“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa
daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de
que não viram.” (Albert Einstein)
Do G1 Rio
20/05/2015
17h44 - Atualizado em 20/05/2015 17h44
Alerj reúne entidades para discutir futuro da Maré
após saída do Exército
Reunião aberta ao público
acontece nesta quinta às 9h.
Objetivo é conversar sobre a saída das Forças Armadas.
Militares em patrulha na favelas da Maré (Foto:
Christophe Simon/AFP)
O plenário da Assembleia
Legislativa do Rio
de Janeiro, no Centro, recebe às 9h desta quinta-feira (21) representantes de 36
entidades que atuam no Conjunto de Favelas da Maré para uma reunião com o Fórum
de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo é
conversar sobre a proximidade da retirada por completo das Forças Armadas da
região, prevista para 30 de junho.
A expectativa sobre a entrada
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é grande e a reunião vai discutir o
futuro da Maré, segundo a Alerj. O encontro será aberto ao público. Presidentes
das associações de moradores e de organizações não governamentais que atuam no
complexo da Maré foram convidados.
"Nossa proposta é criar um ambiente de sinergia e convergência de ações, que envolvam a sociedade civil organizada e as universidades", explicou o presidente da Alerj e do Fórum, deputado Jorge Picciani (PMDB).
No início de abril, a Polícia
Militar do Rio de Janeiro começou a substituir os cerca de 3.300 mil homens da
Marinha e do Exército que ocupam o Conjunto de Favelas da Maré, no Subúrbio do
Rio. O processo de transição será feito em três etapas. As
comunidades da Praia de Ramos e Roquette Pinto foram as primeiras, segundo a
polícia.
A segunda etapa do processo
de transição, com a ocupação das favelas de Nova
Holanda, Parque União, Rubem Vaz e Nova Maré, aconteceu no início de
maio.
O Conjunto de Favelas da Maré tem área
de 7 km², às margens da Baía da Guanabara, e abriga cerca de 140 mil
habitantes. O complexo é formado pelas favelas: Praia de Ramos, Parque Roquete
Pinto, Parque União, Parque Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Conjunto
Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Vila dos
Pinheiros, Conjunto Pinheiros, Conjunto Novo Pinheiro – Salsa & Merengue,
Vila do João e Conjunto Esperança.
MEU COMENTÁRIO
A PREVENÇÃO E A REPRESSÃO
AO CRIME EM FAVELAS DOMINADAS PELO TRÁFICO
Tema vasto, complexo
e profundo, merece ser repisado. E é só o começo, muita água fervente vai rolar
na Favela da Maré sintetizando tudo. Mas, desta vez, devo-me ater ao conceito entes
de comentar o assunto – tão delicado que talvez se torne o maior desafio da
PMERJ nos tempos atuais. E, mesmo respeitando as discordâncias, alerto os
leitores que escrevo baseado em minha vivência. Sobre a importância da vivência,
escudo-me no professor da Universidade de Madrid, Manuel Garcia Morente
(1886-1942), que assim se lhe referiu em sua obra Fundamentos de Filosofia, citando Bergson:
“Uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de
Paris; estudá-lo muito bem; observar, um por um, os diferentes nomes das ruas;
estudar suas direções; depois, pode estudar os monumentos que há em cada rua;
pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries das
fotografias do Museu de Lourdes; (...) Pode chegar, dessa maneira, a ter uma
ideia bastante clara, muito clara, claríssima, pormenorizadíssima, de Paris;
(...) Mas sempre será uma simples ideia. Ao contrário, vinte minutos de passeio
a pé por Paris são uma vivência.”
Mas vamos por hora à
ideia, com o foco em Paulo Bonavides (distinguindo sociedade e comunidade),
para depois externarmos nosso pensamento com base na vivência que tivemos como
oficial PM, em especial como comandante de Unidade Operacional da PMERJ
enfrentando o narcotráfico em favelas da Zona Norte do Rio.
Arrisco-me, então, a
afirmar que sociedade é conglomerado humano a viver sob a égide da formalidade.
Já comunidade é agrupamento humano predominantemente orgânico, podendo existir
num mesmo espaço ocupado pela sociedade, – em bolsões que todos conhecemos, – ou
existir isolado na selva (comunidades indígenas), mantendo cultura singular. No
primeiro caso, não se há de negar que existam fronteiras entre esses agrupamentos
populacionais pauperizados. Existem, sim, mas a cultura costuma ser a mesma (a da
solidariedade até meio instintiva de tão emocional), e as divergências, poucas
e raras.
