sexta-feira, 16 de novembro de 2012

MEU ENIGMA EXISTENCIAL

“Ser ou não ser, eis a questão” (William Shakespeare)* 


Bastaria existir a Via Láctea no inexplicável Universo para caracterizar o absurdo da existência humana no planeta Terra. Porque todos os conceitos existenciais esbarram primeiramente nesta invencível constatação do absurdo; e, mesmo que tudo seja irrealidade, e que a existência humana seja uma ilusão, nós, mortais e supostamente pensantes, insistimos em distinguir o natural do sobrenatural ignorando o primeiro por ser complexo e cultuando o segundo muitas vezes por imitação de ideias alheias singelamente postas como revelações ou especulações filosóficas. Olvidamos o natural também porque a ciência e a filosofia não ultrapassaram o limite do “só sei que nada sei”. Resta-nos então o sobrenatural como via de escape; mas quando nos remetemos a ele em profundidade, vemo-lo tão incrível quanto o natural. Alenta-nos, nesta hora de difícil opção, a Fé na existência de uma Entidade criadora do Universo, ou de Multiversos, tanto faz. Mas o absurdo insiste em nos atordoar, e nem sempre a Fé em Deus o supera. Sorte daquele cuja Fé é capaz de transpor todos os absurdos imagináveis e inimagináveis. 

Tornando ao enigma, (quase um dilema?), imaginar que o Universo sempre existiu ou que teria nascido de um Nada, sem intervenção divina, não dirime a dúvida fundamental, e cá estamos, ainda, diante do absurdo. Demasiadamente enigmático é conceber esse Nada anterior à criação do Universo e aceitar como verdade insofismável a existência de uma Entidade criadora fora desse Nada representado pela ausência de tempo, de espaço, de energia, de matéria, e de... Essa Entidade, claro, é o nosso Deus ocidental, ou são as Entidades com outras denominações mundo afora. Cada qual com sua “verdade revelada”... Enfim, qualquer via de escape sobrenatural nos leva também ao absurdo e nos trancafia no maior de todos os absurdos: o da nossa existência por obra de Deus. Não crer na Criação é absurdo! Crer na Criação é absurdo! Enfim, só nos é dado crer no absurdo ou nos entregarmos a uma Fé tão convicta que dispensa absurdos. 

Pensar na existência humana a partir da Criação significa aceitar a racionalidade diferenciadora dos animais e dos vegetais e crer em Deus. Tal posicionamento me parece menos absurdo do que crer na Evolução a partir de um big-bang cuja teorização somente tem servido para afagar egos científicos ou filosóficos muito além do entendimento simples dos povos da Terra... Hum, que racionalidade é esta a que me refiro? Será que é a que conduz esta reflexão sem pé nem cabeça?... Mas como saberemos, enfim, se realmente raciocinamos? Quantos movimentos repetitivos executamos enquanto supostamente raciocinamos? Por que há tanta semelhança biofísica entre humanos e animais? Como negar tantas outras similitudes orgânicas entre seres humanos e animais? Bem, a diferença estaria no exercício da razão, apenas, porque a emoção afeta também os animais, que se manifestam nem sempre de modo repetitivo. Ora, a emoção afeta o nosso corpo físico e psíquico, sim, e a repetição dessa emoção é comum aos humanos e aos animais. Ou seria outro absurdo?... 

Hoje a mecânica quântica absurdamente assegura que a pedra pensa. Também Heidegger dizia que a existência humana é uma “coisa”, tal como a pedra é uma “coisa”... E agora? Que dizer disso? Será que os cientistas e os filósofos enlouqueceram? Não, não enlouqueceram, somos todos nós nada mais que átomos a transmigrarem de um para outro corpo mineral, vegetal ou animal ao longo de sua existência, seja efêmera ou eterna. Sim, para o átomo não há contagem de tempo. Aliás, tudo que existe apenas representa o que conceituamos em relação ao que sentimos ou não sentimos, bem como imaginamos que as demais coisas ou pessoas sentem ou não sentem. É tudo, afinal, clichê de comunicação repetitiva, tal como fazem os animais para se comunicar: abrindo asas, balançando rabos, emitindo sons etc. 

