terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Reflexão de Carnaval






Justiça versus Vingança

                                   Ou
Justiça = Vingança?

                                                                                             Ou
Justiça < Vingança?


Neste mundo de sim e não, e nesta pausa de Carnaval, me veio a ideia de escrever sobre a Justiça e a Vingança como dois pratos de uma só balança. Porque sim, andam juntas, como irmãs siamesas, desde os remotos tempos da Inquisição. Por conseguinte, imaginar esta balança como sepultada no tempo e no modo pesar é ledo engano. Afinal, o ser humano que habita o planeta é o mesmo de outrora e carrega no DNA os mesmos males, só que mais acumulados e dissimulados que antes... Um deles é a vontade de violência, diferente da agressividade dos animais, que a usam na medida certa da sobrevivência. Sim, a violência é inerente ao ser humano, e se poderia definir como incontrolável vontade de praticar a crueldade somente pelo prazer de ser cruel.

Por uma questão de estereótipo atávico, a crueldade, que é arma da Vingança, resiste às gerações e se oculta na capa da Justiça. Ou então se assume em sua forma original, como assistimos mundo afora nos dias de hoje. Sim, a crueldade não é característica somente de marginais da lei. Há até os que fingem não praticá-la, mas ela é vista em trotes universitários, em bullying nas escolas, no amarrar da lata ao rabo do cão, e por aí seguem os maus exemplos cujo extremo é a decapitação em massa de seres humanos por jihadistas. Tudo pelo mórbido prazer do ser cruento por ver seu semelhante sofrer física ou psicologicamente e reverberar seu sofrimento além do horizonte planetário. E se o ser humano é capaz de maltratar apenas para dar asas à sua maldade intrínseca, é possível supor que o faça dissimulando a Vingança em exercício solene da Justiça.

O sentido de Justiça neste raciocínio, por enquanto, é amplo e profundo, não se prende ao poder judiciário e ministerial nem ao exercício da capacidade punitiva do Estado em sua função síntese de “protetor” da sociedade. Entenda-se como Estado a ação de seus representantes em todos os domínios da Administração Pública, e poderíamos generalizar denominando-os Agentes Públicos. Daí o Guarda de Trânsito que multa o transeunte ser tão Agente Público quanto o Juiz que amanhã o condenará por seus excessos, mesmo que invisíveis e incomprovados. Pois é natural que a crueldade enverede para a subjetividade que habita o íntimo de cada ser humano, de modo que não é fácil perceber nem de lupa um sujeito cruel (Guarda ou Juiz) antes de seu ato ganhar visibilidade. Ocorre que entre o visível e o invisível, se postos ambos num continuum, há uma distância que não se mede nem por anos-luz.

Ganha com esta frágil condição humana a Vingança, e perde a Justiça, pois, em razão da segunda, a primeira é aplicada sem que haja a percepção de que tenha sido. Sim, é este o dia a dia de uma convivência humana forjada em castas, preconceitos, estereótipos, discriminações, segregações e semelhantes, campo ideal para florirem os aristocratas que detêm a “verdade” em todos os sentidos que o dinheiro e o poder lhes propicia, e campo péssimo aos plebeus, que são tendentes à “mentira” na sua origem de ralé, embora em muitas ocasiões sejam os únicos verdadeiros. Mas a condição social conspira sempre a favor dos vingativos, posto serem eles bem alimentados e inteligentes. Ademais, estudam nos melhores colégios, rezam em igrejas chiques, e se preparam para receber o “medalhão” familiar representado por louros de concursos públicos que raramente dão lugar aos “sem-berço-de-ouro”. Sim, a sociedade é assim desde antes, é assim agora, e assim o será depois...

Não obstante outras opiniões, tenho em mim que o mundo é bem mais forjado na Vingança dissimulada em Justiça. E quem mais aplica a Vingança em nome da Justiça são os seus operadores nos Fóruns e Tribunais de todas as instâncias. E isto é deveras grave porque tudo é decidido “em nome da lei”, sem que se saiba se a lei é boa ou ruim. Tudo depende da interpretação que se faz do objeto, esta, que nasce do íntimo espírito do sujeito, e nem todos têm o saber de interpretar um objeto, têm somente o poder de fazê-lo por direito de berço e pia. E aos que conseguem algum espaço de “poder dizer” (não o de poder decidir), quando muito sugerem que seja assim ou assado, valendo ao fim e ao cabo a decisão do operador maior da Justiça, que passa ao largo das inconvenientes sugestões. Mas esta decisão tem forte possibilidade de decorrer de Vingança, porém aprimorada em floreios jurídicos que passam despercebidos ante os defensores da verdadeira Justiça, que existem, sim, mas sem o poder de mudar o posicionamento oficial da Vingança, que culmina invariavelmente vitoriosa. Enfim, é o MAL que vem de longe, introjetado em muitos dos que exercem o poder de acusar e de julgar, com exceção daqueles que por raridade optam pelo BEM e o fazem triunfar do MAL...

