“O mundo está perigoso para se viver! Não
por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de
conta de que não viram.” (Albert Einstein)
Aos jovens cadetes e oficiais da PMERJ
Venho tentando nesta sequência de mesmo título enfocar
temas vinculados aos antigos óbices que ainda hoje atormentam a cultura
operacional da PMERJ e resultam discutíveis ações nas ruas. Preocupa-me tal
situação, que não se refere à atual administração, mas a um conjunto de fatores
que se reportam à transferência da PMDF para Brasília e à concomitante criação
da PMEG (1960); após veio Fusão da PMEG com a PMRJ (1975), emergindo daí a
PMERJ.
Mais adiante se inicia o período brizolista, quando
então o ilustre exilado, vencendo as eleições no novo RJ (1982), assume o
mandato em 1983 e logo inova ao questionar a atuação da polícia nas favelas do
Rio de Janeiro. E institui proibições endereçadas a uma polícia que até então
cuidava de todos os supostos criminosos como “inimigos internos”, sem muita
preocupação de ser seu alvo o cidadão ordeiro ou o bandido, especialmente nas
favelas do Grande Rio, onde o tráfico florescia em pujança acompanhando a
tendência mundial.
Razões políticas à parte, o somatório dos óbices passa
pelos integrantes da corporação desde 1960. E em virtude das impactantes
mudanças conjunturais e estruturais do lado de fora, não houve do lado de
dentro clima organizacional compatível com a importância da missão
constitucional da PMERJ. Na verdade, todos sonhavam com o comando próprio e as
acirradas disputas morreram na praia: tão logo Brizola assumiu o governo nomeou
para o comando-geral um coronel PM que já militava como Chefe do EM: Coronel PM
Carlos Magno Nazareth Cerqueira. Bingoooô! Disputa encerrada, o mais antigo do
QE saíra em vantagem na corrida do ouro representado pelo poder interno.
Nova fase, nada de Exército sentado no trono, que já
era todo azul: Canção do PM virando hino da PMERJ, farda azul, aniversário em
13 de maio com direito a “Semana da PM” e muitas comemorações desdobradas em
dias seguidos, um festão, com a PMDF lá de Brasília assistindo em espanto a
usurpação, aquecendo a disputa pelo empalhado herói Bruto, cão que seguiu com o
31º de Voluntário da Pátria da Guerra do Paraguai, paternidade histórica
assumida pela PMDF e pela PMEG em briga de foice, enquanto o eternizado cão
pacientemente espera no Museu da PM no Rio, de onde os PMDF não coseguiram
retirar absolutamente nada e ninguém vai lá ver nada também. Nem PMERJ, nem
PMRJ, nem PMEG e menos ainda a PMDF...
Assim se esqueceram do 12º de Voluntários da Pátria,
que recebera a alcunha de “Treme-Terra” em virtude de participação heroica dos
seus homens na mesma guerra, e que somava honras de herói na figura histórica
do Sargento Pardal, que morreu crivado de balas sem largar a Bandeira
Centenária, símbolo maior da participação da PMRJ em muitas batalhas contra o
exército paraguaio.
Sim, na PMRJ havia o Hino com “H” maiúsculo e muitas
tradições, todas sepultadas pelos “Azulões” desde o primeiro momento da Fusão, que
os oficiais “Treme-Terra” (alguns coronéis do Q3 mais antigos que os do QE)
assistiram da “Geral do Maracanã” em meio ao povoléu fluminense.
Não sei se o apodo “azulão” é obra de “Treme-Terra”,
mas garanto que foram eles, “Azulões”, os inventores do apodo “João-de-barro”
em alusão à farda bege logo descartada como uniforme oficial da nova PMERJ, não
por decisão direta dos “Azulôes”, mas por influência deles junto aos
verde-olivas que permaneciam ainda sentados no “trono azul” do “palácio”
situado na Rua Evaristo da Veiga, 78 – o
QG da PMDF, depois da PMEG, e finalmente da PMERJ.
A princípio, tudo isto parece insignificante, mas as unilaterais
intervenções do QE ainda sob o comando do Exército, logo abraçada pelo pessoal
da PMEG (Q2), jogou para escanteio a antiga PMRJ, e juntos foram à cova rasa
seus anseios e valores que remontam a 1835. Ora, quem conhece o militarismo
sabe que não se enterram tradições históricas como se fossem nada. Mas foi o que
fizeram, e por reação dos “Treme-Terra” houve o consolo de eles festejarem a
data de criação da PMRJ (14 de abril de 1835) no seu antigo QG, sediado em
Niterói, município que perdera o status de capital com a Fusão. A permissão, dada
de má vontade, veio do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira depois de muita
pressão dos “Treme-Terra”. Na verdade, apenas migalhas, mais velório e
enterramento que festejos aniversários...
Este era o clima organizacional quando Brizola assumiu
seu primeiro período de governo e nomeou como Secretário de Estado de Polícia
Militar o supracitado coronel do QE, que, por óbvio, comungava a mesma aversão
implícita aos “Treme-Terra”, situação psicossocial grave, porém jamais assumida
por nenhum dos lados em dissensão fortíssima, que somente será sepultada quando
não mais existirem no mundo os “Azulões” do QE e do Q2 e os “Joões-de-barro” do
Q3. Aí sim, a nova PMERJ pertencerá tão-somente aos oficiais formados a partir sua
da criação (1975). Pois é certo que nem a inatividade sepultará o cisma entre “Azulões”
e “Treme-Terra”. Só a morte!
Não pretendo aqui afirmar que não existam de parte a
parte grandes amizades entre as pessoas dessas conflitantes origens
institucionais. Talvez até as amizades forjadas intramuros é que amainaram a
aberrante aglutinação de vinagre de álcool (“Azulões”) e vinagre de vinho
(“Treme-Terra”), ou vice-versa, o que permitiu à PMERJ seguir em frente, porém
do modo como todo mundo sabe: ineficiente e ineficaz ante o crime em vista do
seu paquidérmico modelo estrutural, que não evoluiu, as brigas internas não deixaram.
Apenas para que o leitor entenda, o vocábulo
“Treme-Terra” não é pejorativo. Funciona como “nome de família”. Diferente de
“Azulões”, que se pluraliza por ser mangação da formiga ao elefante, tal como
sua contrapartida “Joões-de-barro”. Ponho aqui porque tudo é história. Afinal,
como diz o humorista da Praça É Nossa, Paulinho Gogó: “Quem não tem nada pra
fazer conta história”.
Num cenário interno e externo tão conturbado, nunca a
PMERJ oscilou tanto. Porque sem a decisão serena e isenta das PESSOAS não
haveria de haver ações impessoais, eis que contaminadas por rixas profundas em
virtude de disputas pelo poder interno. E sem a união das PESSOAS por laços
culturais comuns, todas as demais variáveis da organização seguem em processo
entrópico, destacando-se entre elas, como manda a boa Teoria da Administração:
1) ESTRUTURA: mantém-se deteriorada, sem norte, e
descambando para um perigoso “militarismo” calcado no desrespeito às normas de
hierarquia e disciplina, tanto de cima para baixo (predominante) como de baixo
para cima (ruptura cada vez mais abissal dos sinais de respeito que deveriam
primar uma relação normal entre superiores e subordinados);
2) TAREFAS: encontram-se emperradas e aleatórias, com
excesso de rigor disciplinar a tentar superar os improvisos;
3) AMBIENTE: demonstra-se sobremodo incerto e
turbulento em virtude do mando que vem de fora bagunçado as normas já
estraçalhadas internamente;
4) TECNOLOGIA: espantosamente estagnada nos seus
aspectos operacionais mais corriqueiros;
5) COMPETITIVIDADE; poder-se-ia resumir ao fato de
que, por conta principalmente da má atuação da PMERJ (o RJ é a mais forte caixa
de ressonância nacional), correm no Congresso Nacional muitas Propostas de
Emenda Constitucional (PECs) extinguindo as Polícias Militares pátrias, não se
conhecendo qual será o desfecho.
Entendo assim:
Qualquer que seja o comandante-geral, ele deve em
humildade admitir os óbices para tentar sensibilizar seus pares e subordinados
e os dirigentes políticos no sentido de interromper a entropia em curso. E se
não houver a possibilidade de contar com a turma de fora, eis que contaminada
por ideias progressistas de natureza crítica, a PMERJ deverá se unir ainda mais
para pressioná-la de dentro para fora, o que ela pode fazer em vista da
realidade de que o paquiderme é lento e desengonçado, mas se emperrar não
haverá quem o mova.
