quarta-feira, 2 de julho de 2014

Teoria do combate ao crime I

O PM na PMERJ é precipuamente “combatente”, pois assim se reconhece o oficial formado na Academia Dom João VI, tanto que a denominação do seu quadro é “QOC” (Quadro de Oficiais Combatentes), em oposição ao “QOA” (Quadro de Oficiais Administrativos). Há outros quadros de retaguarda, como o de saúde e o de músicos, por exemplo. Importa aqui, porém, sublinhar a cultura do “combate” que se ressalta na carreira do oficial PM, de modo não ser incomum eles se autodenominarem ou serem denominados “guerreiros”. Enfim, “combatem” ou fazem “guerra”, mas contra quem?... Afinal, a PM não cuida apenas de bandidos armados e ferozes e de “combates” como Força de Segurança, mas é predominantemente prestadora de serviços policiais (Serviço de Segurança)...

A reducionista resposta a esta pergunta, contudo, está na ponta da língua: “guerreiam” ou “combatem” contra traficantes, principalmente, pois os “combates” são travados em favelas dominadas por “exércitos do tráfico” armados com fuzis nacionais e estrangeiros de última geração. Bem, não se trata de exagero nos dias de hoje porque é certo que os bandos de traficantes na maioria senão na totalidade das favelas em que estão homiziados portam armas de guerra sofisticadas e não lhes falta munição. Ademais, traficantes raramente se rendem, estão igualmente “em guerra” contra os PMs, são igualmente “combatentes”...
Todavia, são nestas circunstâncias de “combates” e “guerras” que morrem muitos PMs, e não apenas em confrontos diretos, mas também fora do serviço, quando chegam ou saem de seus lares ou quando eventualmente transitam em ruas e logradouros, situações particulares durante as quais são reconhecidos por seus anônimos “inimigos” que frequentam os mesmos ambientes e não têm muita dificuldade para identificar PMs e eliminá-los em tocaia. Eis portanto, o contexto da “guerra” diária, que começa e termina num só ambiente social repartido: favela e asfalto.
Enfim, tudo ocorre num só sistema (ambiente geral) formado por subsistemas (ambientes específicos) intercorrentes, o que se poderia designar como ambiente social. Aceita esta premissa, advém a necessidade de se estudar o fenômeno atual do “combate” ou da “guerra” ao crime, porque há, sim, uma sucessão de confrontos praticamente corpo a corpo em tudo que é canto. E haja mortes banais de PMs!...
Aceitando-se a realidade dos confrontos entre PMs e bandidos em campo aberto (asfalto) e em ambientes fechados (favelas), começa-se a entender que algo muito grave conduz a esses comportamentos belicosos. Não seria a cultura do “combate” e do “combatente” que se teria alastrado por conta da instituição PM?... Sim, não se há de negar, precipuamente, que esta cultura do “combate” não começa com o bandido, mas antes se insere nas tradições da corporação desde a formação de seus oficiais.
Ora bem, neste ponto diriam alguns que tudo não passa de abobrinha, que as designações teóricas não guardam relação com a prática, que não há um sistema de causa e efeito nesta história, o que vale é a imperativa necessidade de “combater” traficantes. Acontece que tal comportamento operacional desde muitos anos não logrou êxito algum. Em contrário, as quadrilhas de traficantes aumentam, seu poderio bélico cresce, o tráfico vende mais e os confrontos matam mais. E a PMERJ aumenta volumosamente seus efetivos... Qual é a vantagem então a apontar em relação a um “combate” que não elimina o inimigo nem o submete aos grilhões da justiça?...
Ora bem, é certo que a realidade gera teorias, mas isto é mais afeito ao âmbito das ciências naturais a estudarem fenômenos existentes e teorizá-los para depois até mesmo modificá-los. Mas no mundo social não se há de negar que as ideias e as teorias são tão poderosas que mudam comportamentos, e é muito raro haver comportamentos que não decorram de conceitos geradores de preconceitos que culminam em ações desastrosas de inocentes úteis tentando receber medalhas de “herói”...
Sem dúvida, “combatente” é aquele que “combate”.  Mas geralmente se “combate” em guerras e revoluções, não se combate entre irmãos, mesmo que alguns estejam desviados de rotas estabelecidas como ordeiras, preferindo as desordens geralmente estimuladas por culturas outras (nada nasce do nada). E dentre essas desordens incontáveis há aquelas tipificadas como crime, este que deve ser atalhado por um sistema que longe está de se resumir aos “combates” travados por PMs em favelas ou no asfalto, descontrole social para o qual a digna sociedade não atenta além das notícias da imprensa focando exclusivamente seus resultados diários, tais como se atalhar o crime se resumisse a insistentes “combates” ou a falseadas e mui bem alardeadas “pacificações”...
A questão é a seguinte: a quem compete mudar toda esta cultura do “combate” e das “guerras” no ambiente urbano do RJ? Como reverter esta caótica situação de criminalidade que vem vencendo todas as iniciativas pontuais da PM, malgrado o apoio da mídia quanto a algumas delas, como é caso das glamorizadas unidades pacificadoras (UPPs) convenientemente restritas a ambientes privilegiados?
Afinal a PMERJ, em vez de cuidar da parte, não deveria partir do todo para chegar às partes, e, aí sim, cuidar das partes de modo que a soma delas fosse maior que o todo (globalismo)?... Traduzindo: que reflexo positivo causa a “pacificação da Rocinha” na vida do friburguense?... Positivo eu não sei, mas negativo é certo na medida em que efetivos de muitos lugares foram esvaziados para atender à paranoia das UPPs, além de tentar conter simultaneamente as inusitadas manifestações na capital e algures.

Deixo aqui este incompleto raciocínio para ouvir a opinião dos leitores, sejam ou não policiais.

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