Sociedade versus Milícias versus Tráfico
Formalidade versus Informalidade
luxo e lixo: contraste ou contradição?
Confronto em favela
Creio que as coisas naturais têm íntima relação com as sociais, e aceito a visão quântica de que não existe nenhuma realidade neste mundo em que vivemos ou pensamos viver. Nessas circunstâncias, portanto, separar o natural do social pode não passar de troca de um holograma por outro. A verdade é que, nesses dois mundos suscetíveis de interferências várias, a nossa mente impõe como alternativas reducionistas o sim e o não, o certo e o errado, mesmo que estejam desfocados. Afora esta idéia de pesar restritamente as coisas em dois pratos de uma só balança, um deles contendo o Bem e o outro, o Mal, existe um continuum desconhecido e/ou desconsiderado. Isto porque é mais fácil optar entre duas alternativas apenas; afinal, a possibilidade de acerto ou erro é de 50%, tudo em tese, claro.
Mas na vida prática, ou “real”, as possibilidades são infinitas, embora o ser humano costume rejeitar as variáveis diferentes do sim e do não. Esta visão adstrita ao conceito e conseqüentemente ao preconceito e ao estereótipo (abominado o contexto), ainda pincelada com a tinta da emoção, acaba predominando e se disseminando na consciência coletiva, como hoje se impõe a falsa idéia de “paz” nas manifestações de vítimas da “guerra urbana”. Ora, não se conquista a paz sem guerra; a tentativa de paz termina com a exaustão da diplomacia. Pedir “paz” de mãos dadas em volta da Lagoa ou do Maracanã é um gesto coletivo de natureza diplomática, sim, só que o outro lado (o do marginal da lei) não sabe o que é diplomacia, conhece apenas a linguagem belicosa do seu dia-a-dia, não importando se legal ou ilegal.
Com efeito, são muitos anos passados, anos que forjaram o sustentáculo dessa realidade contemporânea (admitindo-se que existe realidade) de cidadelas ilhadas nas grandes cidades brasileiras, tendo o Grande Rio como exemplo marcante do fenômeno e de sua evolução à larga do Estado Democrático de Direito. Aliás, essa designação constitucional é por si só retumbante piada, como sói ser o combate à corrupção no Brasil, geralmente se vendo o corrupto de hoje a ser julgado por seu igual ainda não alcançado pelo mesmo azar a ocorrer no dia seguinte.
Nada demais, a Ciência Política desde há muito expõe o fenômeno social em dois campos de se deveriam sobrepor, mas que, em contrário, vivem afastados e são até antagônicos na vida prática: a Legitimidade e a Legalidade. Sim, enquanto a sociedade se prende aos laços formais da Legalidade (dever ser), geralmente exigindo de outrem aquilo que não cumpre, a comunidade reforça os laços orgânicos da Legitimidade (o ser) e ignora as leis.
Paz ou Guerra
?Deste modo, os micro-poderes informais se vão desenvolvendo e reagindo aos micro-poderes formais, sendo certo que, ao contrário dos defensores da isolação típica das sociedades formais em relação aos seus guetos informais, com destaque para a nossa “Casa-grande & Senzala”, esses segmentos formam uma única tessitura social, tais como as células formam o tecido humano de um só corpo. E ambos os tecidos, natural ou social, tornam-se doentes incuráveis...
Os jornais de domingo, 1º de junho de 2008, estamparam a indignação da imprensa, de personalidades e de entidades em virtude da barbárie encetada contra uma equipe do O DIA por membros de uma milícia instalada na “Favela do Batan”, tratada como um ente isolado na tessitura social do Rio de Janeiro: um ambiente ilhado em relação ao ambiente geral que o circunda. O fato é gravíssimo, sem dúvida! Afinal, a equipe estava há dias oculta para documentar o funcionamento de uma milícia dominando favela em lugar de traficantes, talvez uma chance única de desmistificar as milícias.
Porém, os profissionais da imprensa, em sendo descobertos, teriam sido torturados e corrido sério risco de vida. Cá pra nós, não sei se o risco compensou, pois a única novidade consistiu na barbárie contra a equipe de reportagem. Afinal, todos sabem como atuam as milícias em suas interações com as comunidades por elas ocupadas: cobram ágio de tudo por conta de afastar os perigos típicos do tráfico (guerra entre quadrilhas e confrontos constantes com a polícia vitimando inocentes). Também corre à boca miúda que os milicianos cobram ágio menor que o concorrente afastado, assim agradando a comunidade. Pois é sabido que os traficantes desde muito tempo instituíram essa cultura do tributo informal, sem dúvida o objeto principal e imediato da cobiça dos milicianos.