Entre algumas comunidades
existentes no ambiente social urbano essas fronteiras são visíveis. Já em
outras, porém, são quase virtuais. Cito, dentre muitos complexos favelados, o
de Acari, composto pelas comunidades denominadas Amarelinho, Parque Acari,
Coroado e Vila Esperança, bastando o favelado pular uma vala para fincar o pé no
ambiente vizinho ou conjeturar uma invisível fronteira por tê-la adrede introjetada
em seu espírito.
Sim, é incrível como
uma comunidade se mantém separada da outra, tendo cada qual sua estrutura
(Associação de Moradores) e seus líderes, porém vivenciando uma cultura nem tão
diversa das comunidades que lhe são próximas. Por outro lado, é possível notar o
orgulho dos favelados por sua específica comunidade, assim reforçando, por
contágio, um forte sentimento coletivo, o que se dá até por necessidade de
sobrevivência.
O sistema criminoso
do tráfico, em virtude deste sentimento, mistura-se à tessitura favelada como
legítima parte. E ainda pelo mesmo motivo é capaz de interagir com outros subsistemas
criminosos independentes, mas de facção comum: quadrilhas especializadas em
sequestro, em roubo de instituições financeiras e demais modalidades de crime,
incluindo os de sangue. Há, porém, de se considerar como possibilidade os eventuais
pactos entre desafetos. Situação rara, sim, mas acontece: a imperiosa
necessidade de sobrevivência às vezes dita esta inusitada regra...
E mais incrível: há comunidades
fronteiriças, em vista de uma linha imaginária, mas abrigando grupos criminosos
desafetos, como acontece em Vigário Geral (CV) e Parada de Lucas (TC), situadas
na Zona Norte do Rio. Lá funciona uma hostil relação entre os respectivos grupos
criminosos, – como espécie de “guerra fria”, – afetando inclusive a interação
entre os favelados residentes nas duas comunidades, que seguem a tendência dos
bandos e se hostilizam tanto de modo velado como violentamente. Mesmo assim, no
âmbito geral do ambiente social, em especial do lado de fora das favelas, há o
império da solidariedade desses socialmente excluídos. E todos se unem, e em
muitas situações reagem unidas aos métodos de controle impostos pela sociedade
através dos mecanismos estatais que a servem, sublinhando-se a polícia. Daí é
que, dentre muitos outros motivos, a relação sociedade-comunidade é inevitavelmente
dicotômica, e a relação de comunidades com a polícia tende a ser hostil e em
via de mão dupla... É tudo fruto de invencível cultura que vem dos tempos da
Casa Grande e da Senzala.
Nesses hodiernos ambientes
sociais comunitários proliferou-se o tráfico de drogas no atacado e no varejo,
com quadrilhas armadas mantendo poderosas organizações informais, capazes de
fazer inveja a muitas empresas do asfalto. Essas organizações criminosas
atendem a todos os princípios administrativos (vide Idalberto Chiavenato in Teoria Geral da Administração). Possuem
estrutura, pessoas treinadas, tecnologia
sofisticada, ambiente de ação, tarefas hierarquizadas e competitividade comercial, além de
belicosa, claro, pois são inevitáveis os confrontos bélicos entre eles, – em
padrões até além dos reconhecidos pela ONU, – visando à conquista de novos
pontos de venda de drogas. Ou contra a polícia em suas aleatórias incursões, ou
por ordem de cima ou por vício, ou por ambos os motivos em concomitância
determinada por invencível cultura institucional...
Enfim, essas
organizações criminosas são autênticas “empresas”, que administram seus
produtos desdobrando-os meticulosamente no varejo, ainda mantendo quantidades
maiores para servir a outras comunidades no atacado. Ou seja, – e em outras
palavras, – o traficante-mor é o dono da “empresa”, num sistema de hierarquia
piramidal sem muitos andares, o que lhe garante, em comando firme e liderança
indiscutível, a eficiência
(estrutural), a eficácia (resultados
ótimos) e a efetividade dos seus
negócios (aplauso dos viciados-clientes).
E se não bastasse
tudo isto a facilitar a vida do traficante, a cultura favelada abomina a
formalidade imposta pela sociedade em forma de preconceitos e discriminações. É
também uma cultura avessa ao Estado, este que se impõe pela força bruta da
polícia a atender às pressões veladas ou ostensivas do asfalto rico.
