segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Sobre a crítica jornalística às UPPs

“CRIME CRESCE EM CINCO DAS SETE ÁREAS COM UPP”

 


Título do Jornal EXTRA de hoje, dia 2 de setembro de 2013, a matéria de página inteira desanca com as UPPs com base em estatísticas do Instituto de Segurança Pública. Começo então questionando a estatística como base de tudo, não por culpa da mídia que cobra resultados, mas da paranóia do sistema de segurança pública, que se vê atualmente refém de discutíveis estatísticas, que, aliás, são discutíveis também no restante do planetinha. Porque a criminalidade, por óbvio, não pode e não deve somente se ater a estatísticas, é fenômeno bem mais complexo e jamais será resolvido somente com polícia administrativa. Isto por si só é sério obstáculo, em especial por não atender ao ciclo completo de polícia. Imaginar, pois, que policiamento ostensivo fardado seja capaz de conter o crime, sugere uma estrondosa falácia. Bem, a verdade nua e crua é a de que nenhuma polícia fragmentada em suas funções será capaz de tal proeza nem aqui nem na China.
De modo que, ao reagir em crítica alarmante, - pior que com razão, - o Jornal EXTRA questiona o modelo de polícia comunitária que tanto afagou nos últimos anos, embora seja ele, o modelo, controvertido, se cotejado com a finalidade legal e doutrinária da PM como instituição mantenedora da ordem pública. Afinal, a PM existe também num contexto que a insere como força militarizada auxiliar e reserva do Exército Brasileiro, regida, por via de consequência, pela partitura da hierarquia e disciplina militares, o que torna sua missão quase que como insinua o filme: “Missão Impossível”! Mas este é angariador de aplausos, enquanto que a PM, por não lograr o sucesso da ficção, recebe vaias constantes em entremeio a aplausos raros. Tudo bem, não há como evitar a ineficiência de uma estrutura imutável no seu conteúdo e mutável apenas na superfície visível, ou seja, tem conteúdo real dissonante do continente geralmente ilusório, mesmo deixando de quando em quando a impressão de que finalmente pôs de pé o “ovo de Colombo”...
A matéria em sublinha, - que encerra inquestionável verdade, - chega desmitificando as UPPs. Isto não seria nada demais se já não houvesse um acúmulo de erros graves no funcionamento dessas tão aplaudidas estruturas de policiamento ostensivo em terreno (favela) aparentemente reconquistado por tropa especializada em confronto tendente à letalidade de ambos os lados (policiais e bandidos), sendo mais preocupante o fato de esses confrontos não evitarem a morte de pessoas inocentes. Mas a ânsia pela permanência de um policiamento comunitário preventivo nas favelas, com um obscuro afastamento dos criminosos locais, tem levado a própria mídia (comungada com o interesse do sistema situacional) a exaltar em exagero as UPPs, ignorando, porém, suas imperfeições. Ora, se se fizer, hoje, um somatório frio e isento dos erros, não será estranha a constatação de que as UPPs não vingaram e não vingarão sozinhas. Falta o outro pedaço da atividade policial (polícia judiciária), advindo daí a função global de segurança pública restrita à polícia (ciclo completo de polícia) como exigência mínima. Ou seja, sem muito aprofundar, por desnecessário, onde se pôs uma UPP deveria haver uma DP...
Diz a matéria em letras garrafais que “o crime cresce em cinco das sete áreas com UPP”. Vou além e ouso afirmar, - com base em estudiosos de renome que pesquisaram o fenômeno do crime mundo afora, como Manuel López-Rey, por exemplo, - ouso afirmar que o crime cresce em todo o Brasil e no mundo. Sim, cresce, e bastante, e principalmente por conta de uma circunstância fácil de entender: como o crime é um fenômeno sociopolítico, quanto mais crimes são rotulados mais aumentam as estatísticas da criminalidade. Porque, como já concluíram os estudiosos, o crime é antes de tudo um sentimento, tal como o amor e o ódio. Imaginar pôr fim ao crime somente com polícia é, portanto, um contrassenso; e mais acrescento: conceber o fim do crime somente com policiamento ostensivo é mais que contrassenso, é estupidez. Daí não me espantar a matéria; vejo-a como consequência não mais que da vontade da mídia em difundir o que já sabia muito antes, mas se recusava a fazê-lo até para dar uma chance ao sistema situacional, que, sem embargo de fatores políticos ou de outra natureza, vem tentando acertar. Por outro lado, não posso deixar de alfinetar com uma afirmação doída: um arqueiro só acerta o alvo de tiver com um bom arco, se tiver treinado exaustivamente, e, principalmente, se apontar a seta para o alvo, este que deverá estar numa posição adrede treinada para haver o acerto. Enfim, lembrando a máxima estrutural de Louis Sullivan, “a forma deve seguir a função”. Ou seja, a estrutura (eficiência) deve ser concebida para alcançar resultados ótimos (eficácia) e assim lograr o prêmio do aplauso (efetividade).
As UPPs, na verdade, desde o início conseguiram a proeza de inverter ou embolar a ordem estrutural do formato a desatender à função. Receberam primeiramente o aplauso para depois perseguirem o êxito como quem tentar cercar galinha fujona de galinheiro. Mas, depois de tantas mortes de PMs em áreas pacificadas, de tantos desvios graves de conduta, de tantos inocentes ou mesmo culpados retaliados ao modo de sempre, fica difícil manter o aplauso midiático, mesmo considerando que as empresas de comunicação social dependem, e muito, de ver a segurança pública garantida em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas. E quando a imprensa abre matéria, como fez o Jornal EXTRA, criticando veementemente o modelo estrutural das UPPs, não mais cabe tentar tapar o sol com a peneira, não mais cabe providenciar a substituição de comandantes militares estaduais como usualmente se vê. Enfim, não mais cabe fingir que a polícia judiciária se somou ao movimento de pacificação, porque, a bem da verdade, ela esteve ausente como estrutura permanente ao lado das UPPs. Portanto, não houve a atuação eficiente e eficaz da PCERJ ao lado da PMERJ, não importando aqui avaliar conflitos institucionais. Mas, numa linguagem mais otimista, para encerrar, quem sabe dá tempo de a PCERJ sentar-se com a PMERJ e daí emergir um modelo estrutural completo e dinâmico para conter a onda do crime que se encaminha ao tsunami?... Fica a humilde sugestão, que não pretende ser nenhum “ovo de Colombo”...

