“O mundo está perigoso para se
viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e
fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)
Do G1,
em São Paulo - Rosanne D'Agostino
13/08/2015
07h56 - Atualizado em 13/08/2015 08h01
STF julga artigo da Lei de Drogas e discute se é
crime posse para usuário
Caso
é de detento condenado por porte de 3 gramas de maconha em cela.
Decisão
a ser tomada terá de ser aplicada em processos de outros tribunais.
Um ex-detento pode fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar o entendimento sobre o consumo pessoal de drogas no país.
Hoje o usuário é um criminoso, mesmo não estando sujeito à prisão. Essa conduta
está no artigo 28 da Lei de Drogas. Se o STF julgar esse artigo
inconstitucional, o porte de drogas para uso próprio deixa de ser crime. O
relator é o ministro Gilmar Mendes.
Cronologia do processo
|
---2009---
21.jul – no interior da cela 3, CDP de Diadema, é encontrado um saco plástico (trouxinha) com uma “erva verde” dentro de um marmitex. O detento Francisco Benedito de Souza assume a posse da droga para consumo próprio. 22.jul – laudo contata se tratar de 3 gramas de maconha. Souza assina termo circunstanciado pela posse da droga para consumo próprio. 24.ago – Peritos do Instituto de Criminalística de São Bernardo do Campo concluem se tratar de ‘Canabis sativa L’. 13.nov - O Ministério Público oferece denúncia contra Souza pelo art.28 da Lei 11.343/06, porte de drogas para consumo próprio. Ele vira réu em ação penal. ---2010--- 26.fev – Souza é julgado pelo crime. Em seu interrogatório, afirmou que, como nenhum dos 33 detentos manifestou ser dono da droga, ela ficou sob sua responsabilidade, dizendo que não era viciado nem usuário. As testemunhas, os dois agentes penitenciários, disseram que Souza assumiu a propriedade da droga. A juíza considerou a conduta de “ínfimo” potencial ofensivo, mas, como prevista em lei, aplicou pena de 2 meses de prestação de serviços gratuitos, com recurso em liberdade. 22.mar – O defensor público recorre da sentença alegando que porte de drogas não é crime. 5.abr – O MP dá parecer contra o recurso. 18.jun – O Colégio Recursal do Juizado Especial Cível nega o recurso. Segundo o acórdão, a lei não pune quem “usa” drogas, portanto, não houve ofensa à liberdade individual. 9.ago – chega ao STF o recurso extraordinário questionando a Lei de Drogas. 2015 O recurso no Supremo já tem diversas entidades como 'amicus curiae', ou seja, podem opinar: ONG Viva Rio, Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Conectas, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária. |
Levantamento do G1 sobre presos por tráfico mostra que, após a Lei
de Drogas, de 2006, o tráfico de entorpecentes passou a ser o crime que mais
encarcera no Brasil. Os processos também mostram prisões de usuários como traficantes
e penas de sete anos por quantidades mínimas de drogas apreendidas.
O caso julgado pelo STF é o de um presidiário que cumpria penas que
somavam mais de dez anos de prisão no CDP de Diadema e foi solto em janeiro
deste ano. A polícia encontrou 3 gramas de maconha em um marmitex em sua cela.
O preso foi condenado como usuário de drogas à prestação de serviços à
comunidade, mas sua defesa não se conformou. No recurso, seu defensor alega que
ninguém pode ser punido por ser usuário, pois o que se faz na vida privada não
afeta terceiros.
Os ministros do Supremo devem responder à seguinte questão: o usuário de
drogas afeta outras pessoas com sua conduta?
- Se sim, deve ser punido, em nome da saúde pública. É o argumento dos
que acreditam que o usuário alimenta o tráfico.
- Se não, sua vida privada não deve ser invadida pelo estado, portanto,
usar drogas não é crime.
“A maioria dos casos é assim. Quantidade muito baixa, sempre em locais
pobres, pessoas jovens, geralmente primárias. Daria para fixar a pena de 1 ano
a 8 meses. A gente está enxugando gelo”, diz o defensor público Leandro de
Castro Gomes, que apresentou o recurso extraordinário do preso ao STF.
Na verdade, essa decisão tem um caráter simbólico, para mostrar que a
gente precisa repensar a política pública em relação as drogas" (Leandro de
Castro Gomes, autor do recurso extraordinário no STF)
A palavra do STF sobre o tema
terá repercussão geral, ou seja, valerá para os casos semelhantes. Ao todo, 96
processos esperam por essa decisão final.
Mas o primeiro beneficiado
pelo futuro entendimento, se aceita a tese da Defensoria, pode sequer vir a
saber seu destino. Seu defensor mudou de cidade e perdeu contato com o
atendido. Segundo a Vara de Execuções Penais de Itu, interior paulista,
Francisco Benedito de Souza está em liberdade desde 23 de janeiro de 2015.
