sábado, 2 de março de 2013

ERRO DE CONCEITO



É difícil crer que personalidades de alto talante do jornalismo global não atentem para a diferença entre “inteligência” e “investigação”. Porque basta acessar o Aurelião para verificar que a “inteligência” diz respeito a “serviço de informações”, expressão que nos remete às ditaduras e suas nefastas práticas do “consta que”, dos “informes” e das “informações” categorizadas em sua inidoneidade por meio de letras “A”, “B”, “C” etc., tudo muito ilusório e com o carimbo dos que ainda professam em silêncio a máxima de Paul Joseph Goebbels: “Uma mentira contada mil vezes torna-se verdade.” Com um pouco de boa vontade, porém, é possível entender a atividade de inteligência como diagnóstico ambiental isento, desde que a cultura anterior do Malleus Maleficarum não impere na sua prática, o que é bem provável em se tratando de “inteligência” militarizada. E também sem farda...
A “inteligência” não delimita ou singulariza criminosos, isto é tarefa de “investigação criminal”, incumbência da Polícia Civil como titular da atividade de polícia judiciária. Ora, “inteligência” e “investigação criminal” são coisas distintas! Fica difícil, portanto, entender a opinião do Jornal O GLOBO ao sublinhar em reducionismo a “ação de inteligência”, com ressalva de que o articulista até que mui bem a exemplificou: “Neste conjunto de 16 favelas – numa região cortada por duas importantes vias expressas (Avenida Brasil e Linha Vermelha) e no caminho do Aeroporto Internacional, rota obrigatória de volumoso fluxo de entrada e saída do Rio –, as forças de segurança enfrentarão uma realidade bem mais intrincada, com territórios dominados por duas facções de traficantes e uma de milícia.”
Este é um diagnóstico típico de “inteligência”, posto não ser incomum aos “serviços de informação” se enfiar em recortes de jornais (“resenha”) para torná-los verossímeis; e eles não terão pejo em aceitar a opinião de O GLOBO como verdade insofismável, mesmo que na localidade em questão (Complexo da Maré) a realidade possa ser diversa da apontada pelo Jornal. E exatamente por ser preguiçosa e atuar no continente dos problemas e não no seu conteúdo, in loco, é que a “inteligência” costuma ser “burra”. Mas ela bem serve ao propósito de priorizar ações pontuais de “força de segurança” na primeira fase: conquista. Quanto ao “serviço de segurança” (UPPs), a necessidade é outra, ou seja, a de “investigação criminal”, sem, no entanto, abdicar da “inteligência”, que deve ser permanente e abranger inclusive a “investigação criminal” e seus resultados. Afinal, a “inteligência” cuida de cenários, hipóteses e algumas verdades, situações de planejamento anteriores às ações de conquista por “forças de segurança”, mesmo que policiais.
Com efeito, para a ação de conquista ou de reconquista de territórios dominados por facções paramilitares é vital a ação das “forças de segurança”, para, em seguida, haver ocupação e pacificação pelos “serviços de segurança” (UPPs), dentre eles a intransferível “investigação criminal” da polícia judiciária. Portanto, nos termos do editorial em comento a sugestão não é completa, pois a PMERJ atua sozinha com sua “inteligência” ainda contaminada por ideologias, e com suas “forças de segurança” para “conquistar o território” (ainda entre aspas por razões óbvias). E depois da “conquista” instala a toque de corneta as UPPs para prestarem serviços policiais, trabalho árduo, porém incompleto, pois lhes falta a “investigação criminal” da PCERJ a singularizar criminosos e a recolher provas materiais para levá-los aos tribunais, ações que não dizem respeito à “inteligência” a não ser por mero acaso do encontro de algum flagrante delito pelos “inteligentes”, estes que poderão proceder à ação ou simplesmente cuidar da anotação do detalhe para inseri-lo no relatório da “inteligência”, esta sim, que poderá servir de base a novos planos e outras incursões de “forças de segurança” da própria corporação, e assim sucessivamente, em círculo vicioso que não individualiza nenhum quadrilheiro nem sua quadrilha. No fim de contas, para ser virtuoso falta neste círculo a Polícia Civil...
Enfim, as “ações de inteligência” insinuadas pelo editorial não cita nem alcança a “investigação criminal”, e deste modo omite a responsabilidade da PCERJ como polícia judiciária, esta sim, ausente no dia a dia das UPPs, que seguem dependentes da coirmã para que o crime instalado nas favelas seja efetivamente alcançado e penalmente punido, e não como está atualmente, em mesmice de aberrantes flagrantes de tráfico envolvendo um ou outro pé de chinelo, ou brigas de marido e mulher, até que morra um PM e a PCERJ finalmente entre em cena para investigar o homicídio que, em tese, não mais existe no território conquistado... Deste modo, portanto, e mesmo que útil, entendo como parcial a opinião do Jornal O GLOBO, em especial porque sei que os profissionais que lá atuam sabem pelo menos o que consta no Aurelião sobre “inteligência” e “investigação”...

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