Tiro de policial matou comandante de UPP do Alemão
Investigação
sugere que não houve intenção de matar — faltaram apenas ao autor do disparo o
treino e a experiência que teriam evitado o trágico desenlace.
Leslie
Leitão
A região
conhecida como Rua Nova, no Morro da Alvorada, que dá acesso ao Beco do Borges,
onde o comandante da UPP foi morto (Marcelo Regua/VEJA)
A
escalada de mortes envolvendo policiais nos últimos meses escancarou de vez um
problema premente na sempre conflagrada área da segurança no Rio de Janeiro: o
despreparo da tropa. Pois a questão, embaraçosa e explosiva, deve reverberar
com a força de uma bazuca quando for concluída, nas próximas semanas, a
investigação sobre a morte em serviço do capitão Uanderson Manoel da Silva, 34
anos, comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Nova Brasília, uma
das favelas que compõem o Complexo do Alemão. Na noite do dia 11 de setembro
passado, Silva foi vítima de um tiro de fuzil durante confronto com bandidos em
um beco da Nova Brasília. Após três meses de análises de laudos periciais e de
tomadas de depoimentos, a principal linha de investigação da Divisão de
Homicídios aponta para uma conclusão estarrecedora: a bala que o alvejou
debaixo do braço e atravessou seu peito foi disparada por um policial. As
circunstâncias definitivas de sua morte serão esclarecidas em uma reprodução
simulada, que vai reunir no palco da morte do capitão os PMs presentes na noite
do tiroteio. Mas, pela exaustiva análise já feita da cena, não pairam dúvidas
sobre o incômodo desfecho.
Oficialmente,
os órgãos de segurança não falam sobre as circunstâncias dramáticas da morte do
capitão, limitando-se a declarar que “o inquérito ainda não foi concluído”. Nos
bastidores, porém, o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, já levou as
informações disponíveis ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame,
aprofundando a fissura aberta pela recente queda do comandante do Batalhão de
Choque e pela prisão dos dois PMs envolvidos no fuzilamento de uma estudante,
ambas ocorridas depois de denúncias de VEJA. Ao que tudo indica, não houve a
intenção de matar Silva — faltaram ao autor do disparo, isso sim, o treino e a
experiência que teriam evitado o trágico desenlace. E faltaram porque,
pressionado pela maciça demanda de efetivos, o Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Praças do Rio está diplomando recrutas a toque de caixa, em
cursos insuficientes para talhar os novatos para o enfrentamento com a
bandidagem. O grande motivo para a pressa na formação de quadros são as UPPs,
que sorvem atualmente 20% de todo o efetivo do estado e só fazem crescer.
FOGO
AMIGO – O capitão Uanderson Manoel da Silva, de 34 anos, foi morto neste ponto
do Beco do Borges, no Complexo do Alemão. A foto mostra a visão que ele teria
da ruela no momento em que foi atingido por um tiro de fuzil que entrou debaixo
do braço, próximo à axila, e saiu pelo seu peito.
Meu comentário
A matéria da Revista VEJA é contundente. E não
foram poucas as vezes em que denunciei neste blog o despreparo do PM no uso de
armas longas e curtas e também em suas ações operacionais cotidianas.
Arrisquei-me até a afirmar que há PMs portando fuzis sem terem jamais atirado
com eles. Também insinuei que poucos sabem utilizar com presteza a arma curta
(atualmente predomina a pistola .40). Isto vem de longe, no curso de formação,
e em razão da absurda quantidade de recrutas a utilização e a reposição de
munição são precárias. Arrisco-me a dizer, pelo que ouço da tropa e leio nos
jornais, que a carência de meios na PMERJ está de luz vermelha faz tempo. E se
falta até gasolina, que é situação visível pelo grande público, imagine munição
para uso e, principalmente, para treinamento intensivo? Mas não é culpa da
PMERJ, é culpa dos governantes!
Enfim, não é só munição que falta ao PM. Falta-lhe
treinamento sistemático, privilégio do BOPE, onde nada falta e a tropa é
permanentemente afiada, pronta para o combate, conhecendo em minúcias todas as
manobras de deslocamento em zonas de perigo e dominando suas armas com destreza.
E não é somente isto: o BOPE sabe o que é agir a comando militar, e numa
situação de realidade não existe entre os bopeanos a possibilidade de tiro
amigo; menos ainda se vê um capitão como primeiro homem na evolução das
guarnições em quaisquer lugares onde o BOPE atue. Existe no BOPE o que
denominamos cadeia de comando e lugar de capitão não é à frente de meia dúzia
de “gatos pingados”, a não ser em situações especialíssimas de “forças-tarefas”
que exijam a reformulação estrutural da guarnição. Mas isto é raro, e se houver
a necessidade o BOPE saberá como fazer! O restante das ações da tropa normal
(não especial) deve se ater à cadeia de comando militar-policial ou
policial-militar, no caso da PMERJ o fiel da balança não se altera, as duas
circunstâncias funcionais são substantivas, tratando-se, portanto, da junção de
dois substantivos para formarem o composto. Enfim, o PM tem de saber sempre que
é policial e também militar. Saber para pode agir conforme as regras, que são
boas, mas dependem de exaustivos treinamentos.