Ele ainda responde a
processos, mas a própria Justiça não conseguiu encontrá-lo depois que ele
deixou a prisão. Seu último endereço informado fica em Itu, onde dois oficiais
de Justiça tentaram, em vão, notificá-lo. No local, ninguém confirma conhecer
Francisco Benedito de Souza.
Julgamento
Segundo o defensor, uma decisão do STF não significa a liberação das drogas. "Se o STF entender que é inconstitucional, o tráfico continua sendo crime", explica. "O que pode acontecer são alguns efeitos reflexos. A rigor, uma pessoa poderia fazer um pequeno cultivo para o seu próprio uso. Mas vai haver uma insegurança jurídica. Porque sempre vai ficar na valoração de um policial, porque a lei não tem critérios objetivos. Então se eu tiver uma hortinha, o PM pode entender que é para o tráfico", avalia Gomes.
"Na verdade, essa
decisão tem um caráter simbólico, para mostrar que a gente precisa repensar a
política pública em relação as drogas", complementa. "Países como os
EUA, onde se iniciou esse proibicionismo, já estão tendo essa
modificação."
O que diz o art.28
- Quem adquirir,
guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre
os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
O STF já forçou mudanças na
Lei de Drogas. A liberdade provisória a presos por tráfico só foi permitida em
2012, quando a Corte, por maioria de votos, derrubou um dispositivo da lei que
impedia a concessão. “A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a
exceção à regra”, disse o então ministro Ayres Britto.
O crime continua sendo
inafiançável e sem possibilidade de sursis (suspensão condicional da pena),
graça (perdão da pena pelo presidente da República), indulto e anistia, o que
se aplica tanto ao usuário preso como ao traficante.
tópicos:
(Drauzio
Varela
DESCRIMINALIZAÇÃO
CARL HART, DROGAS E
SOCIEDADE
Tarima Nistal
Cocaína é uma droga altamente viciante. Um dos maiores
problemas dos centros urbanos do país é o consumo de crack
nas “cracolândias”. O uso de drogas é uma das principais causas do aumento
de criminalidade nas cidades. Todas essas frases parecem absolutamente corretas
e quase nunca as questionamos. Mas será que refletem mesmo a realidade? O
doutor Carl Hart, primeiro professor titular de neurociência negro da
Universidade Columbia, nos Estados Unidos, desafia o senso comum e
oferece um novo olhar sobre as drogas.
Em uma conversa com o doutor Drauzio Varella na Livraria
da Vila, zona oeste de São Paulo, no dia do lançamento de seu livro “Um Preço
Muito Alto”, Carl Hart defendeu suas ideias durante uma hora e
respondeu a perguntas da plateia. Sua obra começa com o relato de quando viu o
pai, que abusava do álcool, dar uma martelada na cabeça da sua mãe. “Não havia
crack na vida da nossa família. Essa droga só surgiria na década de 1980, e eu
nasci em 1966. Tampouco havia cocaína em pó ou heroína. Mas o álcool
decididamente fazia parte daquele caos”, explica Carl em sua publicação. O
álcool, uma droga legalizada. Segundo Hart, descriminalizar as drogas que são
hoje ilícitas não causaria danos piores do que os que já são percebidos
nas sociedades ao redor do mundo atualmente. Muito pelo contrário, poderia
contribuir para que houvesse mais igualdade social e educação nos países.
Ele acredita que as drogas não são responsáveis pela
violência urbana: têm apenas o papel de “bode expiatório” de governos que não
se comprometem com políticas sociais para combater a desigualdade social e
garantir acessos e oportunidades a seus cidadãos mais carentes. Para ele, “o
crack é o menor dos problemas na cracolândia (termo abominado por ele, aliás,
por estigmatizar determinado grupo de pessoas)”. Ao compararmos o uso de
crack nos anos 1980 e 1990 nos EUA e hoje no Brasil, vemos que na época os
norte-americanos encaravam a droga como a causa dos problemas enfrentados pelos
usuários negros. “Depois de duas décadas, ficou claro que o uso de crack era
mero sintoma de problemas maiores como dificuldades econômicas, falta de
oportunidade e de educação. O Brasil está repetindo os erros dos EUA.”
Vício
Por meio de experimentos em laboratório,
Hart chegou à conclusão de que quando são oferecidas apenas drogas a
cobaias, elas se viciam e chegam até a morrer por causa do consumo
excessivo. No entanto, quando lhes são oferecidas outras opções — uma roda
de exercícios ou um parceiro sexual receptivo, no caso dos animais, e dinheiro,
quando o experimento foi ampliado a seres humanos — elas não escolhem sempre
usar as drogas, muitas vezes preferem as outras opções. Desse modo, o professor
sugere que há como usar substâncias como crack, cocaína e maconha sem se
viciar. “A população precisa entender que apenas 20% das pessoas que
consomem drogas precisam de tratamento.” Ao ser questionado pelo doutor
Drauzio Varella como separar o vício do uso de drogas, Hart responde,
arrancando risos da plateia: “Os últimos três presidentes dos EUA admitiram ser
usuários de drogas. Nenhum deles era viciado”.