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo parcialmente com sua postagem. Não é coerente citar onde trabalho, pela possibilidade de gerar repercussões negativas para a imagem do meu setor. No que diz respeito à estatística, assim como toda ciência,e nesse viés gostaria de lembrar do marketing, ela pode ser manipulada de acordo com os interesses políticos e institucionais. E o que tem acontecido é exatamente isso, a estatística não é uma ciência exata, mas uma representação da realidade com margens de erro e variações, mas quando há intenção de se aliar ao poder do merchandising de campanha pré-eleitoreira a coisa fica destorcida. As áreas de UPP tiveram uma inegável redução nos indicadores de criminalidade, se compararmos o antes e o depois das UPP, porém nas últimas que foram criadas, somente a PM permaneceu como ente representante do poder público, e concordo com sua análise de que assim isso não dá certo, onde está a PCERJ, onde está a prefeitura e as Secretarias Municipais e Estaduais de Governo?

Leonardo Allevato disse...

Sábias palavras sobre o fato do crime não se extinguir apenas com a ação policial.
Junte-se a isso o fato de sempre que se instala uma unidade de polícia (DPO, PPC, UPP), o tempo se encarrega de mostrar os maus policiais que foram mal selecionados no início da carreira e que, por isso, são aliciados pelo tráfico de drogas. Testemunhei isso quando ocupamos o Morro do Alemão para instalação de um PPC, nos idos de 1994/1995 e os desvios de conduta naquela região após algum tempo eram recorrentes.
Muito ainda há que se avançar para que a PM retome sua credibilidade e cumpra à risca seu papel constitucional.

Anônimo disse...

Emir diz ao anônimo

Agradeço a intervenção, muito boa, e gostaria de dizer que quando critico a estatística como ferramenta, faço-o seguindo uma lógica consagrada: gelo na cabeça, fogueira nos pés resultando uma boa média de temperatura no abdômen.... Não reprovo, porém, o seu uso permanente para acompanhar resultados em vista de objetivos adrede traçados. Mas tenho pouca fé nos métodos estatísticos, em especial para acompanhar não a criminalidade em si, mas a incidência de ocorrências criminais relatadas de alguma forma. Sabemos da "cifra negra" (crimes não relatados) e de outras dificuldades de alcance da realidade por meio de cálculos estatísticos. Também vejo que o "não crime" é ou deveria ser a meta do policiamento preventivo. Mas o "não crime" pode decorrer do "não relato" ou da não intervenção policial imediata (impossibilidade de flagrante delito) ou mediata (ausência de investigação policial posterior ou seus resultados quando ocorre investigação). Quando ocorre um crime, ele é anotado, mas a sua solução, às vezes importantíssima para o controle da criminalidade, não mais figurará em cotejo com as anotações, instituindo uma falsa impressão de fracasso. Enfim, não dou importância a estatísticas e me espanta ver a mídia apupar as UPPs (que defendo como modelo de intervenção, embora carente de revisões) como se elas fadassem ao fracasso. Que haja estatísticas, é óbvio! Mas que junto com ela a mídia seja informada de suas limitações!... E como foi difundido, é claro que o efeito psicológico nas pessoas é de insegurança. Onde fica a sensação de segurança anterior? Este é o meu temor. Eu deixei claro que muita coisa há de ser feita em favor da pacificação e não somente manter a aposta em UPPs. Somente isto é arriscado deveras! Também me peocupa ter lido esta semana que o Estado (DETRAN ou Município) resolveu pôr placas de estacionamento proibido nas favelas para multar favelados que estacionarem mal suas motos e seus carros nas vielas (nem rus são). Que absurdo! Eis a que está se reduzindo a tal "invasão social"!

Anônimo disse...

EM RESPOSTA AO COMENTÁRIO DO SR. LEANDRO ALLEVATO,EIS A PERGUNTA: POR QUE CULPAR SOMENTE A PMERJ? ONDE ESTÃO OS OUTROS ORGÃOS DE APOIO, QUE SÃO FUNDAMENTAIS E DE EXTREMA IMPORTÂNCIA?
NÃO DEFENDO MAUS POLICIAIS E NEM TAMPOUCO DESVIOS DE CONDUTA, NO ENTANTO, VIVA A VIDA DE UM PM, DE FORMA OPERACIONAL, QUE TALVEZ O SR. POSSA PERCEBER QUE O GRANDE MAL RESPONSÁVEL PELOS GRANDES FRACASSOS NA ÁREA DA SEGURANÇA PÚBLICA, ESTÃO MUITO ALÉM DA POLICIA MILITAR.
AO SR. EMIR LARANGEIRA, TODO O RESPEITO QUE O SENHOR MERECE.
PARABÉNS POR SUAS COLOCAÇÕES QUE SEMPRE SÃO SÁBIAS, COERENTES E REALISTAS...