Venho dizendo aqui, de maneira construtiva, que
falta treinamento à tropa da PMERJ. E até poderia parar de dizê-lo porque o
atual Comandante-Geral já o fez diante da grande mídia. Garantiu inclusive que
mandará organizar treinamentos para a tropa normal por meio de instrutores do
BOPE (tropa especial). Ora, momento melhor não há para reafirmar que falta treinamento
à tropa depois que o comandante de todos (normais e especiais) veio a público e
corajosamente admitiu o óbice. Isto é bom! Entretanto, há de se pensar sobre as
responsabilidades passadas e sobre a estúpida morte do capitão Uanderson por
falha que não pode ser tão-somente humana, mas estrutural, institucional.
Porque nada explica nem justifica um PM em favela perigosíssima, de fuzil nas
mãos, sem saber utilizá-lo; nada justifica o PM, novato ou não, ignorar as
regras de abordagem e de deslocamento em zonas de perigo máximo, como é caso do
Complexo do Alemão e algures. Daí desgraçadamente ser concluso que o Estado,
pelas mãos de um destreinado PM, matou o capitão Uanderson. Sem essa de “tiro
acidental”! Não existe esta figura entre profissionais, acidente é outra coisa,
o que não significa culpar o autor do tiro, seja lá quem for, e não me refiro
aqui às investigações mui bem conduzidas pela coirmã PCERJ. Mas entendo que a
culpa é do Estado e intencional...
Espero que a PMERJ faça desta lamentável
experiência, – que não é única, já houve caso idêntico em Niterói, quando um
sargento matou um tenente do 12º BPM que o comandava em situação semelhante, –
faça desta lamentável experiência uma alavanca a impulsionar maximamente o
treinamento da tropa para atuar não apenas em favelas, mas em quaisquer lugares
e em quaisquer situações. E deve aproveitar para rever os conceitos e as
práticas de blitze que lembram o velho ditado: “De nada, nada se faz – De nihilo nihilum.” (Lucrécio). Só para encerrar, existe uma lógica
na profissão militar ou policial-militar que serve também para outras instituições
de segurança pública: a “seletividade do uso da força”. Ora, para selecionar a
força necessária para se sobrepor ao inimigo (no caso os traficantes, que são
inimigos da sociedade, gostem ou não os prosélitos defensores da lenidade), é
indispensável conhecê-lo, assim como é imprescindível conhecer-se. Isto implica
conhecer também o terreno onde as ações acontecerão. E, decerto, favela
perigosa não é lugar de “passeio” da tropa como se estivesse “tudo dominado”.
Ora, ora!... Até agora as circunstâncias sugerem que quem mantém “tudo
dominado” no Complexo do Alemão e algures é o traficante!
4 comentários:
E o Sargento citado no artigo foi excluído da corporação.Igualmente foi mal treinado.Isso acontece desde outrora.Sempre foi assim e a pmerj simplesmente o descartou.Inclusive o citado tenente também era muito inexperiente.
Como vimos,nada mudou na briosa que vai passar a viver de brisa,se tudo continuar assim.
Emir disse:
Tem razão! O sargento foi excluído porque disse que não sabia se havia acertado o tenente. Como deu balística positiva na arma dele, ele respondeu por crime culposo e foi absolvido. Mas antes disso, só porque negou ter acertado o tenente (ele não sabia) a PMERJ o descartou como tralha inservível, embora ele fosse trabalhador e chefe de família. O tenente era inexperiente, sim, correu na frente dos PMs e acabou atingido, É aquela histórica cobrança no sentido de que o comandante deve estar à frente da tropa. Tanto tática como operacionalmente, isto é um erro. Mas o comandante, seja oficial, seja sargento, obriga-se por pressão a se antecipar e morre. Um detalhe: antes de matar o tenente, o sargento, numa favela em incursão anterior e sequencial, salvou a vida de um soldado enfrentando sozinho o fogo de seis traficantes numa travessa de acesso ao morro onde se deu o confronto. Não me contaram, era onde morava minha ex-sogra e eu assisti à cena fora da linha de tiro sem poder ajudar o sargento, sob pena de ser confundido por ele como mais um bandido e terminar como o tenente. Mas eu sou experiente...
O velho medo do rdpm arcaico o fez tremer. Um combatente nato. Se ele fosse oficial seria excluido? A justiça o absolveu( deu o perdão)porque a pm nao o reciclou?olha que experiencia ele podia passar para alunos do cfsd e cfo. Mas a pm apenas se desfez como se faz com um pedaço de traste.
Emir disse:
Tem razão, foi o que houve: rigor excessivo contra subordinado, defeito aberrante do comandante dele na época (Cel Spargoli, que era meu amigo, mas punia sem critério só para demonstrar ser "durão") Pior é que foi Sd PM.
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