O doutor Drauzio também aborda a questão do vício em
drogas e sua relação com o ambiente em que o indivíduo está inserido. “Deixe-me
contar uma experiência. Trabalhei nos últimos anos em uma prisão feminina.
Não há mais crack nas prisões. Depois que as detentas chegam da rua, sem ter
contato com a droga, ficam dois ou três dias agitadas, mas depois se esquecem
completamente do uso. Não acredito que cocaína (que tem a mesma composição do
crack, diferindo dele apenas na forma) seja muito viciante. A droga mais
viciante é a nicotina.”
Para Carl, mitificar o vício em substâncias ilícitas
contribui para que as sociedades adotem medidas extremas e ineficientes contra
elas. Criminalizar as drogas só faz com que as pessoas com menos oportunidades
ocupem a maioria das prisões. “Delitos relacionados a drogas são a principal
razão pela qual pessoas são presas nos EUA”, diz Carl. “O mais importante
sobre essas drogas é que elas têm componentes poderosos, que devem ser tratados
com respeito. Como automóveis, por exemplo: sabemos que podemos matar pessoas
com eles e sabemos como manter as pessoas salvas deles. É assim também com as
drogas.”
E como controlar o uso dessas substâncias tão poderosas?
Além da descriminalização das drogas que são consideradas hoje ilícitas,
Hart defende a importância da educação. E dá o exemplo que segue em
casa. Quando perguntado sobre a educação que dá aos três filhos, o
professor responde: “Espero que eles façam o bem para a sociedade, que
sejam a voz para os pobres, o que significa que eles devem ir bem
nos estudos. Se algo interferir nisso, eles terão um problema comigo. Se
dirigirem muito rápido, se fizerem sexo desprotegido, se usarem drogas de uma
maneira que atrapalhe seu desempenho na escola, aí sim eles terão problema
comigo”.
Publicado em 27/05/2014)
MEU
COMENTÁRIO
Observei atentamente a entrevista que o professor Carl Hart deu ao Dr.
Drauzio Varella (esta a que me reporto em texto sucinto extraído do Google).
Convenceu-me. Seus argumentos guardam uma incrível lógica. Simples como a
fórmula da Teoria da Relatividade, a ideia de Carl Hart se encaixa numa lacuna
que carrego desde os tempos em que inutilmente enfrentei traficantes, apreendi
drogas e armas, e amarguei muitas mortes de PMs, além de ver o mesmo entre os
traficantes, geralmente jovens. Ao fim e ao cabo de tantos confrontos, que eu
cria ser a única solução para vencer o tráfico, embora eu não tenha conduzido
supostos viciados à prisão, pois a maioria se desfazia rapidamente da droga e
eu fingia não ver, concluí que nada mais fiz que enxugar gelo, engarrafar
fumaça e recolher água com peneira.
Não sei qual será a solução do STF. Mas creio já passada a hora de
afastar a hipocrisia social que defende o combate armado em favelas para
alcançar traficantes que se renovam mais rápido que erva daninha. Não adianta
prender, não adianta matar, é inútil apreender suas armas, tudo se regenera em
velocidade maior que a capacidade do Estado de erradicar o mal. Isto me leva a
Manuel López-Rey, estudioso que sempre cito no meu blog, e que depois de muito
pesquisar sobre o crime indicou ser ele um fenômeno sociopolítico, ou seja, é a
sociedade quem define o que seja crime e determina a punição. Portanto, o uso
de drogas só é criminalizado porque a sociedade quer. Mas aqui reside uma
dúvida: não sabemos qual é a opinião da sociedade, tudo se limita a opiniões
isoladas de pessoas escolhidas pela imprensa de acordo com suas oscilantes
conveniências. Por conseguinte, ninguém pode afirmar que a sociedade seja
contra ou a favor da descriminalização do uso de drogas.
Mas o professor Carl Hart em sua entrevista declarou algo interessante.
Disse que o uso de drogas deveria ser considerado um ilícito administrativo,
tal como o ilícito de trânsito, ou seja, geraria punições não criminalizadas e
obrigaria os usuários a pagar multas e a participar de programas de recuperação
tais como se faz no Brasil com as “escolinhas de trânsito” para motoristas
infratores. Com isso se evitaria abrir folha penal para usuários, dentre outros
fortes argumentos que se me encaixaram como luva e me fizeram ter a certeza de
que, como policial, no meu tempo, fazendo o mesmo que os policiais fazem hoje,
só enxuguei gelo, engarrafei fumaça e recolhi água com peneira.
Enfim, penso que o professor Carl Hart tem razão!
Nenhum comentário:
Postar um comentário