sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

RIO EM GUERRA II





Além da notícia de mais uma morte de PM em favelas supostamente pacificadas e ocupadas por UPPs, aguçou-me a atenção uma foto do PM Bruno Miguez, de 28 anos, morto nesta última semana durante patrulhamento na Cidade de Deus. Ei-lo na foto portando o indefectível fuzil, moda corrente na corporação que se “justifica” pelo fato de que os traficantes também portam fuzis, não incluindo qualquer hipótese contrária a esta equação simples do “vento que venta pra cá, venta pra lá”. Ocorre que o fuzil não está salvando vidas de PMs, demais de servir para atingir inocentes em vista da falta de controle dos disparos, o que também serve para destruir a vida profissional, pessoal e familiar de PMs, que culminam presos, licenciados a bem da disciplina, feridos ou mortos.

Confesso que me há dúvida sobre a utilidade do fuzil nas mãos do PM no interior de uma viatura. Na minha percepção, e por carregar nas algibeiras razoável experiência, arrisco-me a afirmar que o fuzil dentro da viatura é um trambolho, e fora dela reduz a mobilidade do PM. Se ele estivesse em campo aberto, em zona de guerra, o fuzil estaria sempre em posição de tiro e os atiradores, com olhos de lince, prontos para disparar rajadas contra inimigos certos. Mas na zona urbana, e em situação de paz, não me parece ser o fuzil uma boa arma, pelo menos do modo como é utilizado, ou seja, nas mãos de quaisquer PMs em todo o RJ, até em lugares bucólicos que um estilingue talvez bastasse.

Falo figuradamente, com o intuito de chamar a atenção para a arma curta, que vem sendo esquecida na cinta para dar lugar ao incômodo fuzil, este que deveria ser portado apenas por atiradores de escol em vista de critérios operacionais bem definidos. E muito treinamento para seu uso correto, sendo certo que viaturas comuns, mesmo as maiores, não dão comodidade ao PM que porta fuzis, além de prejudicarem muitas vezes a proteção do seu corpo contra os tiros inimigos (traficante armado de fuzil é inimigo). Esta proteção do corpo, em cobertas e abrigos, deveria ser sempre o primeiro passo do deslocamento do PM em locais de risco. E não tenho dúvida em afirmar que muitos morrem dentro de suas apertadas viaturas exatamente por não conseguirem se livrar da surpresa que pode surgir numa esquina, com bandidos de fuzis, livres de incômodos, e prontos para atirar antes até que o PM pisque. E os jovens PMs vão morrendo em filas extensas, enquanto as autoridades vociferam que estão incluindo mais uma fornada de jovens num ambiente social caracterizado pela imobilidade social, restando-lhes somente o emprego de PM e seu consequente abraço antecipado à impiedosa morte.

Também sobreleva o fato de em favelas planas o patrulhamento ser feito em viaturas sem blindagem, tornando seus ocupantes alvos imóveis, pois a viatura não pode se abrigar rapidamente e nem serve de escudo ao PM, este, que fica à mercê do azar o tempo todo. O homem a pé, deslocando-se com técnica, em lanços rápidos do seu corpo ágil e se abrigando antes de efetuar disparos, tem maior chance de sobreviver. Porque em campo aberto, em favelas planas e íngremes, de muitos escaninhos desconhecidos onde os bandidos se ocultam como ratos, a surpresa se recusa a ajudar os PMs e dão os braços aos bandidos.

Bem, o que vem produzindo mortes de PMs em escalas impressionantes dentro de favelas pacificadas resume-se ao fato de que elas não estão pacificadas coisíssima nenhuma! Nem tampouco foram conquistadas! Apenas houve um recuo tático dos marginais diante de grandes aparatos fotogênicos, para depois eles retornarem aos seus homizios e começarem a eliminar PMs de todos os modos, incluindo também a neutralização de alguns mediante acertos espúrios que infelizmente acontecem.

As notícias dão conta de que um dos supostos matadores de Bruno portava pistola 9mm, o que reforça a minha tese de que o fuzil não é páreo para armas curtas em ambientes incomuns. Aliás, não é páreo nem para outros fuzis portados por traficantes a pé e formados em grupos, tornando a “seletividade do uso da força” uma piada de humor negro. Porque patrulhar locais infestados de bandidos em viaturas desprotegidas é realmente dar o peito à morte. E só o fato de o PM não se recusar a enfrentar a morte em total desvantagem, até pedindo baixa, só demonstra o desespero deles diante da impossibilidade de viver e constituir família a partir dum labor honesto e mais salutar. E não me venham com essa de vocação! A principal motivação da maioria é o emprego e seus parcos ganhos, sempre melhores que o desemprego crônico que o jovem tem diante de si ao alcançar a idade adulta.

O caso do PM Bruno Miguez é exemplo vivo de um jovem sonhando com uma vida de felicidade ao lado da esposa, decerto projetando o aumento da família, a compra da casa própria, mesmo que tudo simples. Os bandidos cortaram-lhe o direito de viver por meio do método de sempre. Mas esse direito dele de viver pode ter sido cortado antes por um sistema a mais e mais cruel e insensível, porém tão impessoal que não há a quem culpar, só cabe sepultar o morto até o próxima morte, esta, que pode estar acontecendo agora, enquanto rabisco estas linhas lembrando a dura frase machadiana: “Os mortos ficam bem onde caem.”

Um comentário:

Inconfomado disse...

o que será da instituição e da sociedade...