quarta-feira, 29 de junho de 2016

VIOLÊNCIA URBANA V – O caso de um tenente e sua guarnição, ocorrido em Niterói, mas que poderia ser de outro tenente e de outra guarnição em qualquer outro lugar do RJ e em qualquer época.

 “O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

O que é a verdade?...



“O que é a realidade?” (Brian Greene1)

“Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis.” (Marcelo Gleiser2)


Há, – entre o que aparenta ser e o que efetivamente é, –  há um abismo. Dependendo do BEM ou do MAL que a decisão entre uma coisa e outra possa afetar terceiros, esse abismo não pode ser suprido por nenhuma ponte imaginária. A ponte há de ser concreta, e àqueles que, por ofício, é delegada a função de construí-la, não é dado o direito de divagar em ilusões no sentido de alterar o projeto segundo alguma vontade subjetiva e distanciada do verdadeiro objetivo da ponte, que é o de atar dois caminhos reais momentaneamente interrompidos por um capricho da natureza ou por erro de cálculo. Se os cálculos não forem exatos, se a distância entre um lado e outro do abismo não for precisa, se os materiais escolhidos não forem de boa qualidade, e se o planejamento da obra não for meticuloso e cercado de cuidados, a ponte pode vitimar pessoas antes mesmo de concluída. Portanto, depois de construída, a ponte deve suportar o peso para o qual foi projetada.

Como se vê, não é fácil construir ou reconstruir pontes para transpor abismos. Mais difícil ainda (senão impossível) é construir uma ponte para ligar a mentira à verdade. A tendência é a de uma rejeitar a outra, como a matéria rejeita a antimatéria. Mas pode levar muito tempo e jamais reparar os danos. Deste modo, e partido do princípio de que a verdade é, e a mentira somente aparenta ser, mas não é, o primeiro passo é reconhecer que não há como estabelecer uma relação sadia entre o ser e o não-ser. E, quando o interesse é o desvelar da verdade, não no campo metafísico, mas no material, no substancial, ela não pode decorrer de nenhuma revelação, que é atributo divino. Encontrar, pois, a verdade real, verdadeira, substancial e palpável, para depois atá-la a outra verdade real, verdadeira, substancial e palpável, como efeito da que lhe deu causa, não é tarefa simples. Esta é a ponte a que me refiro, ou seja, a ponte capaz de ligar duas verdades incontestáveis.

Por exemplo, é da lógica que um interruptor, ao ser ligado, acenda a lâmpada. Esse teste repetido sistematicamente provará que o interruptor é um dos lados do abismo e a lâmpada, o outro. Daí a verdade real, substancial e palpável é o interruptor e a outra, a lâmpada. Mas, para corroborar categoricamente tal afirmação, o sucesso do teste é imprescindível. Ocorre, porém, que a natureza costuma pregar peça aos que a ela se entregam sem a devida cautela. Pois, de súbito, o manuseio do interruptor não acende a lâmpada e a escuridão impera num ambiente que se destinara a ser visível pela luz gerada. A ponte entre uma verdade e outra é, então, destruída, e necessita de ser restaurada. E começa o processo de reconstrução a partir do aparentemente óbvio: a lâmpada cumpriu seu tempo de uso e queimou. Retira-se então a lâmpada, que é testada em outro bocal, mas se conclui que ela não queimou...

Pronto: o problema simples torna-se complexo. Se o defeito estiver em mãos de especialista, claro que ele testará o próprio bocal para saber se a energia nele continua a chegar com o interruptor ligado. Para sua surpresa, a energia continua a chegar, concluindo-se que o defeito não é da lâmpada nem do interruptor nem relacionado a outras variáveis antecedentes. O defeito sugere ser uma variável interveniente: talvez o bocal necessite de troca. Seguindo essa lógica, e sem testar mais miudamente, o bocal é trocado e a lâmpada é então recolocada: eis a ponte reconstruída com objetividade. Mas, desgraçadamente, ao ligar o interruptor, a lâmpada insiste em não acender e a escuridão predomina sobre a aparente verdade absoluta da luz que deveria ser jorrada...

O especialista persegue a verdade ainda não revelada pela tecnologia que domina e por suas modernas ferramentas de medição. Aí descobre que o ato de ligar o interruptor e acender a luz está interrompido, na realidade, por um defeito no disjuntor instalado no quadro geral de distribuição da energia consumida. Pronto! Problema sanado: troca-se o disjuntor, liga-se o interruptor e a lâmpada finalmente... Não acende...

Suado, o especialista resolve testar o quadro de distribuição próximo do relógio, já do lado de fora da casa. Está ligado e enviando a energia para o outro quadro; ele então testa a chegada da energia ao disjuntor e percebe que está normal. A partir daí inicia sua via crucis, ou seja, desvelar quantos pontos de consumo da energia além daquele sistema fechado (interruptor-lâmpada) são dependentes do mesmo disjuntor. Para tanto, ele se vê obrigado a mil e um testes com os demais disjuntores, até concluir que a verdade consiste no fato de haver um novo eletrodoméstico, ligado em tomada distante, aumentando o consumo simultâneo de energia além da capacidade do disjuntor relacionado à lâmpada...

Eureca! Finalmente a verdade! Basta instalar um disjuntor mais potente e problema resolvido! O disjuntor é trocado e tudo funciona simultaneamente. A família está feliz, paga o esforço hercúleo do especialista, que também se felicita pelo encontro da verdade tão dolorosamente buscada. Mais tarde, liga-se o novo aparelho e a luz acende. Tudo perfeito, até que o fio se derrete dentro do conduíte, em curto-circuito, e explode um princípio de incêndio que a família não consegue conter.

