terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sobre a opinião pública e a opinião publicada


Lembra-me aqui o mestre da Comunicação, David K. Berlo (vide internet), a dizer em outras palavras que ninguém se comunica sem a intenção de influenciar. A assertiva é de natureza geral, e a meu ver até poderia ser estendida aos animais, que também se comunicam, claro que com o escopo de atender aos seus instintos. No caso dos seres humanos, a comunicação intencional é inegável, e quem não se comunica para influenciar é distraído ou insano. Mesmo assim, muitas vezes o insano intenciona algo a seu modo estranho. Enfim, se de um lado há a fonte da comunicação, do outro há o receptor a aceitar ou rejeitar a mensagem. Funciona mais ou menos como o tiro ao alvo: há erros e acertos, mas ao fim e ao cabo o alvo é atingido em cheio, a não ser que o atirador seja míope ou cego. Mas até nesse extremo é possível aventar a possibilidade de o atirador cego acertar casualmente o alvo... 

Nesse campo de complexidade se encontram a opinião pública e a opinião publicada, esta que se faz passar pela primeira ou nela se escora sem delongas. A opinião publicada seria uma espécie de metralhadora giratória com munição à vontade para gastar até alcançar seu alvo. E quando o alvo é a multidão, somente alguns projéteis se perdem no ar. Porque muitos atingem os multivariados alvos que compõem o universo que se chama público. Daí então a opinião publicada passa a ser “opinião pública”, mera abstração que a imprensa insiste em concretizar quase que ao modo Goebells (“Uma mentira repetida mil vezes vira verdade.”). Digo quase para não ser tão grosseiro a ponto de descrer na possibilidade de a sensibilidade jornalística alcançar e reproduzir um latente senso comum, aquele “óbvio ululante” modelado pelo mestre Nelson Rodrigues. Por exemplo, é “óbvio ululante” que o brasileiro torce para que a seleção pátria vença o jogo, assim como é óbvio que qualquer multidão está adrede condicionada por algum senso comum que a diferencia da aglomeração, que é multivariada e dispersa mesmo sendo por vezes numerosa (passageiros de ônibus, de trem, de barcas etc.). 

Um exemplo de opinião pública poderia ser resumido na pesquisa por amostragem significativa. Mesmo esta, porém, muita vez falha ao ser confrontada com a realidade, como ocorre nas eleições em que um candidato disparado nas pesquisas culmina na rabeira das urnas. Portanto, a conclusão é a de que não há opinião pública que não se apresente questionável, claro que considerando as exceções a esta regra, pois às vezes a opinião pública se materializa conforme as pesquisas de campo. Já a opinião publicada, que não ultrapassa a realidade da opinião de algum veículo de comunicação ou de alguns jornalistas de renome (autoridades no assunto), nem sempre reflete a realidade do ambiente no primeiro instante do disparo da metralhadora giratória. Mas depois de um tempo, e de tantas e tantas rajadas, uma coisa se torna outra por contágio emocional. 

Bem, talvez eu esteja refletindo sobre o “óbvio ululante”. Afinal, quem não conhece o senso comum da torcida do Flamengo em estádio lotado?... Ocorre que a comunicação disparada visando a influenciar o público costuma levá-lo ao comportamento delirante. Vale o exemplo para o marketing a promover um produto de uso generalizado ou específico (público-alvo). Tanto faz, o efeito é o mesmo, a influência acontece e o produto é comprado quase que instintivamente. E como o processo de influenciação é de efeito imediato e efêmero, ele não pode parar. Vejamos o famoso slogan “Beba Coca-Cola”, que é veiculado faz décadas e jamais sai da mídia. Se não for maciçamente veiculado, o público simplesmente o esquece e o substitui por outro similar. A marca não pode sumir da mente e do emocional coletivo. É pelo mesmo motivo que são incontáveis as marcas denunciadoras da “qualidade” de algum produto, bastando lembrar aqui os logotipos dos automóveis independentemente dos modelos: é tão forte o símbolo que sabemos até que país fabrica determinado carro. 

Ora bem, é assim que o mundo globalizado funciona, e os meios de comunicação de massa relevam em importância neste mundo por atenderem ao princípio fundamental da disseminação de ideologias e dogmas, de conceitos e preconceitos, do sim e do não, do certo e do errado, do bem e do mal, enfim, do que bem entenderem os especialistas, bastando para tanto o uso criterioso das técnicas de convencimento. É neste mundo que inegáveis vilões são alçados à condição de heróis e autênticos heróis são rebaixados à condição de vilões. É neste mundo que reputações ilibadas são destruídas e finórios enricam com fama de honestos, tudo nas barbas do público, que os exalta em vista dos efeitos midiáticos, falsos, porém enaltecedores de suas inexistentes qualidades. É neste mundo que o povo, expectador distante, é persuadido por meio da mídia visual e auditiva ou pelo contágio interpessoal a partir de grandes concentrações populares devidamente programadas com um objetivo secundário tornado principal só para reuni-lo (povo), como acontece nos comícios precedidos de gratuitos megaeventos artísticos (panis et circences).

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Desde a minha infância ouvi meu velho pai, que está lúcido e saudável nos seus 85 anos, dizer o seguinte: "O povo gosta de ser massa de manobra". Eis aí uma verdade muito bem exposta neste texto e nas palavras do sr Renato Xavier.
Lembro-me que no meu período de fumante, entre 1972 e 1990, ainda não era proibido a exposição de outdoor com comercial de cigarro nas rodovias e em qualquer viagem eu fumava três vezes mais que o normal devido àquelas placas enormes induzindo o fumante a instintivamente meter a mão na carteira, puxar um cigarro e levá-lo à boca. Menos mal que esse tipo de comercial para cigarros foi proibido.
Outra prática comum é a que se vê nos períodos pré- eleitorais, quando jornais são distribuídos gratuitamente por toda a cidade; geralmente são jornais nos induzindo a votar em determinado candidato, ainda que de forma bem dissimulada.
Hoje com o avanço tecnológico em que se tem acesso a quase tudo, cada vez mais nos empurram goela abaixo muita coisa que não nos serve para nada; cabe ao cidadão saber separar o que lhe é útil ou não, inclusive a informação.