quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

VIOLÊNCIA NO RJ – MAIS DE TRÊS VÍTIMAS DIÁRIAS DE TIRO SÓ NA CAPITAL



“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)







 

MEU COMENTÁRIO


A matéria de O GLOBO de hoje não traz novidades, porém aponta, – a partir de manifestação da ilustre cientista política Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, – aponta mais diretamente o fato de que “a polícia do RJ é a que mais mata e a que mais morre e a que mais coloca em risco a população.”



Este é um aspecto que me permite ilustrar com uma dose de realidade que conheci bem enquanto no serviço ativo. Vou sublinhar algumas passagens que, na verdade, não apenas aguçaram a minha atenção, mas me espantaram. Uma delas aconteceu durante o meu Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO), destinado a capitães. Em vinha de longo tempo na minha carreira como instrutor da Academia e do CEFAP (na época, no antigo RJ, era a EsFO e a Cia Escola de Recrutas). As cadeiras que eu representava, geralmente ao mesmo tempo, e em turmas diferentes, era a de Emprego Tático de Unidades Especiais, Instrução Policial Básica Individual e Armamento e Tiro. Claro que em vista da última eu me obrigava a treinar mais que do costume, não apenas na desmontagem, limpeza e montagem das armas (Revólver, Metralhadora INA, Fuzil Ordinário – era ordinário mesmo, se comparado aos fuzis de hoje –, e Escopeta calibre 12 mm). E treinamento de tiro em stand de quartéis ou improvisados durante instrução de campo. Enfim, eu realmente chamava as armas de tu e não de Excelência...



Lembro então, durante aquele CAO, que havia um capitão famoso por ser considerado o mais operacional da PMRJ. Rapaz corajoso, dedicado e, claro, de peito inchado diante das reverências que recebia da tropa e dos companheiros. Bem, na primeira instrução de tiro no stand, no momento em que ele fez uso do revólver .38 as atenções para ele se voltaram. Ele se preparou diante do alvo e atirou... De olhos fechados. Pensei comigo: “O cara é fera! Atira até de olhos fechados!...” Que decepção: nenhum tiro na mosca, nenhum tiro no alvo, nenhum tiro nos alvos ao lado, todos os tiros no céu. Ah, pensei eu, ele está de brincadeira! Não estava, atirava, mesmo, de olhos fechados, não sabia atirar. Meu Deus!... Mas isto não foi a mais marcante experiência que eu experimentei; a mais significativa foi quando assumi o comando do 9º BPM em Rocha Miranda, em 1989. Lá no quartel há um singelo stand de tiro. Gostei de ver, seria um bom teste geral em toda a tropa feito por mim.



Primeiro problema, dentre inúmeros que encontrei: a tropa não tinha munição nem mesmo para carregar por completo as armas do serviço. As metralhadoras saíam com metade da carga, as escopetas sem reposição a não ser mínima, os revólveres sem carga sobressalente, e os fuzis ordinários no lugar que mereciam ficar: guardados no Material Bélico. Que situação! E era geral, não adiantava reclamar para cima, não havia batalhão em melhores condições. Fiz então uma loucura imediata: fui até o General Newton Cerqueira, que comandava uma Brigada de Infantaria em Deodoro e lhe relatei o problema. Ele de pronto passou a me abastecer com munição 12 mm para as escopetas, munição 9mm para as metralhadoras (antigas INA .45 adaptadas para 9mm) e munição calibre .38 para os revólveres. Descobri de caminho que havia no CEFAP um abnegado tenente que recarregava munição de revólver para treinamento, mas ninguém além do CEFAP a utilizava. Passei a gastar sozinho essa munição, para alegria do tenente, lembrando aos leitores que naquela época a arma curta do PM, via de regra, era o revólver Taurus Calibre .38. Bem, isso feito, hora do stand.



