia recebendo parente e amigos em casa. E o que me seria um dia comum tornou-se festa-surpresa, cheia de improvisos, pessoas trazendo iguarias e presentes. Um dia quase perfeito, porque no meu íntimo eu guardava uma tristeza. Mas prefiro ocultá-la, envergonhado ante o fato mais grave: a morte estúpida da professora cujo mal foi o de sair para festejar com o noivo o casamento de pessoa amiga. Aqui em casa a festa terminou com minha tristeza dissimulada em alegria e sem surpresas ou tragédias; a festa dela custou-lhe a vida. Sorte minha e azar o dela? Tudo, afinal, se reduz a esta indagação? Estava ela em hora e lugar errados? Foi fatalidade? Qual será a desculpa?...
Ah, já está escolhida: a ausência da radiopatrulha, que deve ser onipresente e estar em todos os recantos do território estadual durante as 24 horas do dia. Não! Essa desculpa decerto não atenderá ao sistema governamental. A culpa há de ser individualizada em carne, e osso, e alma, e espírito; e então poderá recair sobre os patrulheiros, garantindo-se o castigo público para suprir a curiosidade popular. Será assim? Tomara que não! Ah, mas a família da professora, – qualquer que seja a culpa ou a desculpa, – a família da professora assumirá a sua dor eternamente; e os familiares dos policiais faltosos, – em sendo esta a desculpa do sistema, – que se virem! Tomara que não termine assim! Mas o sistema precisa sobreviver segundo a lógica do “Rei Sol”, que não repetirei, já está decorada de tanto que a menciono. Quanto aos bandidos...
Bem, quanto aos bandidos, nada demais, os “coitadinhos” estavam no papel deles... Tais como se defenderam seus parceiros presos durante assalto a edifício na Praia de Icaraí, Niterói, em plena luz do dia, também nesse fim de semana: são vítimas das “desigualdades sociais”... E as autoridades públicas torcerão para que alguma novidade distraia a imprensa, de preferência um PM matando casualmente uma criança ou, – estressado em virtude de escalas desumanas, – seja visto chutando um cão vadio. E ele, o PM, endossará o discurso dos defensores das causas desconhecidas, e o povo não notará que as indenizações bilionárias aos “perseguidos pela ditadura” poderiam até triplicar o policiamento nas ruas da “Cidade Maravilhosa” dos “Pans e Copas”... Que dinheirama, hein?... Daria para evitar muitas desgraças como a que matou a professora Cássia Blondet Baruque, que hoje tem nome e amanhã será apenas estatística policial, confirmando a ironia machadiana de que “os mortos ficam bem onde caem.”
Que falar à família da professora? Ah, a PMERJ não agiu para evitar morte dela, mas reagiu à altura do nefasto acontecimento: matou, feriu e prendeu os assassinos! Não se há duvidar da coragem desses companheiros do 2º BPM, que, por sinal, são comandados por um excelente profissional. Mas... E daí?... Prender-se à ótima reação é insuficiente; parece desculpa de vestibulando a descobrir questões que de antemão sabia, mas que, por razões inexplicáveis, errou nas respostas. Boa desculpa, sim, mas que não o livrou da reprovação nem o livrará de outras reprovações pelos mesmos motivos sobejamente conhecidos. Até quando seremos esses repetentes vestibulandos supostamente sabedores da resposta certa, se não nos dedicamos suficientemente aos estudos para entendermos a mais elementar pergunta e respondê-la com a precisão exigida?... E a pergunta elementar é: “Até quando a PMERJ continuará carente de meios materiais e humanos para eficazmente proteger o cidadão?”
Até quando?... Ora, o tempo trapeiro e indiferente passará, e um dia os assaltantes custodiados pelo Estado com parte dos impostos pagos pela própria vítima serão solene e onerosamente julgados. Vamos torcer para que seja positiva a prova balística das armas apreendidas com os bandidos presos ou com o que morreu atirando nos PMs.