Em pânico, a família aciona o Corpo de Bombeiros, que, mesmo vindo rápido, dá tempo ao fogo de consumir vorazmente a casa, assim destruindo o vestígio primordial: o fio que ligava o interruptor e a tomada era incompatível com a energia consumida durante um tempo maior pela lâmpada acesa e pelo eletrodoméstico simultaneamente acionado. O fio deveria ter sido trocado... O especialista não teve tirocínio nem paciência para testar sua verdade ainda inconclusa. E adveio o desastre...

Toda essa digressão é para demonstrar que não é simples, no plano físico, ter-se certeza da verdade. Como revelação, no plano metafísico, não se discute, é questão de fé de cada indivíduo. Mas na ciência é tarefa complexa e muitas vezes impossível, dependendo de quem a busca e quais critérios se escolhe para alcançar a verdade substancial. Por exemplo, a inferência é uma técnica sugerida pela Metodologia da Pesquisa Científica. Ensinam Cervo, A. I. & Bervian, P. A. – Metodologia da Pesquisa Científica – Makron Books do Brasil Editora Ltda. – Editora McGraw-Hill Ltda. São Paulo, 4ª Edição, pág. 33:

Pela inferência o espírito é levado a tirar conclusões a partir de premissas conhecidas. Inferir é tirar uma conclusão de uma ou várias proposições dadas, nas quais está implicitamente contida (...). A inferência, como se vê, é uma operação que leva a concluir algo a partir de certos dados antecedentes. É uma extensão do conhecimento. É uma passagem do conhecimento ao não conhecido. Implica uma espécie de salto dos dados estabelecidos e verdades aceitas para novas verdades com elas relacionadas.

Como se depreende, a subjetividade é tão tamanhona que quem faz a inferência tem de crer na existência do espírito (a “mente” de Platão). Não crendo nele como verdade, nem mesmo é possível começar o processo de inferência para “saltar” o abismo entre “dados estabelecidos e verdades aceitas para novas verdades com elas relacionadas”. Enfim, encontrar a verdade para afirmá-la é um dos desafios maiores da ciência, incluindo a ciência natural, especialmente a Física Quântica e suas parentelas próximas, como a Física Clássica, Astrofísica e a Matemática etc., todas incompletas no que se refere ao conhecimento da verdade da existência do Universo e de todas as suas coisas, inclusive nós, seres autodenominados humanos e pensantes, mas que somente sabem que nascem para morrer, se é que nascem e morrem não necessariamente nesta ordem...

Tão invencível dúvida está presente nas mentes mais pródigas dos tempos remotos e presentes. Brian Greene, em sua obra Tecido do Cosmo (Companhia das Letras, 2004), logo no Prefácio, ao se referir à dificuldade de dar respostas sobre a “natureza do universo”, desafia:

Nossa viagem também nos levará, repetidas vezes, a outra questão, estreitamente relacionada com esta e tão abrangente e difícil como ela: o que é a realidade? Nós, seres humanos, temos acesso às experiências internas da percepção e do pensamento. Como podemos, então, estar certos de que essas experiências internas refletem verdadeiramente o mundo exterior? Os filósofos se dedicaram a esse problema há muito tempo (...). E os físicos, como eu, têm a nítida consciência de que a realidade que observamos – a matéria evolui no cenário do espaço e do tempo – pode ter muito pouco a ver com a realidade externa, se é que existe. (...) escolhemos para ser nossos guias os dados objetivos e o arcabouço da matemática, e não a imaginação desenfreada ou o ceticismo implacável. (Grifo nosso)

Resistindo à minha vontade de sublinhar toda a citação, de tão esclarecedora do que não se pode esclarecer pela “imaginação desenfreada” ou pelo “ceticismo implacável”, vou a Sócrates para registrar a sua máxima vencedora dos séculos: “Eu sei que nada sei”. E prossigo em minhas dúvidas garimpando compêndios para tentar encontrar a verdade no vasto campo do Direito, com o foco no testemunho do sujeito sobre algum objeto. Alcanço, então, o ensinamento do Ministro Moacyr Amaral Santos, contido na sua obra Da Prova Judiciária no Cível e no Comercial, Max Limonad, 4º Ed., 1972, III Vol., pág. 208:

A verdade, relativamente a um fato certo, determinado, concreto, é e não pode deixar de ser uma só. Assim, não se compadecem com o testemunho idôneo afirmações contraditórias ou incongruentes. (...) De declarações contraditórias, ou seja, narrações do mesmo fato entre si repugnantes, não resulta prova alguma. Donde a máxima: – são suspeitas por vício no depoimento as testemunhas que depõem de modo contraditório ou vário, afirmando coisas entre si diversas e repugnantes (...). A testemunha vária ou contrária entre si na mesma causa, e no mesmo juízo, sobre fato substancial, não prova e se reputa falsa, e se julga falsa no seu todo (...).

Quando estabeleço a relação sujeito-objeto, adentro o campo mais complexo da filosofia, permeado de dúvidas e contradições sobre a verdade contida nessa relação, que, sem outra possibilidade, foi convencionada para facilitar a comunicação entre os seres humanos. Daí, quando afirmamos que uma taça de vinho é uma taça de vinho, a associação se complementa entre muitos povos até de linguagem diferente, desde que, entre esses povos, o determinante se ajuste ao determinado, e não necessariamente nesta ordem. Mas, se apenas afirmarmos que uma taça é uma taça, a comunicação se torna abissal, bastando pensar numa taça representativa de vitória em alguma modalidade esportiva.

Portanto, antes de se pensar em afirmar algo sobre algum objeto, o sujeito tem de reconhecer o objeto em máxima concretude. E quando esse objeto é um fato ou um fenômeno, a complexidade dele põe em xeque o sujeito; e ele, neste momento de dúvida, pode optar por estabelecer a verdade à vista de dogmas ou ideologias defendidas como verdades insofismáveis por terceiros, com estes pressionando o sujeito, por vias ignominiosas, no sentido de estabelecer a mentira como verdade. Eis o poder contaminado, que no mundo sensível (ou insensível) predomina sobre qualquer verdade tornando-a mentira.

