Do G1
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/franquia-do-crime-2-milhoes-de-pessoas-no-rj-estao-em-areas-sob-influencia-de-milicias.ghtml
“Franquia do crime: 2
milhões de pessoas no RJ estão em áreas sob influência de milícias"
"Quadrilhas estão em 37 bairros e 165 favelas da
Região Metropolitana; diferentemente da década passada, quando estavam
limitadas a 161 comunidades. Área de atuação dos milicianos equivale a 1/4 da
cidade do Rio.”
Embora no corpo da matéria admita-se que as
milícias são formadas por muitos ex-agentes públicos e traficantes cooptados
nas comunidades controladas por elas, é sintomático que no rol do grupo
investigador, como informa o G1, não conste a PMERJ:
“[...] Como foi feito o levantamento
As áreas sob influência de milícias foram computadas a
partir de informações da Polícia Civil, Secretaria de Segurança Pública e
Ministério Público estadual. [...]”
Este é o ponto crucial, talvez a
omissão objetive sublinhar indiretamente que a massa de ex-PMs existente no RJ
é impressionante, dada a facilidade de ingresso por uma larga porta de entrada
e uma aberrante facilidade de saída em porta escancarada.
Tal situação, por mais que a
corporação se defenda alegando que o concurso é duro, que a investigação social
não dá colher de chá para ninguém, não se pode negar que muitos candidatos
considerados “puros” não o eram. E, se o eram, a corporação cuidou de torná-los
ruins a ponto de descartá-los (?), o que dá no mesmo, não importam aqui essas
variáveis intervenientes, importam as variáveis situadas como causas, e não é preciso
apontar muitas, basta fixar-se na principal: a PMERJ é típico modelo
massificado de tropa, comum ao exército de conscritos em que o serviço militar
é obrigatório ao jovem.
Eis o que responde pela tendência ao
aumento desenfreado do efetivo no seio da PMERJ, assim como, em virtude desse
aumento, os organismos de controle (administrativos, ministeriais e judiciais),
também acrescidos de novos efetivos, fazem a sua parte “caçadora” com primor, o
que resulta mais ex-PMs jogados de volta ao lixo social de onde vieram.
Porém, com uma diferença: por serem
ex-PMs (mesmo os efetivamente puros, mas que pediram baixa da corporação por
inadaptação ou revolta), esses muitos homens e poucas mulheres (na maioria
jovens sem outra perspectiva de trabalho), tornam-se unidos por laços comuns
muito fortes: treinamento militar, revolta contra o sistema, necessidade de
sobreviver situando-se além dos parâmetros legais, que de algum modo os
alcançaram precocemente, fazendo-os “cães vadios” e ferozes. Dentre outros
laços emocionais e irrefletidos...
Enfim, a causa primeira (inclusão de
efetivos aos milhares), reflete-se no rigor hierárquico e disciplinar, com
poucas chances de “ampla defesa e contraditório”, expressão cunhada entre aspas
porque se tornou clichê nos textos de punições e desligamentos de faltosos na
corporação.
A causa segunda, que ninguém quer ver
a não ser obliquamente, para não ferir sensibilidades fardadas de azul, reside
no invencível fato de que os grupos paramilitares, - estruturados em maioria
por PMs descartados (justa ou injustamente) e por mais alguns ex-agentes cooptados
da PCERJ, do CBMERJ e de outras categorias de agentes públicos igualmente
atingidas em grau máximo pelo sistema situacional a que pertenciam, - os grupos
paramilitares existem porque foram forjados pelo próprio sistema estatal, com
destaque para a PMERJ.
Quando faço a crítica não aponto
pessoas ou comandos nem aqueles que cuidaram e cuidam da “caçada”, mas ao
modelo cultural da massificação de tropa, preso à lógica da máxima quantidade,
da pouca qualidade, e do nenhum incentivo ao prolongamento da carreira, eis que
o soldado de hoje já sabe que será o sargento ou o subtenente de amanhã a estar
nas ruas patrulhando como se fora soldado, isto para amealhar mais umas moedas
a serem acrescidas à mesma miséria do início de sua juventude na corporação. E,
principalmente, é o modelo cultural (encravado na estrutura) preso à lógica de
um militarismo sem identidade, com o foco na terrível ideia de que o homem
quando ingressa na corporação já é investigado e vigiado como um corpo que deva
ser eternamente “dócil” (vide Michel Foucault in Vigiar e Punir); ou seja, visto
como um ser humano fundamentalmente mau, e viciado na origem, o que não deixa
de ser verdade, se bem observarmos a cultura do “jeitinho brasileiro”, que se
insere em todas as classes sociais.
Sim, o ser humano não é visto como
alguém basicamente bom e a ser preparado para exercer com garbo e patriotismo a
profissão de policial-militar (com hífen para caracterizar o real dilema do PM:
ser policial ou ser militar?); com hífen também porque é junção (real) de dois
substantivos, e o acordo ortográfico não mudou isto, embora haja dicionaristas
que embarcaram na onda de grafar “policial militar” sem hífen, o que contraria
a regra gramatical e subverte a realidade do PM.
Enfim, a estrutura lembra uma grande
máquina de moer como carne homens e mulheres, e de prensá-los como “linguiças
de carnes mistas” a serem consumidas por abutres desumanos situados numa mídia
antissocial, maliciosa e estupidamente ideológica.
Em sendo assim, não se há de estranhar
a ocultação do fato de que as milícias não passam de “armas” fabricadas pela
própria sociedade e alimentadas por carcomidas instituições situadas no que
denominamos como “Estado”, tendo este como alvo o “interesse público”.
Portanto, é imperativo reconhecer que a
mídia destruidora força as instituições a combaterem o mal que emergiu de si
mesma, situando como menor prioridade o narcotráfico (a não ser o cooptado por
milícias, assim ignorando as facções criminosas exponencialmente mais volumosas
em bandidos e armas sofisticadas). Sim desfocam o narcotráfico e suas facções
porque, afinal, muita gente boa de caneta e discurso é cliente potencial de
drogas ilícitas. MUITAS MESMO!... Simples assim...
Autofagia social.
ResponderExcluirO Estado criando sua própria oposição.
Bom dia Cel Larangeira.
ResponderExcluirInfelizmente faço parte dessa massa de excluídos da PMERJ que o senhor cita no texto. Não é fácil ser ex-PM; é um termo com conotação pejorativa que virou sinônimo de bandido ou quase isso, a menos que você prove o contrário no seu bairro, no seu local de trabalho, nas suas atitudes e é o que faço, preocupado em andar correto sempre. Em 1989 um grande empresa brasileira abriu as portas para mim e agarrei essa oportunidade com unhas e dentes. Comecei lá embaixo, mas voltei aos estudos, me formei, ganhei algumas promoções e cheguei a chefe, hoje estou aposentado. Não foi fácil, mas consegui dar a volta por cima e confesso que não gosto de tocar nesse assunto; parece que estão mexendo numa ferida que ainda sangra. Dói no corpo e dói na alma. Um afetuoso abraço. Paulo Xavier
A percepção da realidade que eu vejo que muitos oficiais têm não se reflete em mudanças institucionais; de qualquer modo parabéms por suas análises; costumo inclusive sugerir seus textos. Parabéns.
ResponderExcluir