Isto porque, em virtude do “Estado Democrático de Direito”, a opinio delicti o ministerial e o “entendimento” judicial são mais relevantes que a interpretação verdadeira dos fatos e dos textos legais. Esses indefectíveis posicionamentos são escorados por sórdidas ilações, porém mui bem informadas pela pena de ouro da Vingança, o que a torna intocável. E assim as crueldades gravadas em nome da Justiça vão em frente, conduzindo ao pódio a Vingança. O resto desta ópera bufa fica por conta do poder: quem tem mais, vence; quem tem menos, perde. “Ao vencedor as batatas”, sim, e este muita vez vence em favor da Vingança, sentimento mais forte, eis que afetado por traumas de infância que vão do bullying aos trotes, e aos estupros, e às desavenças familiares, e quejandos. Isto é desnecessário explicar, Sigmund Freud já o fez mui detalhadamente...

Acontece, porém, que em meio a esta disputa entre Vingança e Justiça, na arena em que se postam, há um alvo que é centro das atenções, este que desde muito tempo tornou-se “coisa”, não mais ser humano detentor dum mínimo respeito: o acusado. E há a plateia, não apenas a reduzida a sete ouvidos moucos e espíritos assustados com a estrondosa eloquência acusatória, mas também a espalhada nos camarotes e arquibancadas lembrando Roma e seus escravos gladiadores, muitos deles dependentes do polegar mais poderoso para morrer ou viver. E geralmente o perdedor morria, porque o povo, tomado pelo sentimento de Vingança, ou movido pela crueldade pura e simples, não perdia a chance de apontar o polegar para baixo imitando o mais poderoso, que fingia indagar dos ignaros qual seria a Justiça para lhes transferir o ônus de sua intransferível crueldade. Hoje a plateia é a mídia e seus públicos-alvos, e os mais poderosos são os acusadores e os julgadores oficiais...

A Vingança, portanto, é mais forte que a Justiça, porque nasce alimentada por neurônios deformados e se reporta à infância e aos traumas tenebrosos que jamais são esquecidos por quem os sofreu. Mas, neste ponto, diriam aqui os injustos que o roto e o esfarrapado também sofrem traumas e se vingam. Com efeito, vingam-se num mais fraco ou pontapeiam o cão de rua, mas não têm nenhum poder, somente deveres, e são os aptos a apenas se assentarem na cadeira do acusado. E as prisões estão lotadas deles, e delas, provando o que ora afirmo em especulação a ocupar o vazio do meu tempo de Carnaval.

Ora bem, por que traço estas linhas?...

Traço para lembrar ao leitor que nem sempre se deve crer nos poderosos como donos da verdade, porque mui constantemente são eles nada mais que sórdidos defensores da mentira para alcançarem a Vingança. Não cuidam de aplicar serenamente a Justiça, mas se entregam aos prazeres da cobiça por altos cargos e outras vantagens materiais. Sim, possuem todos os defeitos possíveis, trazidos de berço e pia; têm as almas no inferno, mas desde cedo são isolados em castas e aprendem o uso perfeito da persona para enganar até mesmo o demônio. E quando vêm à luz já estão adultos e encaixados no poder como se encaixa uma engrenagem em outra porque foram feitas uma para a outra. E quando são cruéis não se limitam às lembranças dos protagonistas infantis e juvenis que os incomodaram, nem aos demais fracassos familiares e pessoais que vivenciaram. O importante para eles, e elas, então, é aplicar genericamente a Vingança como forma de prazer, como desforra do que às vezes nem se lembram. Mas tudo feito em capricho, tudo delineado em elogiável primor dos que tiveram a graça de nascer em berço-de-ouro e foram bafejados pela sorte do preparo para o mundo com o que há de melhor no mundo, o que não significa mudar o caráter, este, que segue em atavismo histórico a fazer predominar o MAL (Vingança) em detrimento do BEM (Justiça).

Traço estas linhas para lembrar aos leitores que as doenças mentais, por força principalmente do DNA, atingem também os materialmente afortunados. E dentre essas doenças mentais basta sublinhar a psicopatia. Porque nada é pior que um psicopata, que, por suas características de eloquência e pela ausência absoluta de remorso, torna-se capacitado somente ao exercício da crueldade. E não é facilmente identificado, o que lhe permite praticar a Vingança a vida toda sem que haja qualquer necessidade de causa relevante. Seu alvo é o que lhe interessa, seu alvo é concomitantemente causa e efeito, é quem lhe propiciará o delicioso sabor da Vingança. Seu alvo torna-se o néctar dos deuses porque a Vingança sempre é praticada como se fora Justiça. O mundo, infelizmente, está cheio de psicopatas, e muitos estão instalados no poder do Estado, o que o transforma numa abstração a serviço do MAL.

Deduz-se, então, pelo exposto, e mui facilmente, que a Justiça é fraca e menor e a Vingança, forte e maior. Ou seja, 

 Justiça < Vingança.


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