Além da
notícia de mais uma morte de PM em favelas supostamente pacificadas e ocupadas
por UPPs, aguçou-me a atenção uma foto do PM Bruno Miguez, de 28 anos, morto nesta
última semana durante patrulhamento na Cidade de Deus. Ei-lo na foto portando o
indefectível fuzil, moda corrente na corporação que se “justifica” pelo fato de
que os traficantes também portam fuzis, não incluindo qualquer hipótese
contrária a esta equação simples do “vento que venta pra cá, venta pra lá”.
Ocorre que o fuzil não está salvando vidas de PMs, demais de servir para
atingir inocentes em vista da falta de controle dos disparos, o que também
serve para destruir a vida profissional, pessoal e familiar de PMs, que
culminam presos, licenciados a bem da disciplina, feridos ou mortos.
Confesso que
me há dúvida sobre a utilidade do fuzil nas mãos do PM no interior de uma
viatura. Na minha percepção, e por carregar nas algibeiras razoável
experiência, arrisco-me a afirmar que o fuzil dentro da viatura é um trambolho,
e fora dela reduz a mobilidade do PM. Se ele estivesse em campo aberto, em zona
de guerra, o fuzil estaria sempre em posição de tiro e os atiradores, com olhos
de lince, prontos para disparar rajadas contra inimigos certos. Mas na zona
urbana, e em situação de paz, não me parece ser o fuzil uma boa arma, pelo
menos do modo como é utilizado, ou seja, nas mãos de quaisquer PMs em todo o
RJ, até em lugares bucólicos que um estilingue talvez bastasse.
Falo
figuradamente, com o intuito de chamar a atenção para a arma curta, que vem sendo
esquecida na cinta para dar lugar ao incômodo fuzil, este que deveria ser
portado apenas por atiradores de escol em vista de critérios operacionais bem
definidos. E muito treinamento para seu uso correto, sendo certo que viaturas
comuns, mesmo as maiores, não dão comodidade ao PM que porta fuzis, além de
prejudicarem muitas vezes a proteção do seu corpo contra os tiros inimigos
(traficante armado de fuzil é inimigo). Esta proteção do corpo, em cobertas e
abrigos, deveria ser sempre o primeiro passo do deslocamento do PM em locais de
risco. E não tenho dúvida em afirmar que muitos morrem dentro de suas apertadas
viaturas exatamente por não conseguirem se livrar da surpresa que pode surgir
numa esquina, com bandidos de fuzis, livres de incômodos, e prontos para atirar
antes até que o PM pisque. E os jovens PMs vão morrendo em filas extensas,
enquanto as autoridades vociferam que estão incluindo mais uma fornada de
jovens num ambiente social caracterizado pela imobilidade social, restando-lhes
somente o emprego de PM e seu consequente abraço antecipado à impiedosa morte.
Também
sobreleva o fato de em favelas planas o patrulhamento ser feito em viaturas sem
blindagem, tornando seus ocupantes alvos imóveis, pois a viatura não pode se
abrigar rapidamente e nem serve de escudo ao PM, este, que fica à mercê do azar
o tempo todo. O homem a pé, deslocando-se com técnica, em lanços rápidos do seu
corpo ágil e se abrigando antes de efetuar disparos, tem maior chance de
sobreviver. Porque em campo aberto, em favelas planas e íngremes, de muitos
escaninhos desconhecidos onde os bandidos se ocultam como ratos, a surpresa se
recusa a ajudar os PMs e dão os braços aos bandidos.
Bem, o que
vem produzindo mortes de PMs em escalas impressionantes dentro de favelas
pacificadas resume-se ao fato de que elas não estão pacificadas coisíssima
nenhuma! Nem tampouco foram conquistadas! Apenas houve um recuo tático dos
marginais diante de grandes aparatos fotogênicos, para depois eles retornarem
aos seus homizios e começarem a eliminar PMs de todos os modos, incluindo também
a neutralização de alguns mediante acertos espúrios que infelizmente acontecem.
As notícias
dão conta de que um dos supostos matadores de Bruno portava pistola 9mm, o que
reforça a minha tese de que o fuzil não é páreo para armas curtas em ambientes incomuns.
Aliás, não é páreo nem para outros fuzis portados por traficantes a pé e
formados em grupos, tornando a “seletividade do uso da força” uma piada de
humor negro. Porque patrulhar locais infestados de bandidos em viaturas
desprotegidas é realmente dar o peito à morte. E só o fato de o PM não se
recusar a enfrentar a morte em total desvantagem, até pedindo baixa, só
demonstra o desespero deles diante da impossibilidade de viver e constituir
família a partir dum labor honesto e mais salutar. E não me venham com essa de
vocação! A principal motivação da maioria é o emprego e seus parcos ganhos,
sempre melhores que o desemprego crônico que o jovem tem diante de si ao
alcançar a idade adulta.
O caso do PM
Bruno Miguez é exemplo vivo de um jovem sonhando com uma vida de felicidade ao
lado da esposa, decerto projetando o aumento da família, a compra da casa
própria, mesmo que tudo simples. Os bandidos cortaram-lhe o direito de viver
por meio do método de sempre. Mas esse direito dele de viver pode ter sido
cortado antes por um sistema a mais e mais cruel e insensível, porém tão
impessoal que não há a quem culpar, só cabe sepultar o morto até o próxima
morte, esta, que pode estar acontecendo agora, enquanto rabisco estas linhas
lembrando a dura frase machadiana: “Os mortos ficam bem onde caem.”
Um comentário:
o que será da instituição e da sociedade...
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