Paradoxalmente, a favela supre-o com uma gama de serviços (frentistas,
motoboys, faxineiros, porteiros, lixeiros, babás, cozinheiras, copeiras,
faxineiras etc.). Salvo exceções, boa parte desta relação entre o asfalto e a
favela se dá em humilhante servidão, malgrado o avanço dos direitos sociais nos
dias de hoje. Porque muitos societários apenas fingem boa intenção,
principalmente em engodos televisivos e jornalísticos, generalizando a falsa
impressão de que sociedade e comunidade se entendem às mil maravilhas no seu
cotidiano. Não mesmo!...
Curioso é que o
mercado de trabalho destinado a muitos rotos e esfarrapados inclui tarefas que
lhes dão razoável parcela de poder no asfalto. É o caso da PMERJ, organização
estadual militarizada, de tamanho monumental, que tem como base de sustentação enorme
quantidade de gentes massificadas e mal remuneradas, além de pouco treinadas,
ou mesmo destreinadas, em detrimento da qualidade que caracteriza um seleto grupo
profissional militar ou civil. Vale o exemplo para outras categorias
sustentadas pelo Estado, mas estas não vêm ao caso, pois especificamente nos
interessa, no âmbito da cultura do PM, demonstrar a inviabilidade da boa
convivência entre sociedade e comunidade, entre o asfalto e a favela, e, enfim,
entre o PM e o favelado.
Porque é estranho o comportamento
do PM, geralmente nascido em comunidade ou em sua periferia, mas que, depois da
“lavagem cerebral” na formação, – tal como denuncio no “O Espião” (vide texto
no site www.emirlarangeira.com.br), – ele se torna desafeto de seus iguais ou
semelhantes. Digo-o, todavia, com uma ponta de ironia, pois na periferia das
favelas, situada no asfalto dos bairros simples, há também o que conhecemos por
“bairrismo”, modo de as pessoas se situarem como não-faveladas (gostem ou não,
“favelado” é pejorativo). Mas não significa que assim, ignorando seus iguais,
os “bairristas” consigam interagir com os nascidos e criados em nichos abastados,
embora estes sejam também “periféricos” em relação a muitas favelas que
teimosamente se enfiaram entre eles nos morros da zona chique.
Que incômodo, hein?...
Não foi possível aos endinheirados afastar os pobres do seu entorno. Até que
tentaram muitas vezes fazê-lo, sim, mas as fortes pressões dos esfarrapados não
lhes permitiram lograr êxito. Sim, sim, todas as tentativas estatais, – por
ordem societária, de desfavelar os morros da zona chique, – falharam ao longo
dos anos. Porque, teimosos, os favelados foram montando barracos e construções
improvisadas em alvenaria; e, demonstrando mais fertilidade que a elite, fizeram
aumentar o contingente pauperizado onde antes havia a esplendorosa Mata
Atlântica. Aliás, “salvar o meio ambiente” foi um dos derrotados motes de
muitas ações societárias no sentido de eliminar de suas vistas a miséria
comunitária.
Muito bem, “o que
não tem remédio remediado está”... Então o jeito é usar a polícia contra os
“invasores” para “pacificá-los”, quase que em reedição das Cruzadas para
doutrinar os ímpios, não sem eliminar os recalcitrantes... Afinal, quem manda
no Estado é o capital, e, por via de consequência, quem manda na polícia (braço
de força do Estado) é a sociedade formal, com suas leis e regras feitas ao
largo da aprovação favelada. Na verdade, uma contradição, já que favelados votam
e elegem representantes que não moram em suas comunidades, mas em bairros
chiques, e que de rotos ou esfarrapados não têm nada, apenas põem a eloquência
a serviço de seus próprios interesses. E os pobres diabos creem nos discursos dessas
pessoas instaladas na política, – cuidando zelosamente de si mesmas, – enquanto
amargam a vida desgraçada de sempre, para, ao fim e ao cabo, morrerem a tiros
no fogo cruzado entre policiais e traficantes, ou entre traficantes disputando
territórios, todos nascidos em favelas ou nas periferias delas, com a sociedade
de confortável espectadora, tal como se apreciasse peixinhos dourados num
aquário de cristal.