No campo do Direito, onde nos fixamos em busca da verdade, sem, entretanto, perder o foco nas demais ciências e na filosofia, encontramos o ensinamento do processualista José Joaquim Calmon de Passos:

Todo Direito assenta num fato. E qualquer modificação no fato importa diversificação do Direito. Por conseguinte, em última análise, não há justiça efetiva onde o fato fundamentado no Direito não foi posto com exatidão.

Com efeito, a inexatidão do fato não permite a inferência da verdade nele contida. Peca-se na origem, que não pode ser reconstruída nem como encenação posterior do que poderia ter havido antes. É o que se denomina, na linguagem jurídico-policial, “reconstituição do fato”. Em se tratando de crime, seria a “reconstituição do crime”. E se o fato é um crime, presume-se autoria e culpa de alguém. E se o crime é de sangue (homicídio), e não há dúvida quanto à autoria, há ressalvas relevantes para se demonstrar como verdade principalmente a culpa e/ou o dolo (crime culposo ou doloso) ou a não-culpa (excludentes de criminalidade).

Vencida esta fase, a verdade real concretizada, chega-se à certeza como última etapa da inferência, que deve ser exaustiva e isenta de ânimo, especialmente por quem detém o poder de decidir sobre a vida e a liberdade de algum ser humano. Para tanto, é inevitável que o poder de decisão esteja em mãos e mentes experimentadas, maduras, conscientes, e, sobretudo, capazes de isentamente inferir, por dedução ou indução, a exatidão do fato, que só pode ser uma. Se o detentor do poder, todavia, não se colocar como expectador isento e se entregar a uma das partes como membro efetivo e defensor da causa dogmática ou ideológica, mesmo que tal ocorra por pressão e o detentor da decisão se acovarde, há o risco de a mentira ocupar o lugar da verdade e danificar a vida de muitas gentes concomitantemente. Sobre esse perigo, vale transcrever um ensinamento importante:

Mas se as coisas não podem ser falsas por si mesmas, podem ser falsificadas pela obra do homem, que maliciosamente é capaz de imprimir nelas uma alteração enganadora naquelas determinações de lugar, tempo ou modo, que constituem a subjetividade formal da prova material; e o investigar se a coisa é ou não falsificada, pertence à avaliação subjetiva, enquanto tende a fixar credibilidade subjetiva da coisa probatória, isto é, a estabelecer se a coisa material se apresenta com a missão subjetiva de provar o verdadeiro que vem da natureza, ou se, ao contrário, vem da malícia humana modificada para produzir uma falsa verificação, especialmente para enganar. (Malatesta, Nicola Framarino Dei, in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, Conan Ed., 1995, Vol. II, pág. 369).

Desnecessário informar sobre a importância do autor, reconhecido internacionalmente no mundo jurídico-filosófico. E quando assim ele se expressa, não o faz para criticar, mas para ensinar o que não deve ser feito por quem detém o poder sobre a conduta alheia em nome do Estado, o que indica a serventia generalizada do ensinamento. Em outras palavras, poderíamos acrescentar: aquele que concentra o poder legal de opinar sobre pessoas ou julgá-las deve ter em mente que sua errônea ou maliciosa opinião ou sua equivocada ou tendenciosa decisão em prejuízo de outrem (ser humano), se assim acontecer, reduzem a sua condição ao nível mais desprezível que se pode supor.

Enfim, aquele que cabe opinar sobre a conduta alheia não pode divagar em ficções para agradar a correntes político-ideológicas nem se dar ao luxo de opinar ou decidir com base em suas próprias ideologias, dogmas, estereótipos etc. Exigir isso de um ser humano, falível e impressionável em todos os sentidos, não é simples, mormente num país em que o poder político interfere nas carreiras públicas com forte influência totalitarista e o nepotismo político grassa como praga incontrolável.

Inclui-se ainda como fator preponderante a associação desse poder político com a grande mídia, que, além de incontestável tendência ideológica de esquerda, tem no sensacionalismo ao modo Kane sua lógica de mercado. Portanto, a mídia não costuma ser amiga da isenção e da verdade; ademais, adora demonizar pessoas que não atendem à parcialidade dos seus nefastos princípios, assim como ama heroificar quem reza na sua cartilha. Para tanto, vive mais de ficção que de realidade; vive mais de odiosa tendenciosidade, vive do que não é verdadeiro, não exalta a justiça e o equilíbrio: único caminho da verdade. E, por falar em ficções, tornam-se oportunas  as palavras do grande jurista Ferrara, na obra Büiow,  Civilprozess. Fictionem und Wahreiten (Arq. f. civ. Prax., 62, p. 1/6. Biermann, B. R. 92) "Trattato". Athenaeum, Roma, 1921, nº 9, pág. 50:

De qualquer maneira, se ficções são toleráveis na lei, das ficções deve fugir a ciência. Ficções são mascaramentos da verdade, e a ciência, que tem por missão descobrir a verdade, não pode contentar-se com um artifício. Toda ficção é um problema não resolvido.

