sábado, 5 de janeiro de 2013

Sobre as novas UPPs anunciadas






Quando li pela primeira vez a declaração do governante Sérgio Cabral sobre a mudança do conceito de aquartelamento na PMERJ, confesso que estranhei e critiquei deveras. Depois disso, choveram notícias sobre a venda de alguns quartéis, iniciando-se por extensa área em Niterói que abrigava a antiga Escola de Formação de Oficiais, prédio histórico cuja idade se reportava quase que à criação da antiga PMRJ. Tudo bem, não pretendo discutir sobre nenhuma causa mortis de defunto, o assunto está sepultado e outros quartéis serão alienados, segundo se ouve dizer. Mas a tal mudança do conceito de aquartelamento, presumo, pode ter a ver com a política de implantação de UPPs e com a ideia da instalação de pequenos quartéis ocupando ambientes de tarefa menores, o que já existe na corporação e que designamos por Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO), fração de tropa que exercita o papel de polícia administrativa em locais onde não é possível irradiar o policiamento a partir de quartéis maiores (batalhões). Cá entre nós, esses destacamentos, que são abundantes no interior do Estado, representam um bom modelo de distribuição do efetivo, eis que não dependem de estruturas de retaguarda para dar conta da missão, todo o seu efetivo atua na atividade-fim. E bem que o DPO poderia receber a designação de UPP...

Nos grandes centros urbanos há também o Posto de Policiamento Comunitário (PPC), que guarda características semelhantes às do DPO, sendo certo que as UPPs têm um pouco de cada modelo citado. As UPPs, na verdade, não passam de estruturas de maior porte que se destinam à atividade-fim. São comandadas por capitães, porém sem retaguardas pesadas de logística. De resto, a novidade consiste no ambiente em que atuam (favelas), em aprofundamento do conceito de proximidade e de prevenção contra o crime. Enfim, uma polícia bem mais prestadora de serviços que promotora de segurança pautada na repressão. Para tanto, como sabemos, são realizadas ações operativas nesses específicos locais dominados por bandidos como verdadeiras fortalezas do crime, realidade que me serviu de inspiração para intitular um romance: “Cidadela Contemporânea”. Afastados os bandidos, entram as UPPs para manter essas comunidades livres, o que vem dando certo apesar de todos os pesares.

O maior incômodo para o poder público ao longo dos últimos anos, sem dúvida, é ter de reconhecer a existência desses locais dominados pelo tráfico como desligados do todo territorial em que o Estado se obriga a exercitar sua função-síntese de garantidor da “segurança individual” e da “segurança comunitária”, componentes intrínsecos do que a Doutrina do Direito Administrativo da Ordem Pública designa por “segurança pública” (garantia da ordem pública). Pois é forçoso reconhecer que, apesar das UPPs, o problema persiste em extensão e profundidade maiores que a solução encontrada pelo poder público para vencê-lo: há centenas de favelas ainda sob o domínio aterrorizante do tráfico. Mesmo assim, todavia, não se há de negar a importância do primeiro passo e condenar as UPPs por não atenderem ao todo, eis que a PMERJ se encontra diante de um ninho muito maior que suas asas: não há efetivo para alcançar simultaneamente todas as comunidades onde o tráfico ainda é pujante e armado como espécie de “exército feudal hodierno”.

Concluo então que um meio de aumentar o efetivo nas ruas e logradouros talvez passe pela mudança do conceito de aquartelamento, sim, mas no sentido eliminar a concentração de logística a sustentar grandes unidades por conta do modelo estrutural atual de força auxiliar reserva do Exército. Porque é esta conjuntura que impõe a existência de regimentos, batalhões, companhias, pelotões e grupos de combate, formato, aliás, que não mais atende à função em virtude das mudanças ambientais e da responsabilidade precípua das PPMM com a segurança pública, em detrimento das demais seguranças que se integram ao todo doutrinário da segurança nacional (segurança interna e segurança territorial), estas que são baseadas em hipóteses distanciadas da criminalidade comum a ser contida.

As PPMM nacionais não vivenciam a desordem interna nem enfrentam inimigos internos ou externos. O foco da atuação de todas as corporações militares estaduais é a segurança pública nos seus aspectos preventivo (regra) e repressivo (exceção) em vista dos delitos tipificados ou do Poder de Polícia fundamentando ações indispensáveis à manutenção da ordem pública, sem, porém, ultrapassar os limites dos direitos e garantias individuais do cidadão, seja ele pobre ou rico. Tais direitos e garantias, no RJ, não estão acessíveis aos moradores em comunidades dominadas pelo tráfico. Daí a importância das UPPs como possibilidade real de resgate desses direitos e garantias que dão formato à cidadania plena, dentre muitos outros que não dizem respeito à segurança individual ou comunitária, mas que se tornam inacessíveis em razão da ausência de ordem pública nas favelas.

Bem, que é obrigação do Estado garantir a cidadania do favelado não se há de pôr dúvida, do mesmo modo que não há dúvida de que o Estado não exerce efetivamente esta função-síntese em todos os ambientes sob sua responsabilidade. Afinal, são milhares os administrados que continuam socialmente excluídos. Para confirmar, basta olhar os morros e baixadas apinhados de moradias pauperizadas ao extremo e submetidas ao risco constante de balas perdidas nos confrontos entre uma polícia que insiste em reprimir o tráfico de tal forma que torna regra o que deveria ser exceção. Porque todas as ações aleatórias de enfrentamento do tráfico a partir de pequenos efetivos são repressivas por excelência e resultam desfechos muitas vezes trágicos, tornando a emenda pior que o soneto.

Toda essa digressão é por conta do anúncio de mais duas UPPs a serem instaladas no novo ano e pela constatação saída da boca do governante no sentido de que a pacificação não é medida efêmera e veio para ficar. Creio nisso, pois não vejo como algum governante posterior desfará o que está feito. Implica dizer, por fim, que a PMERJ terá de se adaptar aos novos tempos e caminhar no sentido de ampliar seus efetivos diminuindo drasticamente a força de retaguarda representada pela logística. Como isto será equacionado, não sei, é problema deveras complexo. Mas que a PMERJ não mais pode ignorar a nova realidade operacional, não me há dúvida. O jeito então é adaptar suas estruturas e seus efetivos para atender à nova função que lhe está afeta em caráter definitivo. Que me desculpem os críticos de plantão, mas entendo que a PMERJ tem cabeças pensantes capazes de enfrentar o desafio e lograr êxito ao fim a ao cabo...

Nenhum comentário: