Eis o que diz o articulista Ricardo Almeida, procurador do Município do Rio de Janeiro, síntese perfeita de uma realidade que vem sendo ignorada por políticos insensíveis e imediatistas, todos craques em nado de piscina e nenhum estadista. Leiam agora o outro artigo que reproduzo na íntegra, além de ofertar-lhes o link para caracterizar os merecidos créditos:
"A melhor solução para a crise fluminense
é acabar logo com o estado do Rio
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-melhor-solucao-para-a-crise-fluminense-e-acabar-logo-com-o-estado-do-rio-7rdf2hbkj14i7mjw0e740smx4?comp=whatsapp
Por ser valiosa demais para ficar nas mãos (incompetentes) de
seus governantes, a cidade do Rio de Janeiro precisa ser o quanto antes
retomada pela nação
Em artigo
anterior, publicado quando da decretação da intervenção federal no estado do Rio, expliquei que a crise
fluminense não é pontual nem idêntica à de outros estados; que se trata de
crise longa e cada vez mais grave, cuja causa remonta à gerência da região
durante 150 anos por parte da União federal, seguida pela atabalhoada
transferência da capital do Brasil para o Centro-Oeste e, 15 anos depois, pela
artificial fusão entre o antigo Distrito Federal e o antigo estado do Rio,
imposta pela ditadura em 1975 a pretexto de criar um “poderoso estado” capaz de
enfrentar o colosso paulista.
A incapacidade gerencial do novo estado, entregue às elites cariocas e
fluminenses acostumadas à tutela federal e incapazes de se orientarem conforme
uma lógica “estadualista”, comprovou-se de modo evidente ao longo das décadas
de 1970 e 1980. Em primeiro lugar, com a rápida perda da antiga centralidade
política e econômica da “Velhacap” para Brasília e São Paulo, respectivamente:
era o famoso “esvaziamento do Rio”. Em segundo lugar, pela gradual deterioração
dos serviços urbanos antes sustentados pelo governo federal: educação, saúde e
segurança pública. Foi devido a esse fracasso que, há cerca de 20 anos, a União
começou a voltar ao município para promover intervenções “brancas” na saúde e
na segurança do Rio, principalmente em época da eleição.
A recente decretação de uma intervenção
federal formal – a primeira desde 1966 – representa apenas o ponto mais baixo e
crítico desse longo processo de degradação, iniciado pelo abandono da antiga
capital sem qualquer plano ou indenização que lhe permitisse andar pelas
próprias pernas e depois aprofundado com a criação, pela fusão com o antigo
estado do Rio, de um estado artificial e anômalo, que nunca conseguiu forjar
elites políticas entrosadas capazes de governá-lo de modo eficiente. O
problema, porém, exige solução duradoura, que não é nem pode ser uma
intervenção federal que, por sua própria natureza, é necessariamente
excepcional. E a atual intervenção se limitará a promover uma melhoria
momentânea, que cessará quando ela terminar, como das outras vezes.
O Rio tem mais servidores federais
que estaduais. Tem mais servidores federais que a própria Brasília
As esperanças de recuperação do
estado do Rio são escassas porque, conforme já explicado detalhadamente no
artigo anterior, não se trata de um estado natural. Ele é anômalo. Nasceu imposto
de cima para baixo no único caso da história brasileira de extinção de um ente
federativo por fusão obrigada com outro. Sua capital estadual não é percebida,
nem por seus habitantes, nem pelos demais brasileiros, como símbolo local, mas
nacional. É a única vitrine do país. Tudo o que nela acontece repercute
imediatamente (e exageradamente) na imagem do país, de forma positiva (como os
Jogos Olímpicos) ou negativa (os arrastões, as balas perdidas, a favelização).
Além de “nacional” simbolicamente, a
capital do estado também destoa das demais por sua dimensão claramente
“federal”: o Rio tem mais servidores federais que estaduais. Tem mais
servidores federais que a própria Brasília, capital oficial. Cinquenta órgãos
federais continuam na Velhacap, como a Casa da Moeda, o Arquivo Nacional, a
Fiocruz, a Petrobras, a Funarte, a Biblioteca Nacional e o BNDES. A União
continua sendo a maior proprietária de imóveis do município: são mais de 1,2
mil. Para se ter uma ideia aproximada do que é o estado do Rio, é preciso
imaginar um estado de porte médio, como o Espírito Santo, que tivesse por
capital não Vitória, mas uma metrópole grande como São Paulo, cuja região
metropolitana abrigasse 75% de sua população e na qual, paradoxalmente, a União
estivesse tão presente quanto está em Brasília.
Diante desse quadro, que solução
seria possível para resolver a situação do Rio, que há pelo menos três décadas
se tornou uma dor de cabeça ao país? Ora, analisando friamente todos os
componentes desse complexo quadro, não é difícil concluir que o único remédio
lógico para a crise fluminense é, por incrível que pareça, de grande
simplicidade: acabar com o atual estado do Rio. Em outras palavras, aceitar o
fracasso do experimento institucional. Isto feito, deveriam ser tomadas duas providências.
A primeira delas passaria por voltar a separar aquilo que a ditadura juntou: o
antigo estado do Rio de Janeiro da cidade do Rio de Janeiro, restabelecendo a
sede do governo estadual em Niterói. A segunda providência seria devolver a
antiga capital da República ao controle do governo federal.