Não há como prosseguir no raciocínio sem novamente jorrar luz na obra de Malatesta, já que intentamos demonstrar quão difícil é o encontro da realidade papável, ou da verdade real, fator indispensável a qualquer decisão sobre o objeto apreciado, o fato, no caso, uma forçada acusação de duplo homicídio:

A verdade sensível nem sempre é percebida, nem sempre se pode apreender por via imediata; muitas vezes a ela se chega por via mediata: partindo de uma verdade sensível, diretamente percebida, passando-se a afirmar outra verdade não percebida diretamente. Um fato físico que nos conduz ao conhecimento de outro, físico ou moral; e aquele fato que nos conduz ao conhecimento de um outro não diretamente percebido constitui a sua prova. É sempre a reflexão intelectiva que nos guia do conhecido ao desconhecido; e nos guia por meio do raciocínio. O raciocínio, instrumento universal da reflexão, é a primeira e mais importante fonte da certeza do crime. (Ibidem, Vol. I, pág. 29, SARAIVA, 1970, SP)

A preciosidade da obra de Malatesta sobre a verdade racionalizada, ou seja, despida de sentimentalismo, não se esgota nela. Malatesta vai além de vários ensinamentos anteriores e posteriores, tornando-se sempre atualíssimo. E nos inspira a grafar a notável indagação do filósofo Jean Beaufret, em O Poema de Parmênides, traduzido por Hélio L. Barros e Mary A. L. de Barros:

Mas se a designação da verdade como revelação só é inteligível relacionada com uma não-revelação mais inicial, não devemos concluir que a revelação da verdade tenha como efeito destruir a não-verdade do ocultamento, extorquindo-lhe uma revelação daquilo que ele, por natureza, tem de ocultar?

A revelação é dependente da fé. Está além da ciência e da tecnologia. Não se coaduna com a razão. Dela, portanto, não se pode servir o responsável por uma opinião ou um julgamento, como se fazia nos tempos remotos o Santo Ofício. A Inquisição, por conta da “verdade revelada”, torturou, torrou e afogou milhões inocentes, matando-os sem contemplação. As Cruzadas dizimaram milhões de inocentes. Saber, portanto, o que seja a verdade em contraposição à não-verdade só é factível por via da razão, deixando de lado quaisquer rasgos de ideologia ou dogma quando se trata de opinar sobre prática de crime por alguém, ou de julgá-lo em decorrência de falsa opinião. Concluir Por meio da emoção é mais que erro, é tão absurdo como o suicídio. Usar alguma autoridade a emoção fundada em vaidades estimuladas, enfim, em retóricas cruéis, tendo como arma o poder estatal que lhe é conferido, é matar moralmente o indivíduo antes de condená-lo fisicamente aos grilhões, levando ao abismo o erradamente réu e sua família. Fazer tamanha crueldade em nome de ilusões ou em apego doentio a estereótipos é mais que absurdo: é crime contra a Humanidade:

III – O princípio de toda a soberania reside essencialmente na razão; nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane diretamente. (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO).

Toda essa digressão objetiva ajudar um tenente da Polícia Militar que responde por duplo homicídio decorrente de ação policial inevitável durante serviço de supervisão, quando, na verdade, deveria tudo ser encerrado num Auto de Resistência. A versão do tenente é simples e direta: ele, acompanhado de um Aspirante-a-Oficial PM e de um Cabo PM (motorista), na localidade conhecida como Cantagalo, em Niterói, deparou com uma motocicleta na via principal (estrada) que liga o Centro da cidade à Região Oceânica.

O motociclista, ao perceber a viatura policial, disparou em fuga, sendo por isso perseguido. Num determinado momento, o carona se voltou para trás e fez dois disparos de revólver em direção à viatura policial. O tenente, – que se encontrava ao lado do motorista, e armado com fuzil (do Estado), – reagiu à injusta agressão e disparou contra o agressor, atingindo-o frontalmente (o agressor estava com a cabeça voltada para trás para atirar na direção da guarnição). O projétil do fuzil, por esta razão comprovada em exame cadavérico, transfixou o pescoço da vítima, indo atingir mortalmente o condutor da moto. Em consequência, a moto desgovernou-se e ainda em alta velocidade colidiu frontalmente com um veículo que vinha na pista em sentido contrário.

O veículo atingido conduzia um casal, – motorista e esposa, – que sofreu lesões leves, com a mulher alegando tontura nos primeiros momentos posteriores à colisão. Depois de acionar a ambulância do Corpo de Bombeiros e solicitar reforço para cuidar da ocorrência de trânsito, o tenente decidiu mandar socorrer as vítimas, que faleceram de caminho, permanecendo ele no local objetivando localizar a arma do agressor. Verificando meticulosamente o local do grave incidente, o tenente logrou localizar a arma: um revólver Rossi, calibre 38, com numeração raspada: arma típica de bandido. Em função do acidente de trânsito (fato conduzido antes à DP pela guarnição convocada para tal labor específico), – e na sequência do fato principal (reação aos tiros desferidos pelo agressor), – o tenente assumiu a responsabilidade pela ocorrência principal: conduziu pessoalmente o fato à 79ª DP, sendo atendido por um policial civil de bermuda e camiseta, que se encontrava de plantão nessas condições.

E o policial civil, em vez de acionar o delegado de plantão, que não se encontrava presente, ou outro delegado de polícia em DP localizada em Niterói, simplesmente registrou a ocorrência (RO) geradora de duas vítimas fatais do modo como o tenente relatou e fez constar no TRO referente. Deste modo, e por falta de iniciativa da polícia Civil, não foi lavrado o Auto de Resistência indispensável ao caso, assim como nenhum delegado de polícia cuidou, neste primeiro momento, de providenciar as medidas legais de perícia na arma para recolher as impressões digitais do agressor, bem como requisitar do IML a prova de resíduo de pólvora nas mãos do agressor que fizera uso do revólver disparando dois tiros contra a guarnição. Essas duas providências eram fundamentais como prova técnica da agressão sofrida e relatada pelo tenente, sendo certo que ele assumiu de imediato a autoria do disparo que atingiu mortalmente os dois ocupantes da moto em fuga.

Posteriormente, – em virtude de manifestações típicas de favelados protestando contra a polícia e anunciando que os jovens motoqueiros “não eram bandidos”, – o sistema oficial reagiu ao clamor incriminando o tenente e seus auxiliares. O tenente, pelo duplo homicídio e fraude processual (artigo 121, § 2º, Incisos I e II, na forma do artigo 69 (duas vezes) e 347, parágrafo único, todos na forma do artigo 69 do Código penal); os dois membros da guarnição, por fraude processual (artigo 347 do CP).