Os jornais de domingo, 1º de junho de 2008, estamparam a indignação da imprensa, de personalidades e de entidades em virtude da barbárie encetada contra uma equipe do O DIA por membros de uma milícia instalada na “Favela do Batan”, tratada como um ente isolado na tessitura social do Rio de Janeiro: um ambiente ilhado em relação ao ambiente geral que o circunda. O fato é gravíssimo, sem dúvida! Afinal, a equipe estava há dias oculta para documentar o funcionamento de uma milícia dominando favela em lugar de traficantes, talvez uma chance única de desmistificar as milícias.
Porém, os profissionais da imprensa, em sendo descobertos, teriam sido torturados e corrido sério risco de vida. Cá pra nós, não sei se o risco compensou, pois a única novidade consistiu na barbárie contra a equipe de reportagem. Afinal, todos sabem como atuam as milícias em suas interações com as comunidades por elas ocupadas: cobram ágio de tudo por conta de afastar os perigos típicos do tráfico (guerra entre quadrilhas e confrontos constantes com a polícia vitimando inocentes). Também corre à boca miúda que os milicianos cobram ágio menor que o concorrente afastado, assim agradando a comunidade. Pois é sabido que os traficantes desde muito tempo instituíram essa cultura do tributo informal, sem dúvida o objeto principal e imediato da cobiça dos milicianos.
Liga da Justiça
Curioso (para não dizer estranho) é que, nesta mesma data, um grande jornal do Rio anuncia em manchete a PMERJ excluindo de seus quadros seis PMs que estariam envolvidos com o traficante Márcio José Guimarães, vulgo Tchaca, da “Favela do Rato Molhado” (Que pejorativo, hein?!...), fato que teria ocorrido há nove anos atrás. Repito: há nove anos atrás!... Aqui cabe a indagação: que fizeram esses PMs nesses nove anos de serviço ativo? Estavam afastados de suas atividades? Por que tanto tempo? Será que eles não teriam se arrependido nesse período tão longo de suas vidas? Ou continuaram nos quadros da corporação a cometer delitos idênticos ou mais graves?
Por fim, para onde esses seis excluídos migrarão depois de terem seus nomes estampados nos jornais como “bandidos fardados”? Creio ser fácil concluir sobre que rumo eles tomarão, salvo milagre: vão engrossar o contingente de alguma dessas dezenas de milícias que se proliferam no Grande Rio – hipótese mais otimista... Enquanto isso, porém, toda a mídia, somando-se aos aliados afinados com suas justas chiadeiras, reduz o assunto ao lugar-comum de sempre. Matérias são escritas criticando com veemência o atentado à liberdade de informação, adjetivos jorram como tempestade desqualificando os tais “milicianos”, já supostamente identificados como PMs, ex-PMs, BMs, ex-BMs, PCs, ex-PCs, Agentes Penitenciários, ex-Agentes Penitenciários etc., todos, enfim, tachados de “banda podre”, “bandidos fardados”, “agentes públicos marginais” etc. Mas eles não estão nem aí pra isso, pois, sob a ótica deles (e delas), não há mais nada a perder, nem a vida que arriscam diuturnamente. Neste ponto, merece relevo o depoimento do Delegado de Polícia titular da DRACO (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Inquéritos Especiais), Dr. Cláudio Ferraz, em entrevista exclusiva ao Jornal O DIA. A par da constatação de que a polícia vê-se ante um problema tão ou mais complexo que o tráfico dominando favelas, vale destacar a alegoria escolhida pela autoridade policial para caracterizar o gravíssimo problema: “A Milícia é um Câncer”.
Título melhor talvez não exista, já que a doença é incurável, e, na maioria dos casos, proporciona tão-somente sobrevida ao doente. Vou além. Prefiro dizer que estamos ante uma doença auto-imune, que nos remete a heranças genéticas, e que se resume na formação de auto-anticorpos, estes que atacam as células normais pertencentes ao próprio tecido humano e inexplicavelmente o destrói, em vez de defendê-lo das agressões de vírus e bactérias. Neste caso, há a sobrevida, mas são mínimas as possibilidades de cura.
Numa alegoria, é só imaginar um beque a chutar deliberadamente a bola contra o gol do seu próprio time, marcando tento a favor do adversário; ou um caça a disparar seus mísseis contra aviões de sua própria esquadrilha, em vez de atacar o inimigo comum. Sem dúvida, algo inesperado e gravíssimo. Agora, levado ao extremo do “Fogo Selvagem” (pesquisa gratuita na internet), por exemplo, não é demais comparar as milícias aos agentes causadores das doenças auto-imunes, pois, a pretexto de combater traficantes, e somente em razão disso, as milícias tendem à máxima violência e passam a atacar a tessitura social que intentaram defender, claro que em vista unicamente de auferir lucros, pois quem trabalha de graça é relógio, e mesmo assim tem de ser comprado ou roubado.