Aqui devo lembrar que não se conhece o tamanho do
efetivo que está fora de quartéis servido de “Bombril” em tudo que é canto
possível, no Estado e nos Municípios. Diagnosticar tal situação é fundamental,
não para retaliar, mas para servir de barganha, o que a corporação não costuma
fazer por ser assumidamente servil aos de fora.
Como eu disse, mas repiso por ser cruciante a situação,
todas as rupturas e fusões, se ocorreram dentro da legalidade, não foram
legitimadas pelas populações da antiga GB e do antigo RJ nem pelos integrantes
das antigas instituições (civis e militares), que tiveram de empurrar goela
abaixo as ordens de cima, que, no caso da PMERJ, sempre funcionam, mesmo que
mal, em virtude do rigor disciplinar a produzir conformismo.
Supor que desta celeuma resulte boa coisa é insistir
no erro. Porque até agora não resultou mais que profundo divisionismo gerador
de hostilidades visíveis e invisíveis, todas com forte impacto no novo RJ, que
nasceu alquebrado pela ilegitimidade e permanece ante um futuro incógnito. Sim,
é impossível esperar resultados atraentes depois dessas pesadas turbulências
ambientais envolvendo inclusive a mudança de eixo do poder político.
Só como exemplo, a Câmara dos Deputados da antiga
capital – Niterói – tornou-se Câmara dos Vereadores, e muitas instituições do
RJ foram extintas. Cá entre nós, o baque foi forte demais! E sua absorção
levará mais tempo que o já escorrido. As duplicadas estruturas englobadas à
força do muque não se aceitaram em natural encaixe, que se resumiria em igualar
a legitimidade que não houve à questionável legalidade. Ora, a Fusão jamais
ocorreu além da matéria e jamais alcançará positivamente os espíritos
maltratados pelo ditatorial ato administrativo e político!
Baque maior, todavia, se deu no exercício da
função-síntese do Estado, que, doutrinariamente, é a de prestar segurança para
que o desenvolvimento se faça presente. Isto não ocorreu, os recursos
financeiros para sustentar a Fusão não atravessaram a Ponte Rio-Niterói, nem
para um lado nem para o outro. Mas diriam alguns otimistas que a ponte em
questão cumpriu sua finalidade de levar e trazer progresso, e nesta principal
carruagem econômica estariam os volumosos empreendimentos estatais prometidos
pela União. Não estavam nem estão em carruagem alguma, cada lado teve de se
ajustar à realidade da carência de recursos, cruel situação que empobreceu o novo
RJ.
Muitos anos já se passaram, mas o divisionismo
permanece vivo. Nenhum dos povos cariocas e fluminenses engoliu a Fusão. As
pessoas antigas, misturadas em carcomidas estruturas estaduais, somente
esperaram o tempo passar. E saíram do cenário dando lugar aos novos em todos os
setores de funcionamento do RJ. Mas o cabo de força continua puxado por fortes
braços dos dois lados, para ver quem cairá primeiro na baía de Guanabara e se
afogará.
Sim, exagero na retórica para que essas pessoas de lá
e de cá se situem e me desmintam dizendo que não existe mais contendas. Não valem
opiniões de gentes comprometidas com o poder reinante e com interesses
inconfessáveis. Vale somente a opinião isenta dos cidadãos que continuam
cariocas num dos lados da baía, enquanto do outro lado todos são fluminenses.
Enfim, cada qual mantém no espírito o culto às suas verdadeiras origens, aos
seus reais anseios e valores, porém atropelados por uma decisão ditatorial sem
sentido.