Estava eu me preparando no stand e os PMs foram se chegando furtivamente para ver se o comandante sabia atirar. O que eles não contavam era com a minha astúcia. Chamei-os e os coloquei a atirar, antes de mim, nos alvos de papel distantes 15 metros. Que vexame! PMs de RP e de PATAMO, todos acertando tiros no céu, com raríssimas exceções. Comecei a lhes indagar sobre técnicas mínimas de tiro, ninguém lembrava mais de nada. Isto num batalhão recordista em tiroteios (um por dia) e de mortes em serviço. Meu Deus! Mas o que eles queriam mesmo, depois de passarem pelo vexame diante do comandante, era saber se o dito cujo sabia manusear o revólver .38 e a pistola 9mm que portava na cinta (naquela época podia). Comecei olhando os alvos, tendo atrás uma barreira de concreto com bastante graxa. Mandei um PM ir à cantina próxima uns dez metros de distância (o quartel é pequeno, um dos menos da PMERJ) e pegar umas chapinhas de garrafa. O PM foi e voltou com as mãos cheias de chapinhas. Mandei que ele fosse até a graxa e as prendesse aleatoriamente. Por essa hora os olhos dos PMs estavam saindo das órbitas, eu em caradura aguardando as chapinhas. Para que não pensem que exagero ou minto, há quase mil testemunhas do que relato aqui, sendo certo que toda versão tende a se tornar maior que o fato.



 Ora bem, aí chegou a hora verdade, hora de provar porque no CSP e em toda a minha vida o que eu efetivamente fazia bem era atirar. Fui de pistola arrancando as chapinhas uma a uma já sob aplausos acanhados dos PMs, eu falando besteira, desafiando-os, tudo num clima de intimidade que eles desconheciam. Depois peguei o revólver e a munição recarregada (muitos pacotes) e lhes disse que daí em diante haveria treinamento diário no stand. E fiz uso do revólver com menos precisão, mas suficiente para arrancar algumas chapinhas e passar por perto das que não alcancei. E assim toda a tropa do batalhão perdeu a timidez e treinou intensivamente tiro de escopeta, metralhadora e revólver, graças à ajuda do General Cerqueira e do tenente do CEFAP. E os PMs saíam confiantes ao serviço, devidamente municiados para a guerra que passaram a enfrentar com mais eficiência e eficácia. Pasmem, muitos PMs tinham vergonha de se abrigar para depois atirar. Mudei esta cultura provando-lhes que para atirar bastam as mãos e os olhos. O resto do corpo tem de ser protegido por meios de fortuna do ambiente. Enfim, um retorno dos veteranos aos ensinamentos do CEFAP. E nenhuma bala perdida aconteceu no período de abril de 1989 a abril de 1990, podem conferir nos anais jornalísticos. Quanto ao que aconteceu, é só buscar no site “Estante Virtual” exemplar do livro “Cavalos Corredores – A Verdadeira História”, que esgotou no lançamento. Está lá à venda por mixaria.



Toda esta digressão é para homenagear a cientista política Silvia Ramos, sempre coerente e isenta em seus comentários e exigindo do ISP mais eficiência nos dados estatísticos, algo improvável porque a cultura brasileira com estatísticas não as recomenda. Melhor seria repetir num stand a experiência que tive com os valorosos PMs do 9º BPM, que enfrentavam bandidos no peito e na raça, como aquele “capitão-herói” que fechava os olhos para atirar, mas Deus o manteve vivo. Porque hoje, com tiros de fuzil que dispensam comentários, trocados diariamente entre bandidos e policias em autêntico Confronto Bélico, segundo os critérios da ONU para acionar uma Força de Paz mundo afora, mesmo assim tudo aqui é tratado como arranhão no joelho de garoto que joga futebol e não como fratura exposta.



Daí talvez, sem embargo de outras causas não menos relevantes, o RJ, como ilustra a reportagem, encontra-se em “SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA”. Em outras palavras, encontra-se em meio a uma “GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA” a demandar ações operativas por parte das Forças Armadas, mas sem os improvisos políticos que assistimos atualmente por conta de um presidente sem legitimidade e aparentemente sem coragem para assumir o gravíssimo problema nacional que se alastra rapidamente. E quando o fizer, o que não creio, talvez seja tarde...


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