Toda essa falsa opinião, como se observa na denúncia, baseia-se tão-somente no que o Parquet designa como “contundente prova oral produzida”, ou seja, decorrente de testemunho diverso em relação ao fato em si, já que não assistiram ao evento a não ser em momento posterior, como curiosos. Somente o casal, em tese, poderia testemunhar sobre o fato, e o fez de maneira extremamente facciosa, repetindo ou assinando seus preparados depoimentos, em 15/03/2009, ou seja, sete dias após os fatos, com frases idênticas, decerto sugeridas por quem fez a tomada dos depoimentos na 79ª DP. Porque, na data do fato (08/03/2010), o casal afirmou em dependências policiais história diferente...

É aberrante a sugestão ilícita geradora dos ajustados depoimentos de 15/03/2010, bastando citar um pequeno trecho de ambos. Pela ordem, disse Anderson da Conceição Silva, motorista do auto atingido pela moto: “que escutou as rajadas de fuzil em sua direção, vendo os fragmentos passando ao seu lado esquerdo (...) chegando a supor que era o alvo”. Caramba! Como ele “viu” esses fragmentos “passando”? Será que ele é superdotado? Que suposição bem encaixada!... E num momento logo adiante ele afirma “que sua esposa bateu com a cabeça no pára-brisa ficando um pouco tonta; que o declarante abriu os olhos...” caramba! Ele “viu” de olhos fechados os fragmentos passando ao seu lado e achou que “era o alvo”! Como pôde?... Com a ressalva, por ele confirmada, de que o seu carro não fora atingido por nenhum dos fragmentos que ele “viu” de olhos fechados...

Já a esposa dele, Tatiana Coelho dos Santos, – mas que se diz “solteira” na sua qualificação, tal como ele igualmente se declara (“solteiro”), – a esposa dele afirma que “bateu com a cabeça no pára-brisa ficando um pouco tonta”, ou seja, repete com absoluta precisão a mesma frase anotada no depoimento do seu marido; e em local ermo (era noite), e tonta, ela assegura peremptoriamente que as vítimas “já estavam mortas”. Como pode ela, “um pouco tonta”, decerto em pânico diante do havido, e sem ser especialista (não era médica nem enfermeira), afirma em “contundente prova oral” (na ótica do Parquet) que os motociclistas agressores “estavam mortos”? E o faz em duas oportunidades do seu segundo depoimento na DP. E mais: com a desgraçada coincidência de o referido casal (?) residir na mesma comunidade do Cantagalo, local de residência de todos os curiosos, além de notório homizio de traficantes armados. Ora, arrenego!... Sobre a sugestão ilícita, figura bastante conhecida no mundo jurídico-penal, vale transcrever o ensinamento do mestre Nicola Framarino Dei Malatesta, in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, Conan Ed., 1995, Vol. I, págs. 106/7:

Mas, ordinariamente, a sugestão se apresenta como violação da liberdade subjetiva da testemunha, e é por isso ilícita. A sugestão ilícita pode ser de três espécies: violenta, fraudulenta e culposa. A sugestão violenta sugere as respostas por meio do temor, a fraudulenta por meio do engano gerado pelo dolo do interrogante, a culposa por meio do engano pela negligência do interrogante. (...). Consideramos em geral a sugestão como violação da liberdade subjetiva do interrogado; mas ela é contrária à verdade mesmo quando possa eventualmente emprestar ao interrogado as armas para mentir, dando-lhe um conhecimento dos fatos que podem facilitar e tornar mais verossímeis suas mentiras.


Acontece que na data dos fatos, em 08/03/2009, o casal relatou na DP a seguinte versão (sic): [“ANDERSON DA CONCEIÇÃO SILVA – Relata que estava indo para a sua residência; que na ESTRADA CAETANO MONTEIRO ouviu disparos de arma de fogo e viu que a moto com dois elementos estava em alta velocidade na contramão vindo em sua direção; que o mesmo se abaixou no interior do veículo e sentiu um impacto verificando que a moto colidiu de frente com seu veículo, que rodou, e ao sair do veículo, atordoado, se afastou um pouco e observou que os elementos estavam caídos na via e observou que os mesmo estavam sendo socorrido pelos policiais-militares; que seu veículo ficou no local aguardando a perícia; que não se machucou, só ficando tonto no momento da batida.”]; [“TATIANA COELHO DOS SANTOS – Relata que estava acompanhada de ANDERSON; que os mesmo estavam indo para a residência; que viu quando vinha a moto vinha pela contramão, abaixando no interior do veículo quando sentiu o impacto, ficando meio tonta; que ao sair do carro verificou que os elementos estavam caídos na calçada sendo socorridos por policiais militares.”]

É fácil perceber como a memória do casal foi “refrescada” após sete dias (15/03/2010), enquanto que na data dos fatos (08/03/2010) a natural oralidade do casal difere totalmente dos depoimentos posteriores, com convenientes acréscimos para ajustar a nova versão à má intenção das autoridades de polícia judiciária no sentido de prejudicar o tenente.

Por sinal, o policial civil AGOSTINHO RODRIGUES DA SILVA NETO, por iniciativa do seu chefe, delegado de polícia titular da 79ª DP, respondeu a procedimento administrativo exatamente por desconsiderar a versão do tenente apresentada em 08/03/2009, “para apurar a DESÍDIA, em tese, em desfavor do policial AGOSTINHO, tendo em vista que o mesmo narrou na dinâmica ‘troca de tiros’ e havendo a apreensão de arma de fogo suprimida”. Isto sem se considerar outras providências inadiáveis que o referido policial civil deveria tomar em vista do fato real narrado pelo tenente. Ora, nem há necessidade de se saber qual o resultado da “sindicância sumária”, embora tenha havido aberrante prevaricação do policial civil, que, aliás, na data dos fatos não se preocupou em acionar o delegado titular ou algum delegado adjunto para conduzir a grave ocorrência precisamente narrada pelo tenente.