No caso específico da PMERJ, reitero em insistência, também
não houve Fusão! Não existe PMERJ a não ser para quem nela ingressou a partir
de 1975! Porque os remanescentes da PMDF e da PMEG jamais formaram um só corpo
de tropa. Menos ainda aceitaram como parte de seu inexistente corpo os “Treme-Terra”,
cujo corpo perene é a PMRJ. Daí continuar vivo o imbróglio, porque o poder
reinante insiste na unidade de uma estrutura que jamais será unida. Caberia
então ao atual Q1 desvelar os caminhos para constituir um novo corpo de tropa
representativo da atual PMERJ. Para tanto, porém, os atuais gestores do Q1 teriam
de assumir como dado histórico relevante a Fusão dos Estados da Guanabara e do
Rio de Janeiro (1975). Cá entre nós, decisão difícil, senão impossível, não
houve história, a data não é alvissareira...
Que fazer então?...
Não sei. Só sei que o Q1 começou muito mal, retaliando
seus próprios pares em incrível autofagia e reestimulando fricções nascidas na
Academia Dom João VI. Deste modo desagradável o Q1 iniciou sua gestão da PMERJ.
Mas os primeiros comandantes romperam marcha em passo trocado, e continuam
tropeçando em erros não apenas consequentes dos óbices passados, muitos dos
quais intransponíveis, mas inaugurando seus próprios óbices. Quanto ao caos
passado, vencê-los é bobagem. Porém com a nova fornada do Q1 ainda não houve
vitória.
Talvez porque incidam no erro de abraçar história
alheia, que viajou para Brasília e deixou o Estado da Guanabara sem história.
Porque a PMDF, esta sim, é a original, e apenas mudou de lugar, tal como um
corpo de tropa que vai à guerra e permanece ocupando o território conquistado,
porém sem abandonar suas origens. A origem nunca festejada pela extinta PMEG é
a data de 21 de abril de 1960. Bela data, por sinal, Dia de Tiradentes, mas não
interessou à corporação parida a ferros assumi-la. E também a atual PMERJ não
tem história nem hino, não tem nada a cultuar, o que no militarismo, sempre forjado
em lutas e heroísmo, é péssimo.
Pode parecer bobagem, mas a história inicial do Q1 se
resume à aposta na retaliação dos seus companheiros mais antigos, só por serem
mais antigos ou por rixas trazidas dos bancos da Academia Dom João VI. Apostam também
nas oscilantes UPPs, porém tudo envolto em escândalos recentes e desmoralizadores
em todos os sentidos.
Ora, não será o ufanismo fanfarrão de alguns novos, –
agarrados aos seus brevês por terem comido comida jogada ao chão, tais como se
alimentam os animais, sem espaço para o intelecto, – não será este ufanismo
fanfarrão capaz de construir uma nova história ou reconstruí-la a partir dos
escombros que aqui tento descortinar.
Para construir ou reconstruir, terão, sim, de assumir
seus escombros decorrentes do fracasso de comandos anteriores exercitados pelo próprio
Q1. Melhor então reconstruir tudo a partir do nada, do presente, instituindo um
modelo estrutural vencedor.
Isto é possível, nem tudo está perdido, há muitas
gentes competentes no Q1. Mas para vencerem os óbices eles devem resgatar a
impessoalidade estatutária, reestabelecer a hierarquia e a disciplina a partir
da elementar continência do subordinado ao seu superior, ativo ou inativo, e sobretudo
descartar emoções externadas a partir de histórias alheias.
Sim, renovar é preciso, sim!
E talvez a palavra mágica seja a renovação: dos
conceitos, da doutrina, da cultura, pondo no museu todo o lixo institucional
que hoje forma um monturo espantosamente fedorento, momento em que faço a minha
mea culpa porque também sou parte
dele.
Sim, é preciso zerar tudo, e deste simbólico zero
renovar a cultura a partir da Academia Dom João VI, ou seja, por meio dos
jovens que lá estão e que não mais devem ser contaminados, via instrutores e
professores, pelos males acumulados, em
especial os creditados na conta do Q1.
Sim, sim, deve ser assim! Pois nem todos do Q1 ainda
em atividade contribuíram para o crescimento desordenado do monturo. Muitos
estão em condições de retomar as rédeas da união corporativa, respeitando
principalmente os ensinamentos estatutários, hierárquicos e disciplinares, pondo
as leis acima das desavenças pessoais, o que é imperativo a todo militar
estadual.
Com efeito, devem plantar lírios sobre o monturo. Porque
se mantiverem o fígado na dianteira da razão o caos é certo!
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