Eis a situação geral
do Brasil, com pequenas distorções de tempo, modo e lugar, mas que, no fundo,
se iguala e se acirra nos grandes conglomerados urbanos societários e
comunitários. Eis, enfim, a situação no RJ, mormente na Capital, e, por fim, nas
favelas situadas neste ambiente sobremodo conturbado por concentrar a maior
população do Estado. Eis então o que se vê na Favela da Maré, onde rotos
fardados de verde-oliva são gradativamente substituídos por esfarrapados fardados
de azul, com seus iguais ou semelhantes favelados a receberem o mesmo impacto
dos confrontos bélicos num quadro caótico de morte: de bandidos, de policiais e
de moradores. Enfim, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”...
Não sei qual terá
sido o desfecho do seminário promovido pela ALERJ em vista desta troca “de meia
dúzia por três” na Favela da Maré. Sim, porque sai um contingente maior para
entrar um menor, talvez metade, numa avaliação forçadamente otimista. Isto num
lugar de 140 mil habitantes imprensados como sardinhas em 7 Km2...
Pelo visto, a mídia
não deu muita bola a esta inusitada articulação política que atraiu para o
asfalto um problema amargamente vivenciado na favela. Por isso imagino que,
entre copos d’água, biscoitos e cafezinhos, não se chegou a conclusão alguma, e
apenas deve ter reforçado a ideia de que o problema não tem solução, nem com
UPP, nem sem UPP, nem com Forças Armadas, nem sem elas. Teria solução, sim, se
não houvesse os bandidos armados de fuzis, se não houvesse o intenso e
lucrativo tráfico de drogas que cresce como câncer em metástase em todo o
Brasil e, claro, é pujante nas favelas do RJ. Teria solução, sim, se houvesse
PAZ.
Mas, como?... Com
mais batalhas armadas? Com mais proibição do direito de ir e vir? Com mais
rotos fardados apontando fuzis para civis esfarrapados sem saber se são ou não
merecedores do gesto?... Com mais tropas cercando e controlando a população
favelada como fez o exército francês na Argélia?... Ou será que pondo na testa
de cada favelado sua condição de bandido ou não bandido?... Como?... Ou será
que se deve liberar geral o uso e a venda de drogas em farmácias para encalhar
o manancial do traficante?... Mas, e ele, o traficante? Que fará para suprir a
lacuna? Vai assaltar? Vai sequestrar?... Tornar-se-á um “digno trabalhador”,
para o bem de todos e felicidade geral da nação?...
Ora bem, se os
ilustres deputados, mesmo distantes das favelas, encontrarem saída para tão
cruciante problema, merecerão os louros da genialidade de um Albert Eisntein. Ironias
à parte, devo pensar positivamente, pois pode ser que deste seminário surjam boas
ideias e estimule a realização de outros, até que algumas soluções se tornem
viáveis aos favelados. Porque uma coisa é certa: sem diálogo franco jamais
haverá solução possível que não seja a dos confrontos armados e das mortes se
somando ao monturo de sempre desde o Brasil colônia: poucas lápides de granito
em túmulos estilizados e muitas covas rasas, não ao lado de túmulos chiques,
pois a distinção entre rotos e chiques vence a vida e se mantém inalterada nos
cemitérios. Exceto dentro da terra fria que abriga a igualdade dos restos
mortais a caminho do inexorável pó, não se sabendo o destino das almas... Que
fique a salvação, então, com os que professam sinceramente a fé e não com os
que a fingem confessar! E, nesta, sou pela sinceridade dos rotos e dos
esfarrapados bem mais que dos abastados. Ou seria o inverso?... Hum... Não
sei... No fim de contas, há muitas gentes desta viciosa roda de negociações a
merecerem o inferno, risco que eu também corro... E você?...
Um comentário:
Bom dia Cel Larangeira.
O senhor perguntou, vou responder.
A minha consciência me diz que já paguei os meus pecados e não mereço esse inferno, mas como não entendo neres de justiça, nem terrena nem divina, talvez eu faça um estágio por lá. Lá gostaria de encontrar com meus algozes que provavelmente para lá também irão e melhor que eu, eles sabem o motivo.
Nesse inferno não haverá cela especial, ficaremos todos juntos, patrões e empregados, soldados e generais, mendigos e magnatas, daí concluo que a justiça do inferno é mais correta que a terrena.
Também acredito que quem tem o dever de amenizar o sofrimento do povo e não o faz terá sua pena agravada, assim como os canalhas e os déspotas.
Com meu respeito e admiração. Um afetuoso abraço. Paulo Xavier.
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