Do mesmo modo, nota-se a preocupação da Oficial de Cartório ISABELLA ROQUE DOS NASCIMENTO SILVA, matrícula 888.619-4, que buscou nos depoimentos “de conduta” firmar uma “cristalina idoneidade” de dois jovens de menor idade, um de “apenas 15 anos” e outro de “apenas 16 anos”, com um deles, sem habilitação, a pilotar uma motocicleta em via de trânsito rápido, em alta velocidade, portando um revólver raspado, com o carona disparando dois tiros em direção à viatura que os perseguia.

Dentro desta mesma linha de protecionismo, deliberaram os denunciantes pela “imaturidade” dos adolescentes, com o fito de minimizar o grave fato de que não eram tão criancinhas assim e sabiam mui bem o que faziam. Mais paradoxal, para não se dizer aberrante, é o fato de o Parquet considerar o uso do fuzil contra os dois agressores, como afirma na denúncia, “de forma desproporcional”, como se reagir aos disparos de um revólver calibre 38 com tiros de fuzil fosse culpa de quem o portava: um fuzil fornecido pelo Estado para uso em serviço.

Seria o caso de indagar se algum PM, ao ser atacado por agressor armado de faca, disposto a matá-lo, devesse usar o fuzil como “borduna de bugre” para a reação ser do agrado dos promotores de justiça. Ora! Arrenego!... E tudo, como alega no desfecho da facciosa denúncia, fundado em “contundente prova oral”, que, na realidade, resume-se a um rol de moradores da comunidade do Cantagalo que não presenciaram o fato. Demais disso, residem em local infestado de traficantes, como, aliás, ocorre nas demais favelas de Niterói, com a agravante da migração de bandidos oriundos das favelas ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), aumentando deveras os perigos enfrentados cotidianamente pelo policiamento ostensivo.

Também é aberrante o destaque dado ao desidioso policial civil AGOSTINHO RODRIGUES, que, como está grafado na denúncia (sic), “confeccionou o 1º registro de ocorrência em que os PMs apenas informaram sobre a ocorrência de um acidente de veículo quando na realidade tinha ocorrido disparos de arma de fogo, tipo fuzil.” Ora, omite convenientemente o Parquet que esses primeiros PMs cuidaram tão-somente da ocorrência de trânsito, confeccionando inclusive o indispensável BRAT, enquanto os demais envolvidos no tiroteio socorriam as vítimas devido à demora da chegada da ambulância do Corpo de Bombeiros, aliás, acionada pelos PMs denunciados.

E depois, sim, eles se dirigiram à DP para relatar o fato principal, de responsabilidade exclusiva deles, não apenas narrando o ocorrido como também apresentando a arma usada pelos menores infratores contra a guarnição. E quem registrou tudo isso foi exatamente o policial civil AGOSTINHO RODRIGUES, considerando o delegado de polícia Luiz Mariano da Fontoura Xavier, titular da 79ª DP, a sua conduta funcional como “desidiosa”, claro que “em tese”, instituindo desde logo a “brecha” para livrar o desidioso PC de punição. Desídia, aliás, insanável, porque não havia autoridade competente na DP para comandar todo o processo apuratório, este que deveria incluir, no primeiro momento, o pedido de recolhimento de impressões digitais no revólver apresentado pelo tenente, bem como a verificação de resíduo de pólvora e alguma zona de esfumaçamento que costuma comprovar que determinada mão disparou um revólver, fato mais que sabido no mundo policial, ministerial e judicial. Enfim, incompleto exatamente nos aspectos favoráveis ao relato do tenente, a autoridade policial não inseriu os quesitos aqui sublinhados, como se infere do LAUDO DE EXAME EM ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO, que, por sua vez, confirma ser a arma boa para matar e apresentar cartuchos por ela disparados, como de fato foram apresentados, faltando, contudo, aprofundar a perícia para se ter a certeza de que o percussor que feriu a espoleta é o da arma, o que caracterizaria o disparo recente, prejudicado em todos os sentidos. Porque é certo que o perito jamais poderia afirmar em que momento a arma fora utilizada, mas apenas que havia dois cartuchos esvaziados, tudo conforme o relato do tenente.

Importa, neste ponto, consignar QUE O LAUDO DE EXAME EM LOCAL DE OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO, inicia-se afirmando que o local estava “preservado”, eis que “acautelado pelo cabo Xavier, RG 70.046, viatura 54-3650. Já o LAUDO DE EXAME CADAVÉRICO do IML prende-se tão-somente aos quesitos requisitados pelo delegado da 78º DP, que, por sinal, não cobre a região onde o fato ocorreu. Não houve, portanto, nenhum pedido de exame de impressões digitais dos cadáveres e nem do revólver, sendo certo que o carona FELIPE MARIANO PEREIRA BRITO, de “apenas 15 anos”, carona da moto que fez uso do revólver 38, recebeu um impacto frontal do projétil, prova técnica, esta sim, contundente, de que ele estava com a cabeça voltada para trás. Disso se infere que, numa moto em alta velocidade, a cabeça voltada para trás não tinha outro objetivo que não fosse o de visualizar o alvo (a viatura policial) para atirar, daí FELIPE MARIANO PEREIRA BRITO receber de volta a reação do tenente à sua injusta agressão. O laudo de exame cadavérico não deixa dúvida quanto à penetração do tiro, que, transfixando o pescoço de agressor, culminou acertando o piloto da moto, JOÃO GABRIEL DE MATOS, de “apenas 16 anos”, sendo certo que os médicos legistas não concluíram ter sido a morte decorrente de “meio insidioso ou cruel”.

