sexta-feira, 30 de outubro de 2015

RIO EM GUERRA – O PM, O FAVELADO, E O DIREITO À VIDA



“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)



Do G1 Rio

30/10/2015 07h27 - Atualizado em 30/10/2015 07h48 

Pai de morto após tiro equivocado no Rio não aceita desculpas de PM

Garupa da moto segurava um macaco hidráulico e PM confundiu com arma.

Coronel de batalhão admitiu que militar errou no momento da abordagem.

O pai de um dos dois rapazes morto no fim da tarde desta quinta (29) na Pavuna, Subúrbio do Rio, afirmou que não desculpa o sargento do 41º BPM (Irajá) que admitiu ter atirado de forma equivocada nos jovens.
“Um militar veio pedir desculpas em nome da equipe e eu falei: ‘Amigo, não me leve a mal não, mas eu não vou aceitar a sua desculpa’. Não vou aceitar. Ele vai voltar? A punição do seu amigo, qual vai ser? Vai ficar preso um ou dois, três quatro meses e depois?”, questionou o pai de Thiago, Gilberto Lacerda.
Em depoimento na delegacia, o sargento admitiu o erro no momento da abordagem. Testemunhas afirmaram que o garupa da moto segurava um macaco hidráulico. O policial pensou que se tratava de uma arma e atirou. O condutor perdeu o controle da direção e a moto bateu em um muro, matando os dois ocupantes.
O comandante do batalhão de Irajá, coronel Marcos Netto, admitiu que o sargento agiu de forma errada no momento da abordagem aos jovens. “Ele não deveria atirar naquele momento uma vez que ele não tinha certeza daquele cenário. A orientação é atirar somente quando houver uma identificação positiva daquilo que se deve fazer. Na dúvida, não se deve atirar”, afirmou Netto.
Para a mãe do rapaz, o militar não honrou a farda da corporação ao agir com imprudência. “Quando eles recebem, a farda deles, botam a mão na farda deles, fazendo juramento pela farda que eles vão usar, eles deveriam honrar a farda que eles usam. Mas pelo que está acontecendo, eles não estão honrando”, criticou a mãe de Thiago, Márcia Machado Guimarães.

O coronel ainda lamentou a morte dos dois jovens e destacou a coragem do PM em admitir o erro. “Gostaria de ressaltar também que identificar e decidir agir é muito difícil. Mas o sargento ao perceber que tomou uma medida equivocada, ele de imediato assumiu a sua postura e teve a coragem moral de dizer que naquele momento errou e por esse motivo foi apresentado a Delegacia de Homicídios”, afirmou o coronel.

Em nota, a Polícia Militar informou que o sargento confessou o ato e destacou que as famílias das duas vítimas receberam "solidariedade e apoio" por parte do comando do 41º BPM. O caso será investigado pela Divisão de Homicídios, que realizou a perícia no local onde os dois rapazes foram mortos.

Protesto

Um ônibus da linha 372 (Pavuna-Passeio) fui apedrejado e incendiado na Avenida Automóvel Clube após as duas mortes. Policiais militares conseguiram apagar o fogo no coletivo, que foi esvaziado antes de ser depredado por cerca de dez jovens com os rostos cobertos por camisetas.

Em nota, a Rio Ônibus manifestou "repúdio" ao ataque. Segundo um levantamento do sindicato, 19 ônibus foram queimados neste ano na cidade. "Com o ataque de hoje, cerca de 70 mil passageiros potencialmente deixarão de ser transportados durante o período de reposição. O prejuízo acumulado com os 19 ataques em 2015 já soma R$ 6,4 milhões", diz o texto.

MEU COMENTÁRIO
Como seria visto este macaco nas mãos de um carona de motocicleta, numa favela de alto risco, durante a noite?

O assunto não se resume ao fato em si numa relação simples das variáveis causa/efeito. Nem teria sido tão importante a variável interveniente, ou seja, numa relação de causa/efeito a variável causa seriam os vitimados por engano porque um deles portava uma ferramenta com características de fuzil ou metralhadora; a variável efeito seria a reação legítima e legal dos PMs, porque é comum bandidos de moto atirarem para trás quando em fuga e não havia por que esperar a concretização do risco máximo. Afinal, são muitos os exemplos de PMs mortalmente atingidos porque esperaram o bandido atirar primeiro. 

Com efeito, hoje não há como não considerar as favelas uma Zona de Guerra, que deveria desde muito tempo ser Zona Militar de Exclusão por meio do Estado de Defesa ou de Sítio. A variável interveniente estava aberrantemente presente: o jovem morto não portava arma, mas carregava um macaco hidráulico que foi tomado pela percepção policial como arma, e assim ocorreu mais uma desgraça previsível; cá entre nós, tanto pelos PMs como pelos favelados, estes, que não atentaram para o perigo de serem confundidos, o que em relação aos PMs que se confundiram se enquadra como “legítima defesa putativa”, dependente de confirmação pelo titular da opinio delicti: o Ministério Público.