Do
mesmo autor: A intervenção federal no Rio e a especificidade da crise fluminense (16
de fevereiro de 2018)
Essa devolução poderia ser feita, hipoteticamente, de duas formas. A
primeira seria pela restituição, ao atual município do Rio de Janeiro, de seu
antigo estatuto de distrito federal, de que gozou desde 1889 até 1960. Nesse
caso, o Brasil passaria a ter dois distritos federais, o de Brasília e o do
Rio, regidos juridicamente de forma análoga, cabendo à União gerenciar sua
segurança pública, sua saúde e sua educação. Na medida em que o governo federal
até hoje divide sua administração entre as duas cidades, dar-lhes tratamento
semelhante não seria nenhuma aberração.
A segunda forma de
devolver a cidade do Rio ao controle federal, por sua vez, passaria pela
criação de um ente federativo sui
generis, o da Cidade Federal do Rio de Janeiro, dotado de um estatuto
específico, por meio do qual a União se limitaria a assumir a gerência da
segurança pública, tornando permanente o que hoje está provisório por conta da
intervenção federal. Aqui também não há novidade: é o modelo que foi adotado para
reger as antigas capitais da Alemanha Ocidental (Bonn) e da Rússia (São
Petersburgo). Como antiga capital, o Rio bem mereceria estatuto semelhante.
Em qualquer dos dois casos, a cidade
do Rio de Janeiro ficaria muito mais bem equipada para promover políticas
essenciais à reversão da decadência desencadeada pela mudança da capital para
Brasília – a primeira delas, a criação de um ambiente de segurança minimamente
favorável à vida pública e aos negócios. Do ponto de vista tributário, o novo
distrito ou cidade federal passaria a recolher não só os atuais impostos
municipais, como o IPTU, o ISS e o ITBI, mas também os estaduais, no perímetro
de seu território, como o ICMS e o IPVA. Além do patrimônio do atual município
do Rio de Janeiro, o futuro “segundo DF” ou Cidade Federal passaria a
administrar o patrimônio do hoje estado do Rio situado dentro dos seus limites,
incluindo as escolas públicas, as atuais universidades estaduais e todos os
equipamentos culturais e esportivos. Por sua vez, o governo federal poderia
transferir para suas centenas de imóveis vazios no Rio inúmeras autarquias e
fundações instaladas em edifícios alugados em Brasília, como medida de
economia.
A situação da antiga capital da
República não interessa apenas aos cariocas e fluminenses, mas a todo o Brasil
A reconversão da cidade do Rio de
Janeiro em área federal também beneficiaria o estado do Rio. Novamente
assentado em Niterói, seu novo governo estadual poderia voltar suas atenções
para o interior (especialmente para São Gonçalo, na região metropolitana de
Niterói), pondo fim à drenagem do contingente policial fluminense pela atual
capital. Em termos tributários, o estado pouco sofreria, porque hoje há uma
equivalência entre a riqueza produzida entre a capital e o interior. Além disso,
na medida em que a maioria esmagadora dos servidores federais ficaria fora de
sua jurisdição territorial, do outro lado da Baía de Guanabara, o estado do Rio
ficaria, porque mais homogêneo, mais assemelhado aos outros estados da
Federação. A probabilidade de voltar a ser um estado governável aumentaria,
assim, com o fim da confusão entre cariocas e fluminenses.
É verdade que a atual área da cidade
do Rio excede os limites do município homônimo. Nesse caso, bastaria incorporar
ao novo distrito ou cidade federal os municípios limítrofes da Baixada
Fluminense, o que poderia ser feito por plebiscito. No mais, o Estatuto das
Cidades e o das Metrópoles já oferecem mecanismos de colaboração em matéria de
saúde e transporte que poderiam ser aproveitados pelos novos governos
estabelecidos nas cidades do Rio e de Niterói, de modo análogo ao que existe
hoje entre Brasília e Goiânia.
Tudo pesado, a
proposta de conversão da cidade do Rio em um segundo distrito ou cidade
federal, cuja segurança pública voltasse a ser gerida pela União, seria a
melhor solução para o desgoverno que se apossou da região faz mais de 30 anos.
A medida estancaria a deterioração urbana e aproveitaria a posição sui
generis ocupada pela cidade no conjunto da federação, dando-lhe um
estatuto condizente com sua condição de símbolo do país e sede secundária da
administração federal. Por sua vez, livre do fardo da ciclópica capital, o
estado do Rio voltaria a ficar mais homogêneo (como era, de fato, até a fusão,
em 1975) e recuperaria sua capacidade de operar de modo similar aos demais
estados da Federação.
Goste-se ou não, é preciso reconhecer
que, por tudo que representa, do ponto de vista histórico, cultural e
simbólico, a situação da antiga capital da República não interessa apenas aos
cariocas e fluminenses, mas a todo o Brasil. Por ser valiosa demais para ficar
nas mãos (incompetentes) de seus governantes, a cidade do Rio de Janeiro
precisa ser o quanto antes retomada pela nação, que assim teria de volta, a
custo globalmente muito baixo, sua principal sala de visitas e seu principal
cartão postal. E o Rio deixaria, de uma vez por todas, de ser o que se tornou:
matéria de preocupação, raiva ou piedade, tanto dos brasileiros dos demais
estados quanto da mídia internacional. Valeria a pena tentar.
*Christian Edward
Cyril Lynch é professor do Iesp-Uerj e da Fundação Casa de Rui Barbosa.
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