Percebe-se, pelos floreios eloquentes dos signatários da denúncia, em concerto medonho com uma polícia judiciária que propositadamente ignorou o seu dever de produzir todas as provas técnicas, que, aliás, poderiam até ser desfavoráveis ao tenente, uma tendência claramente maniqueísta, ou seja, consideraram os membros da Polícia Militar, que se arrisca na defesa do BEM, como o MAL a ser combatido. Porque, enquanto os PMs cumpriam rigorosamente o dever de estar nas ruas de madrugada protegendo a população, a Polícia Civil se fazia ausente na DP, não existindo nem equipe mínima. Reduzia-se a um policial civil desidioso, a atender de bermuda e camiseta quem lá comparecesse. Enfim, apenas era o titular da chave das dependências policiais para não fechá-la de vez. Essa inversão de valores, nitidamente ideológica, é desanimadora. Abusam todos (Polícia Civil e Ministério Público) do direito de perseguir e punir como nos nefastos tempos da Inquisição ou do Nazismo. Não entendem o valor da vida e da liberdade nos limites corretos e isentos, que vale para quem está cumprindo a lei oficialmente, sob juramento, de doar a vida em favor da sociedade, mas nem por isso perdem a condição fundamental do direito à vida e à liberdade como seres humanos que enfrentaram bancos escolares, concursos públicos e cursos exaustivos exatamente para gozar da mínima credibilidade social. Como afirmou o Dr. Ophir Cavalcante Junior, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, outro dia, em artigo publicado em O Globo (17/11/2010): “(...) Nos limites da lei, por não existir direito absoluto, e até os direitos sagrados à vida e à liberdade se esmaecem frente, respectivamente, à legítima defesa e à prisão por ato criminoso (...).

Ora, que estava numa pista de trânsito rápido em alta velocidade, ou seja, praticando conscientemente a direção perigosa, e em sendo perseguidos pela guarnição da PMERJ, em vez de parar reage à abordagem com o carona atirando de revólver no tenente, foram os dois adolescentes, que, ao contrário do que defendem os signatários da denúncia, tinham idade mais que suficiente para responder por seus atos criminosos. Aliás, em muitos países democratas e civilizados os jovens dessa idade podem até ser condenados à pena máxima dependendo do crime que cometam. Mas a falta de isenção do MP, que considera falaciosa a versão oficial narrada na DP e escorada em prova técnica que à Polícia Civil cabia aprofundar com a indispensável isenção, mas não o fez, torna a denúncia, esta sim, falaciosa.

Apelam os signatários da denúncia para uma grave acusação sem provas além dos depoimentos de parentes e amigos dos agressores mortos (decerto eles não são detentores da unanimidade garimpada com esse fim). Dão conta de que as vítimas eram pessoas idôneas e só estavam praticando a direção perigosa montados numa moto em via de trânsito rápido porque não possuíam, em virtude da idade (“apenas 15 anos e apenas 16 anos”), a necessária maturidade. Enfim, lembra a afirmação do MP sobre a “imaturidade” de dois jovens já alcançando a idade adulta, portanto maduros o suficiente, a prática de vergonhosos oximoros do tipo “valentia covarde” e “inocente culpa”. Tanto que a denúncia gasta mais tinta para sacralizar os agressores e bem menos tinta para demonizar os agentes públicos da PMERJ que cumpriam serviço e se defenderam de injusta agressão com os meios que lhe são proporcionados pelo Estado. Ora, os fuzis usados pela polícia não são de uso particular. É a arma distribuída às guarnições em vista dos perigos proporcionais que os PMs enfrentam nas ruas e são feridos e morrem às pencas.

A falta de critério técnico da Polícia Civil e a deliberada vontade de não investigar o fato com a precisão devida demonstram claramente o facciosismo de um Inquérito Policial Civil, que, de tão manipulado, nem pode ser denominado como investigação criminal. O preparo posterior dos depoimentos visando aos pontos que gerariam a denúncia foi caprichado pelos depoentes sob a ilícita e descarada sugestão da oficial de cartório que os conduziu. Abundam malícias insustentáveis no sentido de excluir a arma utilizada contra os agentes públicos da PMERJ, para, assim, preparar o terreno para a denúncia exagerar o uso do fuzil contra os agressores. Ora, são aberrantes as contradições entre os primeiros relatos do casal que teve o carro colidido pela moto, em 08/03/2009, e seus depoimentos em 15/03/2009. E basta ressaltar uma das aberrações: ANDERSON, com seus olhos fechados, – e abaixado dentro do carro, – mesmo assim “viu” passar do seu lado “fragmentos dos tiros de fuzil”, achando inclusive que ele “era o alvo”. Façanha como essa desmerece a idoneidade do testemunho como um todo, sendo certo que as demais contradições, igualmente aberrantes, são “café pequeno”. Ah, não há como não reiterar veementemente o dizer do Ministro Moacyr Amaral Santos, contido na sua obra Da Prova Judiciária no Cível e no Comercial, Max Limonad, 4º Ed., 1972, III Vol., pág. 208:

A verdade, relativamente a um fato certo, determinado, concreto, é e não pode deixar de ser uma só. Assim, não se compadecem com o testemunho idôneo afirmações contraditórias ou incongruentes. (...) De declarações contraditórias, ou seja, narrações do mesmo fato entre si repugnantes, não resulta prova alguma. Donde a máxima: – são suspeitas por vício no depoimento as testemunhas que depõem de modo contraditório ou vário, afirmando coisas entre si diversas e repugnantes (...). A testemunha vária ou contrária entre si na mesma causa, e no mesmo juízo, sobre fato substancial, não prova e se reputa falsa, e se julga falsa no seu todo (...).

