terça-feira, 20 de novembro de 2012

Sobre o artigo em destaque


O artigo é assinado por Luiz O. Coimbra, sociólogo, coordenador do Observatório de Segurança Hemisférica e editor-chefe do Relatório de Segurança Cidadã 2012 da OEA (Organização dos Estados Americanos) Washington, DC. É preciso aguçar a atenção para a confusão estatística nos países por ele citados, o que reforça a antiga posição do mestre Manuel López-Rey no seu tratado sobre o crime publicado em março de 1973 pela EDITORA ARTENOVA LTDA. – Rio de Janeiro – GB. Já naqueles tempos distantes, reportando-se a uma exaustiva pesquisa sobre o crime por ele realizada sob os auspícios da ONU, o juiz espanhol aposentado e professor de direito penal deixou claro que as estatísticas sobre a criminalidade nem sempre apontam a realidade do ambiente considerado. Muitos fatores concorrem para a distorção dos dados, tal como agora denuncia Luiz O. Coimbra. 

Manuel López-Rey disse a que veio logo na abertura do seu texto: “O que o crime perdeu em originalidade ganhou em extensão e gravidade...” E segue afirmando ser o crime “um problema intratável na maioria dos países desenvolvidos e eventualmente o será nos outros países, sejam ou não desenvolvidos.” E num capítulo mais à frente o jurista espanhol, ao correlacionar o crime com o crescimento demográfico, afirma que “a relação entre o crime e a população é direta, no sentido de que quanto maior é a população tanto maior é o número total de crimes. No entanto, essa relação é afetada pela ação de uma série de fatores intermediários, alguns deles inerentes à própria população, sendo que o resultado disso é que muitas vezes o crime cresce mais depressa do que a população.” 

Essas graves afirmações do autor deveriam funcionar como alerta ao futuro, mas sua linguagem assertiva e pessimista indica atualmente o contrário, ou seja, quando se fala em criminalidade ninguém enfrenta a questão situando-a na realidade. Os discursos políticos subvertem a ordem das coisas e o resultado é a mais absoluta ignorância sobre a realidade do crime, embora ela aflore aos olhos e seja sentida na carne das pessoas. 

No caso da sociedade brasileira, os índices de criminalidade não são confiáveis, não retratam um verdadeiro cenário, o que, de pronto, nos permite concluir que a maquinaria estatal da segurança pública está a mais e mais destoada do crime que deveria coibir. Pior ainda, é vítima direta de ataques criminosos, quando deveria ser temida e capaz de proteger o cidadão comum. Mas não consegue defendê-lo nem se defender: policiais morrem diariamente diante dos ataques frontais de bandos armados que agem como guerrilheiros urbanos: são movidos pela impunidade e não temem a morte, situação máxima de risco que, em tese, deveria inibi-los em suas ousadas ações criminosas desferidas de surpresa contra policiais armados. 

Enquanto isso, a sociedade olvida a realidade, e um multifacetado proselitismo infesta a mídia nacional com seus discursos situando o bandido comum como espécie de “cidadão revoltado com isso ou aquilo”, quando, na verdade, ele não passa de reles facínora a praticar crimes tipificados nos nossos códigos, mas estes não o alcançam tão facilmente, o anonimato garante-lhes impunidade em meio a uma população que cresce assustadoramente e confirma a relação direta entre esse fenômeno demográfico e a expansão do crime, como denunciou López-Rey. 

Enfim, se a equação mais simples não é levada em conta, ou seja, o fenômeno do crime vivenciado a partir do crescimento demográfico somado às novas tipificações de crime inseridas nos códigos penais, a tendência é a do aumento da criminalidade. E, para enfrentá-la, no mínimo as estruturas de segurança pública devem ser reforçadas em efetivos e meios materiais. Se não, a defasagem põe a linguiça correndo atrás do cachorro, este que é mordido pelo transeunte, e assim segue o “FEBEAPA” do Stanislaw Ponte Preta a manter a realidade do crime como um holograma e o aparato estatal como um ente incapaz de enxergá-lo mesmo de óculos. Pior é que além de cego o sistema situacional estatal é surdo e mudo diante do poderoso e sofisticado sistema situacional criminoso. 

Guerra perdida?... Bem, até agora parece que sim! E tal como antigamente, e como denunciou López-Rey com primor científico... Mas, que fazer para reverter esta caótica situação?... No meu modo de ver, o primeiro passo é lidar com a realidade, e esta não pode ser medida com estatísticas do tipo que põe uma pedra de gelo na cabeça do analista enquanto seus pés queimam numa fogueira para que na média tudo esteja bem... Ora, o diagnóstico deve ser realista e considerar o ambiente social como ele efetivamente é: diferenciado por ambientes de tarefa e intermediário, até que a sinergia aponte o problema real no ambiente geral, tudo como um sistema subdividido em subsistemas ambientais criminosos para os quais necessariamente haveria de haver uma real contrapartida, de modo que o mínimo afete o máximo. Dentro dessa lógica, só como exemplo, um presídio qualquer em qualquer lugar do Brasil seria um subsistema de outros subsistemas afins que, somados, forneceriam um todo maior que a mera soma das partes. O nome disso é globalismo ou sinergia, ao gosto do leitor, e não se trata nada mais que conhecimento mínimo da teoria de sistemas, meio poderoso de diagnóstico e de intervenção que infelizmente no Brasil inexiste na prática, embora abunde na teoria. 

A verdade é que enquanto o assunto segurança pública for tratado como problema eventual e localizado, – como agora se vê em São Paulo e Santa Catarina, embora os índices estatísticos publicados no O GLOBO de hoje, 20 de novembro de 2012, demonstrem que na Bahia há mais homicídios por habitantes que em São Paulo e no Rio de Janeiro (haja paciência para engolfar gorgomilo abaixo essas estatísticas!) – enquanto for assim não chegaremos a lugar algum e estaremos todos torcendo para que “tudo que é sólido e estável desmanche-se no ar”, como mais ou menos sugeriu Marx, conduta omissiva hoje na moda neste país governado pelas esquerdas. Mas acontece que não se desmancha nada no ar, o crime só recrudesce e apavora a mais e mais os brasileiros leitores de jornais, expectadores de tevê e ouvintes de rádio. Pois as notícias longínquas batem à sua porta por meio da difusão alarmista de uma insegurança que não chegou ao seu ambiente de tarefa a não ser virtualmente. Porém, basta ser assim para a sensação de insegurança alastrar-se Brasil afora, com a realidade distante apontando a vitória do crime contra o sistema situacional estatal. 

Qual será o tamanho desta vitória da criminalidade? Claro que não é total, não chegamos a tal ponto. Todavia, a continuar o proselitismo e a inação estatal em vista do apavorante cenário criminoso, pode ser que a situação se torne "intratável", como sugeriu López-Rey. Esperemos que não. Esperemos que o Ministério da Justiça no mínimo gaste o dinheiro que possui em vez de poupá-lo, conforme noticiou a grande imprensa. Esperemos também que a sociedade assuma sua voz ativa e faça funcionar em plenitude o Art. 144 da Carta Magna (“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”). Enfim, é preciso exumar esta letra morta e torná-la vital no território pátrio. Porque até então o que se vê é um emaranhado de órgãos públicos discutindo competências e almejando mais poder para uso pessoal, todos, entretanto, ineficientes e ineficazes no particular e no geral: não são subsistemas de um só sistema; são organismos pautados por vaidades pessoais e nenhum senso profissional; são estanques em seus nichos originais e só interagem em fingimento. Se a sociedade não acordar num pulo e tentar mudar isto, ao fim e ao cabo o Mal triunfará do Bem!

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