Ah, mas se o projétil que ceifou a vida da professora não tiver saído de nenhuma arma apreendida em mãos dos sobreviventes, a culpa será do morto e enorme a possibilidade de absolvição dos “coitadinhos”, dependentes apenas da eloquência e do discernimento do elenco da peça teatral denominada julgamento (juiz, promotor, advogado de defesa e jurados). Mas, quando ocorrer esta encenação societária, a morte da professora será papel amarelado. E os réus, sentados no banco, cabisbaixos, com fisionomias treinadas em tristeza, aguardarão o veredito com boas chances a absolvição.
Até quando?... Até que os parentes, alunos e amigos da professora Cássia Blondet Baruque, desanimados, nem tomem conhecimento do resultado; porque o julgamento será questionado, e outros atos judiciais serão acrescidos à peça cujo final desaparecerá em fade irreversível: sem platéia, vaia ou aplauso; apenas um dentre muitos atos finais de peças semelhantes que o sistema tratará como inválidos palimpsestos. Afinal, o tempo não pode parar e os idênticos crimes seguintes têm urgência de justiça...
3 comentários:
Sr TC
Para variar, fiz a leitura de mais um excelente e profundo texto de sua lavra.
E faço o presente comentário no momento em que vejo que uma delegacia será construída no recreio dos Bandeirantes (à custa de muito dinheiro público), o que, na visão dos moradores, servirá para que as pequenas ocorrências sejam registradas, já que a delegacia mais próxima dista 18 Km da localidade.
Sendo assim, me permito a ousadia de descortinar mais um questionamento central, além do que foi proposto com grande acerto pelo Sr: Para que queremos a PM?
Para que continue atuando como taxista de ocorrências, conduzindo as lides, quaisquer que sejam elas, para a “apreciação” dos “Drs” delegados de polícia? Para que seja espantalho de criminosos?
É verdade que se houvesse uma viatura da PM no local de mais uma desgraça no RJ ela provavelmente não teria ocorrido... ao menos naquele local e com aquela vítima. Quem sabe na próxima esquina! E, pensando melhor, quem sabe até com a mesma vítima...
Por outro lado, terá sido aquela a primeira atrocidade daqueles mesmos marginais? Duvido!
Quantos roubos feitos pelos mesmos atores já foram registrados e não elucidados?
Será que não há maneira de reforçarmos o policiamento ostensivo e, ao mesmo tempo, reduzirmos a sensação de impunidade diante da prática dos pequenos delitos e auxiliarmos a polícia judiciária a otimizar a aplicação de recursos com vistas à elucidação dos grandes?
Até quando as coisas permanecerão como estão?
Caro Wanderby
Obrigado pelo comentário. Confirma que você, diferentemente de muitos, estudou e passaria em qualquer vestibular de segurança pública levada a sério.
Abraços.
Belo e lúcido post! Seu texto - além de produtivo e esclarecedor - possui a profundidade de enfoque das análises feitas à luz da razão, porém revestidas de um sentimento verbal próprio daqueles que prezam a pessoa humana. É esse respeito solene que sentimos ao ler o seu desabafo crítico, alicerçado na necessidade de uma reavaliação / remodelação do sistema. Sua indagação - até quando? - reflete a indignação do brasileiro, leigo ou conhecedor dos sistemas de segurança pública, acuado pela intranquilidade e por uma desesperança quase cabal.
É importante que a coletividade tenha uma voz como a sua, que clama pela urgência da solução aplicada. Como autoridade e especialista do assunto, você é a pessoa certa para nos alertar com a propriedade de um texto abarcador e possibilitador.
Realmente, saber a fórmula, meramente, não conduz à solução do problema. Sanar uma situação errônea requer a precisão operacional de atos e agentes bem direcionados, treinados, eficientes e eficazes.
Também fico muito triste ao imaginar o quão uma fração de segundo - num inaceitável "intervalo-vácuo" de proteção - poderia fazer toda a diferença para uma preciosa vida humana... de uma intelectual brilhante, uma sensível artista!
Resta-nos desejar que autoridades competentes procurem rever planos e modificar estruturas, usando para tal a mesma sobriedade analítica que você utilizou em seu texto.
Cumprimento-o pela sabedoria do enfoque e pelo engajamento - com admirável e pleno conhecimento de causa - numa luta que é de todos nós, e que se torna, cada vez mais, questão de vida ou morte!...
Saudações blogueiras :)
7 de Julho de 2009 21:26
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