Sei que alguns me irão contestar afirmando que os favelados não têm obrigação de zelar por esses detalhes. Pois eu lhes respondo que sim, eles têm, sim! Afinal, queiram ou não eles fazem parte deste cenário cotidiano de guerra, e devem se preocupar em não morrer tais como os PMs. Portanto, carregar solto nas mãos um macaco hidráulico, sentado numa motocicleta, numa área de constantes confrontos armados, é falta de precaução, sim! Por isso morreram, independentemente de os PMs serem ou não considerados culpados. Ora, que vantagem há em “morrer com razão”? E se eles fossem confundidos pelos traficantes e alcançassem o mesmo fim? Queimariam ônibus? Quantos ônibus já foram queimados em situações semelhantes? Resolveu o problema?... Ora!...


Vou então às variáveis antecedentes, sendo certo que a inexistência do Estado de Exceção Legal e as mortes constantes de PMs, por conta do poderio bélico dos traficantes em favelas, ou fora delas, vêm produzindo forte efeito psicológico nos PMs combatentes, que são mantidos pelo sistema em inferioridade de forças, tais como nos tempos românticos das patrulhas de dois homens circulando em roteiros e setores, algo inadmissível nos dias perigosos de hoje. Mas esta avaliação pelos planejadores da PMERJ, se é que existem, parece não constar em suas preocupações, pelo menos como prioridade. Portanto, o que se vê é a inferioridade de forças do aparato policial militar, mal distribuído no terreno em vista da visível superioridade de forças do aparato criminoso. 

É neste clima de incerteza absoluta que PMs são jorrados nas ruas para cuidar da “máxima frequência” de um policiamento ostensivo que já perdeu a batalha contra o crime faz tempo. Por isso os nervos policiais militares estão à flor da pele. Afinal, eles são de carne e osso, não são personagens de videogame que morrem e ressurgem com vida para um novo jogo de mentirinha. 

Não! 

Eles têm direito à vida, que é apenas UMA, e trabalham com o espírito inundado do temor da morte, que, no caso deles, é real e materializada pelos sepultamentos quase que diários de companheiros próximos. Daí é que é muito simplório alegar que tudo foi “ERRO”. Não! Não foi erro! Foi reação legítima e legal ante uma real possibilidade de ser o macaco hidráulico uma arma. Tal como aconteceu com o jovem que “portava” uma furadeira no alto de uma laje e foi fuzilado pelo BOPE (tropa treinadíssima). O Atirador de Escol a confundiu com uma Pistol Uzzi. E as variáveis antecedentes, em ambas as situações, se poderiam resumir numa só e prevalente no espírito da tropa: um compreensível medo de morrer, de tal modo que faça predominar no espírito do PM a ideia fixa de que "é melhor ser julgado por sete do que ser carregado por seis"...



2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo plenamente. Inúmeros automóveis que entram nessas zonas de risco são sumariamente fuzilados pelos facínoras que se julgam "donos do pedaço". Não é necessário colocar nada para fora do veículo que possa confundi-los e imaginarem ser uma arma, basta o automóvel não ser reconhecido como "amigo". Nessa linha de raciocínio, perguntem se os moradores dali entram sem fazer sinal algum ou avisarem com antecedência quando estão com um veículo diferente do usual. Não estou, como V. Sa., fazendo juízo de valor da ação, pois não devemos julgar sem todos os elementos, somente disponíveis em tese pelos investigadores. Entretanto, verdade seja dita, quem circula por esses lugares, infelizmente precisa desenvolver mecanismos de sobrevivência. Por minha conta, afastei-me do Rio de Janeiro por entender irreversível o processo de violência e descontrole, diante das premissas imutáveis da imbecilidade, má fé e incompetência reinantes (que fique claro, não dos policiais). Não queria viver em permanente sobressalto e contando com a sorte, isso não é racional para quem gosta da família e possui alternativa.

Anônimo disse...

Emir disse; agradeço por sua excelente intervenção, que traz à baila um exemplo contundente e corriqueiro aqui nas favelas do RJ. Se os bandidos se enganam, por que os PMs não podem se confundir ante uma situação de risco máximo? Ora, é o que eles enfrentam em favelas apinhadas de marginais armados até os dentes e capazes de usar sem pejo ou temor de punição as suas armas contra policiais! É terrível admitir, mas a realidade3 é assim: ninguém pode bobear, senão termina abatido por tiros somente porque não pode excluir de sua vida o perigo de viver ou trabalhar nesses lugares dominados pelo tráfico.