Neste ponto, e para encerrar, retomo a ideia inicial do eletricista para demonstrar que o exercício da lógica, por meio de inferências, existe para buscar a verdade real ou substancial, ou seja, a verdade dos fatos. Portanto, em processo criminal não se justifica nenhum floreio eloquente e palavrórios rebuscados com o fim único de danificar a verdade e fazer prevalecer a mentira em desfavor de alguém. O cunho nitidamente ideológico do Inquérito Policial Civil e da Denúncia do MP dele decorrente emerge como partitura estudada por duas orquestras para a apresentação de um concerto como se fossem uma. Mas não tratamos de palco nem de encenações mal treinadas por atores e atrizes ruins nos seus misteres. Tratamos de decisão sobre a vida funcional, pessoal e familiar de agentes da lei que cumpriam com os seus deveres e reagiram à injusta agressão, cuidando, inclusive, de socorrer as vítimas, e depois se apresentando à DP como manda o figurino. Só que, lá na DP, havia apenas um servidor público desidioso, “em tese”, que conduziu a ocorrência com a competência de um asno vestido de bermuda. Ou seja, não estamos diante de um processo crime, mas de uma ficção direcionada como fuzil em rajada contra policiais-militares que apenas cumpriam missão perseguindo infratores sem etiqueta indicando serem menores de idade (questão apenas de lei a determinar como menores marmanjões adolescentes). Intentam, deste modo ignominioso, matar física e moralmente três agentes públicos que apenas cumpriam com o seu dever de coibir o ilegal, e, em função disso, reagiram à injusta agressão armada. O resto é ficção mal engendrada pela malícia humana, um perigo para uma sociedade a mais e mais atingida fatalmente por “menores” como os que, desta feita, não tiveram a sorte de se tornar heróis do crime por matar PMs.

Mas as autoridades policiais civis, em concerto de vontade com os membros do Ministério Público, não inovaram em matéria de comportamento. Nietzsche (Para além do bem e do mal), ao afirmar que a “vontade não-livre” é mitologia, o filósofo desfere com a assertividade que norteia toda a sua obra filosófica:

Na vida real apenas se trata de vontade forte e de vontade fraca. Quase sempre é o sintoma de que lhe falta alguma coisa, quando um pensador, em todo “encadeamento causal”, em toda “necessidade psicológica” experimenta uma espécie de constrangimento, uma necessidade, uma obrigação, uma pressão, uma ausência de liberdade. Trata-se de verdadeira traição sentir assim – e é a própria pessoa que se trai. E mais, se bem observei, a “não-liberdade da vontade” é vista como problema sob dois prismas completamente diferentes, mas sempre de um modo profundamente pessoal: uns não querem, a todo preço, renunciar à sua “responsabilidade”, à fé em si mesmos, ao direito pessoal ao seu mérito – as raças vaidosas estão nesse conjunto –, os outros, opostamente, não querem responsabilizar-se por nada, ter culpa de nada, e procuram, impelidos por um íntimo autodesprezo, poder descarregar o fardo do seu eu seja onde for. Quando escrevem livros, estes últimos têm hoje o hábito de defender a causa dos criminosos. O seu disfarce mais conveniente é uma espécie de piedade socialista. Efetivamente, o fatalismo dos fracos de vontade embeleza-se espantosamente quando sabe apresentar-se a si mesmo como la religion de La souffrance humaine. É o seu “bom gosto”.” (Grifos do autor)


A acusação contra o tenente é a verdade caindo de ponta-cabeça e se espatifando no chão, destruída, de modo a que seus fragmentos pudessem ser juntados e reconstruídos como uma nova “verdade” (a não-verdade dos fatos, o falso indiciamento e a falsa opinião): a de que, para considerar o tenente um criminoso cruel, necessário se fazia instituir uma enormidade de fantasias, metonímias, metáforas, deste modo urdindo a ilusão desde antes combinada entre seus mentores. Grotesca ilusão, aliás, por via da qual a verdade naturalmente apresentada pelo oficial da PM não interessou nem como possibilidade a ser contestada pelos poderosos que lhe retiraram as vísceras e lhe destruíram a alma. Seus desafetos institucionais nem mesmo atuaram com o foco num dualismo para comparar um lado e outro da história, sopesando-os em isenção. Pior fizeram ignorando a produção de provas técnicas que, em tese, até poderiam ser inconvenientes ao tenente. Por que não buscaram as digitais no revólver e os resíduos de pólvora (zona de queimadura e esfumaçamento somente factíveis pelo método da parafina)? Ora, seus algozes (ou algozes da instituição PM) defenderam com falsos argumentos posteriores a intenção pré-adotada de culpar o tenente por uma desgraça da qual poderia ter-se saído vítima fatal, caso fosse ele atingido pelos tiros do revólver. Ou seus companheiros, que somente com ele contava para a reação possível nas circunstâncias em que o fato se desenrolou.



1.       Greene, Brian – O tecido do cosmo – Companhia das letras – São Paulo, 2005. Brian Greene graduou-se na Universidade Harvard e doutorou-se na Universidade de Oxford. Em 1990 tornou-se professor da faculdade de Física da Universidade de Cornell e, em 1995, recebeu o título de professor catedrático. Em 1996, transferiu-se para a Universidade Colúmbia, onde hoje é professor de física e matemática. Foi convidado para palestras em mais de 25 países e é responsável por importantes descobertas da teoria das supercordas. Seu primeiro livro, O universo elegante, foi finalista do Prêmio Pulitzer.

2.      Marcelo Gleiser, brasileiro, é Escritor (livros traduzidos: A Dança do Universo, O Fim do Céu e da Terra, e Criação Imperfeita), Professor de Filosofia Natural (Appleton) e Professor de Física e Astronomia em Dartmouth College, dentre outras atividades científicas, filosóficas e literárias que o destacam no mundo acadêmico nacional e internacional. (http://marcelogleiser.blogspot.com).


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