Mas não se deve deixar de analisar a questão sob a ótica não-policial, ou, pelo menos, da forma como tão bem sugeriu a autoridade policial supracitada, ou seja, uma ação interdisciplinar muito além da mera repressão policial. (Em vista da dura realidade do grande número de milícias instaladas em favelas, a repressão policial resultará no mesmo desastre da repressão ao tráfico. Demais disso, não faltarão discursos a insinuar que combater milícias significa favorecer o tráfico). Pois a disfunção social existe, e vem de longe, e tem “herança genética” vinculada a “alelos” e “lócus” sociais profundos, que se poderiam resumir na desigualdade social a separar a sociedade (formal) da comunidade (informal), sendo certo que a “realidade” (do dever ser) da primeira não corresponde à “realidade” (do ser) da segunda, se é que existe alguma realidade neste mundo louco...
Por fim, para onde esses seis excluídos migrarão depois de terem seus nomes estampados nos jornais como “bandidos fardados”? Creio ser fácil concluir sobre que rumo eles tomarão, salvo milagre: vão engrossar o contingente de alguma dessas dezenas de milícias que se proliferam no Grande Rio – hipótese mais otimista... Enquanto isso, porém, toda a mídia, somando-se aos aliados afinados com suas justas chiadeiras, reduz o assunto ao lugar-comum de sempre. Matérias são escritas criticando com veemência o atentado à liberdade de informação, adjetivos jorram como tempestade desqualificando os tais “milicianos”, já supostamente identificados como PMs, ex-PMs, BMs, ex-BMs, PCs, ex-PCs, Agentes Penitenciários, ex-Agentes Penitenciários etc., todos, enfim, tachados de “banda podre”, “bandidos fardados”, “agentes públicos marginais” etc. Mas eles não estão nem aí pra isso, pois, sob a ótica deles (e delas), não há mais nada a perder, nem a vida que arriscam diuturnamente. Neste ponto, merece relevo o depoimento do Delegado de Polícia titular da DRACO (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Inquéritos Especiais), Dr. Cláudio Ferraz, em entrevista exclusiva ao Jornal O DIA. A par da constatação de que a polícia vê-se ante um problema tão ou mais complexo que o tráfico dominando favelas, vale destacar a alegoria escolhida pela autoridade policial para caracterizar o gravíssimo problema: “A Milícia é um Câncer”.
Título melhor talvez não exista, já que a doença é incurável, e, na maioria dos casos, proporciona tão-somente sobrevida ao doente. Vou além. Prefiro dizer que estamos ante uma doença auto-imune, que nos remete a heranças genéticas, e que se resume na formação de auto-anticorpos, estes que atacam as células normais pertencentes ao próprio tecido humano e inexplicavelmente o destrói, em vez de defendê-lo das agressões de vírus e bactérias. Neste caso, há a sobrevida, mas são mínimas as possibilidades de cura.
Numa alegoria, é só imaginar um beque a chutar deliberadamente a bola contra o gol do seu próprio time, marcando tento a favor do adversário; ou um caça a disparar seus mísseis contra aviões de sua própria esquadrilha, em vez de atacar o inimigo comum. Sem dúvida, algo inesperado e gravíssimo. Agora, levado ao extremo do “Fogo Selvagem” (pesquisa gratuita na internet), por exemplo, não é demais comparar as milícias aos agentes causadores das doenças auto-imunes, pois, a pretexto de combater traficantes, e somente em razão disso, as milícias tendem à máxima violência e passam a atacar a tessitura social que intentaram defender, claro que em vista unicamente de auferir lucros, pois quem trabalha de graça é relógio, e mesmo assim tem de ser comprado ou roubado.
Mas não se deve deixar de analisar a questão sob a ótica não-policial, ou, pelo menos, da forma como tão bem sugeriu a autoridade policial supracitada, ou seja, uma ação interdisciplinar muito além da mera repressão policial. (Em vista da dura realidade do grande número de milícias instaladas em favelas, a repressão policial resultará no mesmo desastre da repressão ao tráfico. Demais disso, não faltarão discursos a insinuar que combater milícias significa favorecer o tráfico). Pois a disfunção social existe, e vem de longe, e tem “herança genética” vinculada a “alelos” e “lócus” sociais profundos, que se poderiam resumir na desigualdade social a separar a sociedade (formal) da comunidade (informal), sendo certo que a “realidade” (do dever ser) da primeira não corresponde à “realidade” (do ser) da segunda, se é que existe alguma realidade neste mundo louco...
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