“O mundo está perigoso para se viver! Não por
causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta
de que não viram.” (Albert Einstein)
MEU COMENTÁRIO
A matéria de O GLOBO de hoje não traz novidades,
porém aponta, – a partir de manifestação da ilustre cientista política Silvia Ramos, do
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes,
– aponta mais diretamente o fato de que “a polícia do RJ é a que mais mata e a
que mais morre e a que mais coloca em risco a população.”
Este é um aspecto que me permite ilustrar com
uma dose de realidade que conheci bem enquanto no serviço ativo. Vou sublinhar
algumas passagens que, na verdade, não apenas aguçaram a minha atenção, mas me
espantaram. Uma delas aconteceu durante o meu Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
(CAO), destinado a capitães. Em vinha de longo tempo na minha carreira como
instrutor da Academia e do CEFAP (na época, no antigo RJ, era a EsFO e a Cia
Escola de Recrutas). As cadeiras que eu representava, geralmente ao mesmo
tempo, e em turmas diferentes, era a de Emprego Tático de Unidades Especiais,
Instrução Policial Básica Individual e Armamento e Tiro. Claro que em vista da
última eu me obrigava a treinar mais que do costume, não apenas na desmontagem,
limpeza e montagem das armas (Revólver, Metralhadora INA, Fuzil Ordinário – era
ordinário mesmo, se comparado aos fuzis de hoje –, e Escopeta calibre 12 mm). E
treinamento de tiro em stand de quartéis ou improvisados durante instrução de
campo. Enfim, eu realmente chamava as armas de tu e não de Excelência...
Lembro então, durante aquele CAO, que havia um
capitão famoso por ser considerado o mais operacional da PMRJ. Rapaz corajoso,
dedicado e, claro, de peito inchado diante das reverências que recebia da tropa
e dos companheiros. Bem, na primeira instrução de tiro no stand, no momento em
que ele fez uso do revólver .38 as atenções para ele se voltaram. Ele se
preparou diante do alvo e atirou... De olhos fechados. Pensei comigo: “O cara é
fera! Atira até de olhos fechados!...” Que decepção: nenhum tiro na mosca,
nenhum tiro no alvo, nenhum tiro nos alvos ao lado, todos os tiros no céu. Ah,
pensei eu, ele está de brincadeira! Não estava, atirava, mesmo, de olhos
fechados, não sabia atirar. Meu Deus!... Mas isto não foi a mais marcante
experiência que eu experimentei; a mais significativa foi quando assumi o
comando do 9º BPM em Rocha Miranda, em 1989. Lá no quartel há um singelo stand
de tiro. Gostei de ver, seria um bom teste geral em toda a tropa feito por mim.
Primeiro problema, dentre inúmeros que
encontrei: a tropa não tinha munição nem mesmo para carregar por completo as
armas do serviço. As metralhadoras saíam com metade da carga, as escopetas sem
reposição a não ser mínima, os revólveres sem carga sobressalente, e os fuzis ordinários
no lugar que mereciam ficar: guardados no Material Bélico. Que situação! E era
geral, não adiantava reclamar para cima, não havia batalhão em melhores
condições. Fiz então uma loucura imediata: fui até o General Newton Cerqueira,
que comandava uma Brigada de Infantaria em Deodoro e lhe relatei o problema.
Ele de pronto passou a me abastecer com munição 12 mm para as escopetas,
munição 9mm para as metralhadoras (antigas INA .45 adaptadas para 9mm) e munição
calibre .38 para os revólveres. Descobri de caminho que havia no CEFAP um
abnegado tenente que recarregava munição de revólver para treinamento, mas
ninguém além do CEFAP a utilizava. Passei a gastar sozinho essa munição, para
alegria do tenente, lembrando aos leitores que naquela época a arma curta do
PM, via de regra, era o revólver Taurus Calibre .38. Bem, isso feito, hora do
stand.
Estava eu me preparando no stand e os PMs
foram se chegando furtivamente para ver se o comandante sabia atirar. O que
eles não contavam era com a minha astúcia. Chamei-os e os coloquei a atirar,
antes de mim, nos alvos de papel distantes 15 metros. Que vexame! PMs de RP e de
PATAMO, todos acertando tiros no céu, com raríssimas exceções. Comecei a lhes
indagar sobre técnicas mínimas de tiro, ninguém lembrava mais de nada. Isto num
batalhão recordista em tiroteios (um por dia) e de mortes em serviço. Meu Deus!
