sexta-feira, 28 de agosto de 2015

DELAÇÃO PREMIADA


“Não há qualquer argumento lógico que demonstre que os integrantes do Ministério Público tenham se tornado anjos e não precisem fazer parte da mesma lógica de limitação mútua do Estado. Afinal, como afirmava Montesquieu, mesmo a virtude precisa de limites.” (Virtudes e Limites – Crônica – Fábio Kerche – Mestre em Ciência Política pela USP. Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. Jornal O Globo – Opinião – 07 de janeiro de 2003)

Solução ou problema?

“A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.” (Trasímaco)

Pra começo de conversa, não me há dúvida de que todos os presos até agora em vista da “Operação Lava-Jato” têm muita culpa no cartório e decerto amealharam um tesouro pertencente ao povo muito além dos valores por eles devolvidos em troca de benesses legais. De modo que a tal “delação premiada”, - do modo como se faz no Brasil (não cabendo comparação com os EUA e demais países civilizados), - sugere um contrato imoral entre delinquentes assumidos e autoridades públicas que não devem satisfação a ninguém a não ser a si próprias. E pior: as delações são secretas, o que encerra uma imoralidade ainda maior, já que é possível costurá-las e remendá-las à vontade antes que se tornem domínio público para serem finalmente contraditadas em esperneio inútil. Porque quando elas emergem ao mundo já estão em formato de denúncia ministerial, esta que, por sua natureza grave, produz imediato clamor público contra os delatados, não mais importando a ninguém se as graves acusações sejam falsas ou verídicas.

Ora bem, em defesa da colaboração premiada o Ex.mo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, explicou no Senado que elas são “espontâneas”, fazendo-me concluir de sua fala mais ou menos o seguinte: os advogados dos réus presos e entupidos até o gogó de broncas apresentam um script com os dados a serem delatados por seus clientes, numa espécie de “não tenho mais liberdade; só me cabe devolver uma ínfima parcela da dinheirama que roubei e denunciar a minha mãe para me livrar da Dona Justa”... Então o conteúdo do script, depois de informalmente avaliado por membros da polícia (delegados) ou do Ministério Público (promotores e procuradores de justiça), é ou não aceito. Em sendo aceito, tudo bem; não o sendo, são feitos os reajustes pelos réus e seus advogados, até que o produto final do script seja aprovado pelas autoridades policiais ou por membros do MP que comandem as ações, indo ao juiz já como produto pronto e acabado e assim é homologado o estranho concerto. Aí começam os depoimentos, com a presença dos advogados, sendo certo que o conteúdo prometido pelo delator e adrede aprovado pelas autoridades apenas é desdobrado em perguntas e respostas. Simples formalidade...

Enfim, tudo depende do tal script, e de seus informais remendos, cabendo-nos a nós, simples mortais, crer que tudo tenha sido “espontâneo” entre as partes, que não tenha havido antes nenhuma conversa paralela de pé de ouvido, e que todos, incluindo os criminosos, são “dignos cavalheiros”... Ah, prefiro crer em Papai Noel... Cá entre nós, trata-se de briga de foice no escuro, sendo certo que o delator (colaborador) realmente nada tem a perder, já está em cana e lhe espera uma pena altíssima. Portanto, ele só tem a ganhar, inclusive mantendo oculta boa parte da dinheirama escamoteada durante anos, e que por isso jamais tornará aos cofres públicos, bem como decerto omitirá alguns nomes do seu esquema para que de fora possam cuidar de seus interesses gerais e familiares. O mundo é assim...

A verdade é que mesmo que os acusadores de plantão, - que receberam excessivo poder de retaliar a partir da Constituinte de 1988 e leis seguintes, - emitam a posteriori apenas falsas opiniões, elas são geralmente aceitas pelos magistrados, eis que “juridicamente perfeitas”, espécie de injustiça que a Justiça dela não se consegue desvencilhar. Afinal, decorreram de amarras calmamente apertadas ao bel-prazer dos acusadores-negociadores, estes que vêm a público com todas as cartas nas mãos. Porque é somente a partir da denúncia formulada que a Justiça começa a correr com seus prazos, tornando-se a ampla defesa e o contraditório totalmente defasados em relação às versões ministeriais cuja qualidade literária seria capaz de convencer além-túmulo até um habilidoso Machado de Assis.

Sim, este é o resultado da imoralidade materializada secretamente por meio, muitas vezes, só de mentiras costuradas e recosturadas para ajustar fatos desconexos e torná-los harmonizados com o interesse maior da acusação (“interesse do mais forte”), que é o de ampliar o leque para alcançar possíveis comparsas. Eis então uma boa oportunidade de “plantar” alvos inocentes em meio aos demais que carregam nas algibeiras alguma culpa real. E assim inocentes são irremediavelmente assinalados como autores e culpados de crimes que não cometeram. E muitos diriam que a causa é “justa”. No fim de contas, mais vale um inocente ferrado que dez culpados livres...

Cá entre nós, não se pode considerar a delação premiada uma recaída moral dos delatores, já que eles não têm moral alguma! São imorais de nascença. E quem os ouve em negociação?... São seres acima da verdade?... Não! Claro que não! Mas, como mestres da retórica jurídica, são capazes de convencer até boi no pasto. Daí é que conseguem defender a delação premiada como se o réu premiado não recebesse tão tamanhona premiação por suas denúncias, estas, nascidas podres, mas que servem para acusar nomes inocentes e levá-los à condenação, não sem antes derrocar suas reputações por meio de eloquentes e irresistíveis denúncias, embora não contenham mais que falsas opiniões.