Vivenciamos um mundo absurdo. Praticamos o absurdo desde o nascimento até a morte, com ressalva de que no prelúdio de nossas vidas comemos e borramos como quaisquer animais irracionais. Sim, somos instintivos na maior parte do tempo, este que aparentemente nos transforma em seres pensantes, embora saibamos que tudo no início é imitação, e é como nos comportamos: imitando o outro até a morte. Claro que um médico pensa diferente de um engenheiro, se quisermos raciocinar com diferenças. Mas fundamentalmente são seres humanos forjados do modo de sempre no mundo animal (racional e irracional). Mas, se o animal não pensa em nada, também nós, humanos, evitamos pensar no absurdo de o nosso planetinha gravitar num sistema tão minúsculo em relação à Via Láctea que nem dá para imaginar que são bilhões de bilhões de Galáxias no Universo infinito. Ah, quem somos nós?... Seremos, afinal, dejetos cósmicos do fim da linha da evolução universal?... Ou fomos criados à imagem e semelhança de Deus?... 

Com efeito, não há como não descambarmos para o espanto ante o absurdo. E talvez o maior de todos os absurdos resida no fato de nos situarmos dentro de nós mesmos e nos deliciarmos com o que designamos subjetividade. Mas, será que nos deliciamos de verdade?... Ora bem, vemos coisas e pessoas e as distinguimos segundo a nossa aparente vontade. E parece que é o que nos basta, até que miramos o céu distante e nos damos conta de nossa insignificante pequenez e de nossa absurda existência... Bem, não posso negar certa angústia por existir nesta vida e neste mundo, se é que efetivamente existo. Espanta-me o absurdo da ignorância a que somos submetidos, crendo ou não crendo; e mais ainda me espanta a arrogância e a crueldade dos seres humanos, embora certos de que, humildes ou arrogantes, tornar-se-ão pó de estrela tais como no início de tudo... 


*
“Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre 
Em nosso espírito sofrer pedras e flechas 
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, 
Ou insurgir-nos contra um mar de provações 
E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais. 
Dizer que rematamos com um sono a angústia 
E as mil pelejas naturais-herança do homem: 
Morrer para dormir... é uma consumação 
Que bem merece e desejamos com fervor. 
Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo: 
Pois quando livres do tumulto da existência, 
No repouso da morte o sonho que tenhamos 
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita 
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios. 
Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo, 
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, 
Toda a lancinação do mal-prezado amor, 
A insolência oficial, as dilações da lei, 
Os doestos que dos nulos têm de suportar 
O mérito paciente, quem o sofreria, 
Quando alcançasse a mais perfeita quitação 
Com a ponta de um punhal? 
Quem levaria fardos, 
Gemendo e suando sob a vida fatigante, 
Se o receio de alguma coisa após a morte, 
– Essa região desconhecida cujas raias 
Jamais viajante algum atravessou de volta – 
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos? 
O pensamento assim nos acovarda, e assim 
É que se cobre a tez normal da decisão 
Com o tom pálido e enfermo da melancolia; 
E desde que nos prendam tais cogitações, 
Empresas de alto escopo e que bem alto planam 
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo 
De se chamar ação." 


(Tradução de SILVA RAMOS, Péricles Eugênio da. Hamlet, Editora Abril, 1976)

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Esse enigma é todos nós. Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos em busca de respostas que nem sempre nos satisfazem.
Vemos várias religiões com doutrinas diferenciadas, causando mais dúvidas ainda na cabeça do pobre mortal; ou seria imortal?
Vemos filósofos e pensadores famosos que se contradizem, transformando a razão em pura emoção.
Atualmente tenho visto vídeos de palestras de Laercio Fonseca, cujos temas são bastante interessantes e enigmáticos.
Esse cara é ex professor de física da USP e sugiro que deem uma olhada, não há nada a perder, muito pelo contrário . Podem começar por "Asthar Sheran", com a mente bem aberta e desprovida de preconceitos. Particularmente achei muito bom e creio que valerá a pena.