Mas o que eles queriam mesmo, depois de passarem pelo vexame diante do
comandante, era saber se o dito cujo sabia manusear o revólver .38 e a pistola
9mm que portava na cinta (naquela época podia). Comecei olhando os alvos, tendo
atrás uma barreira de concreto com bastante graxa. Mandei um PM ir à cantina
próxima uns dez metros de distância (o quartel é pequeno, um dos menos da
PMERJ) e pegar umas chapinhas de garrafa. O PM foi e voltou com as mãos cheias
de chapinhas. Mandei que ele fosse até a graxa e as prendesse aleatoriamente.
Por essa hora os olhos dos PMs estavam saindo das órbitas, eu em caradura
aguardando as chapinhas. Para que não pensem que exagero ou minto, há quase mil
testemunhas do que relato aqui, sendo certo que toda versão tende a se tornar
maior que o fato.
Ora
bem, aí chegou a hora verdade, hora de provar porque no CSP e em toda a minha
vida o que eu efetivamente fazia bem era atirar. Fui de pistola arrancando as
chapinhas uma a uma já sob aplausos acanhados dos PMs, eu falando besteira,
desafiando-os, tudo num clima de intimidade que eles desconheciam. Depois
peguei o revólver e a munição recarregada (muitos pacotes) e lhes disse que daí
em diante haveria treinamento diário no stand. E fiz uso do revólver com menos
precisão, mas suficiente para arrancar algumas chapinhas e passar por perto das
que não alcancei. E assim toda a tropa do batalhão perdeu a timidez e treinou
intensivamente tiro de escopeta, metralhadora e revólver, graças à ajuda do
General Cerqueira e do tenente do CEFAP. E os PMs saíam confiantes ao serviço,
devidamente municiados para a guerra que passaram a enfrentar com mais eficiência
e eficácia. Pasmem, muitos PMs tinham vergonha de se abrigar para depois
atirar. Mudei esta cultura provando-lhes que para atirar bastam as mãos e os
olhos. O resto do corpo tem de ser protegido por meios de fortuna do ambiente.
Enfim, um retorno dos veteranos aos ensinamentos do CEFAP. E nenhuma bala
perdida aconteceu no período de abril de 1989 a abril de 1990, podem conferir
nos anais jornalísticos. Quanto ao que aconteceu, é só buscar no site “Estante
Virtual” exemplar do livro “Cavalos Corredores – A Verdadeira História”, que
esgotou no lançamento. Está lá à venda por mixaria.
Toda esta digressão é para homenagear a
cientista política Silvia Ramos, sempre coerente e isenta em seus comentários e
exigindo do ISP mais eficiência nos dados estatísticos, algo improvável porque
a cultura brasileira com estatísticas não as recomenda. Melhor seria repetir
num stand a experiência que tive com os valorosos PMs do 9º BPM, que
enfrentavam bandidos no peito e na raça, como aquele “capitão-herói” que
fechava os olhos para atirar, mas Deus o manteve vivo. Porque hoje, com tiros
de fuzil que dispensam comentários, trocados diariamente entre bandidos e
policias em autêntico Confronto Bélico, segundo os critérios da ONU para
acionar uma Força de Paz mundo afora, mesmo assim tudo aqui é tratado como
arranhão no joelho de garoto que joga futebol e não como fratura exposta.
Daí talvez, sem embargo de outras causas não
menos relevantes, o RJ, como ilustra a reportagem, encontra-se em “SITUAÇÃO DE
EMERGÊNCIA”. Em outras palavras, encontra-se em meio a uma “GRAVE PERTURBAÇÃO
DA ORDEM PÚBLICA” a demandar ações operativas por parte das Forças Armadas, mas
sem os improvisos políticos que assistimos atualmente por conta de um
presidente sem legitimidade e aparentemente sem coragem para assumir o
gravíssimo problema nacional que se alastra rapidamente. E quando o fizer, o
que não creio, talvez seja tarde...
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