Ora, ora!... Tal processo de delação feita por criminosos para levar vantagem em vez de severa punição, mesmo que legalizada, é imoral. E é cruel, pois afronta os princípios mais elementares dos direitos humanos como precondição indistinta num autêntico Estado de Direito. Enfim, a delação premiada, só pelo fato de o ser, não é democrática coisa alguma nem reflete a verdade! É, sim, gerada e alimentada por emoções violentas até de pessoas lúcidas que se entregam aos sabores do “castigo-espetáculo” sem mais raciocinar.

É pena!... Pois muitas dessas pessoas lúcidas poderiam estar, como eu, questionando esse “caráter divinal” dos membros estaduais e federais do Ministério Público. Porque de “divinos” eles nada têm, o que os ampara é um poder desmedido, tal como o do lunático ditador norte-coreano Kim Jong-Un em alguns momentos. Pois é certo que muitos desses privilegiados ministeriais que acusam, e não respondem por seus excessos, se equivalem ao tirano em questão.

Não me ponho a mim aqui a defender políticos já seletivamente denunciados ou os que virão a ser atrelados a processos somente com base em delações premiadas. Não defendo políticos que se beneficiaram de propinas regulares ou de dinheiro sujo em campanha. Mas não creio que nesta danosa clePTocracia engrossada por partidos aliados, todos de esquerda, haja políticos escrupulosos e honestos. Não. Em minha opinião a maioria é desonesta, sim, e quase sempre enrica no segundo mandato, seja no Legislativo, seja no Executivo, tudo por meio de artimanhas “legais”, “declaradas ao IR”, “aprovadas em tribunais eleitorais” etc. Por isso são também todos solidários entre si, ficando a chiadeira com o grupinho de sempre que vive de fazer oposição para figurar na mídia como baluartes da moralidade. São nada!...

Eta país cínico! E o povo não vê os descarados sinais de fortuna entre políticos que antes eram assalariados e que agora compram matrizes bovinas por milhões à vista e possuem fazendas cinematográficas, além de declararem aos quatro ventos que o povão é ignaro, que não entende nada de patavina de nada, discurso a mais e mais recorrente entre os lunáticos de esquerda!... Ah, como seria fácil identificar, um por um, esses políticos, bastando segui-los por um mês para comprovar seus altíssimos padrões de vida! Mas, como dizia o poeta William Blake: “O tolo não vê a árvore que o sábio vê.”

Num caldo de cultura deste, dizer que o restante da sociedade se comporta honestamente, que suas instituições são limpas e capazes de separar o joio do trigo é realmente absurdo. Pois, na verdade, temos joio separando joio e trigo separando trigo, não sendo possível saber quem é efetivamente joio ou trigo. Predomina, sim, na nossa sociedade, a máxima do “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. E eu mais diria que ladrão que perdoa ladrão é o pior dos ladrões...

A delação premiada é contrato imoral, repiso aqui em indignação! E acontece em máximo absurdo porque é originariamente secreta, só acessível a quem se integra ao seleto grupo formado pelo acusador-negociador, pelo criminoso a ser regiamente beneficiado e por seu defensor. Mas quem garante que o negociador-acusador é dotado de irrepreensível senso moral neste antro de imorais chamado Brasil? Quem garante que conversas e acordos paralelos não se firmaram antes de a delação premiada ser gravada em papel e assinada?...

Ora, se a delação fosse pública desde o primeiro momento, dando condições aos acusados de denunciarem seus comparsas abertamente, decerto o efeito seria outro ou até nenhum, as bocas criminosas permaneceriam fechadas. Ou então as confissões poderiam ser bombásticas, desde que confirmadas com provas técnicas irrefutáveis. Mas não! O que se vê é a transformação de mentiras em verdades, ao modo de Joseph Goebells, ou seja, amadurecendo-as por meio do mistério, já assim promovendo incessante especulação midiática sobre fragmentos repassados aos profissionais da mídia pelos acusadores, tudo, claro, por baixo dos panos – o “vazamento”...

Ah, quantas vezes o ascético Ministério Público já agiu deste modo, para gáudio da mídia sensacionalista? Quem não se lembra do famigerado “I.”, criminoso do Comando Vermelho que emergiu como solução da chacina de Vigário Geral no RJ, no ano de 1993?... Mas o sucesso do MPRJ significou a desgraça de muitas pessoas inocentes, dentre as quais me incluo por me arriscar a defendê-los na contramão do poder reinante. O tempo e a verdadeira Justiça me deram a vitória, mesmo que ainda parcial, pois a ira do MPRJ, depois de tantos anos, ainda se faz presente em minha vida, porque seus membros aliados ao brizolismo e ao petismo não sabem encarar a verdade e ainda agem como o tirano supracitado...

Repito que os ladrões devem ser até fuzilados, desde que sejam ladrões. E aos delatores o prêmio deveria ser a morte rápida e uma incineração luxuosa, com as cinzas entregues à família que aplaudia seus roubos e deles desfrutava cinicamente. Mas juntos com eles (e elas) deveriam ser fuzilados muitos acusadores que roubam a reputação de inocentes, mas não são jamais acusados por seus iguais acusadores.

Ressalvo, porém, que o sentido aqui de roubar é o de praticar grandes ou pequenas imoralidades, não importando se legalizadas exatamente por alguns ladrões. Sim, ladrões sob o aspecto da leveza de suas mãos, e do veneno de suas mentes, e bocas, e penas, e da capacidade de serpentearem por corredores, e escaninhos, e gabinetes, enfim, em lugares onde a luz da verdade jamais iluminará. E dizem que isto aqui é democracia! Ora!...





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