domingo, 28 de outubro de 2012

O MENSALÃO

Venho acompanhando, como simples mortal, o julgamento do mal-afamado Mensalão. Dada a sua complexidade, e ante minhas limitações no âmbito jurídico-judicial-penal ou o que o valha, entender os meandros de tal fato criminoso não me é simples. Há momentos em que me sinto assistente da Corte de Haia ou de outro tribunal alienígena, de tão complexas que são as referências feitas a doutrinadores e juristas de muitos rincões de língua estrangeira. Já em outros momentos, sentindo-me estulto, concluo que os argumentos divergentes são igualmente válidos, contradição que me anula totalmente; e me frustro ante a minha ignorância por mim mesmo evidenciada. E se o sopesar, pelos dignos ministros, do indício com valor maior que prova concreta me embola a mente, mais ainda me perturbo ao perceber que a Filosofia do Direito, que fala da verdade real ou substancial, está posta num plano obscurecido para absolver ou condenar. Também ouvi pela primeira vez na vida a “teoria do domínio do fato”, posta a serviço de teses condenatórias ou absolutórias, ou seja, tudo abstrato demais e dependente apenas do poder decisório de poucas cabeças coroadas. A impressão que me dá é que estamos na Terra assistindo a um julgamento no Olimpo. 

Bem, nada demais eu, leigo de carteirinha, sentir-me impotente ante tão divinal poder, típico dos deuses inalcançáveis em suas decisões, mesmo que divergentes, não importam ao caso, vence entre eles a ponderação mais conveniente ao que diz a “opinião pública”. De resto, o clamor popular já irado é campo propício ao castigo-espetáculo que se desenrola naquele Olimpo que se põe “justo” ao absolver poucas cabeças para, agora “injusto”, condenar a maioria dos acusados. Confesso que por mim alguns dos condenados até merecem o fuzilamento, de tanto que estou impregnado pela “opinião publicada”. Porque hoje não mais passo de exaltado expectador no meio da multidão ao ver passar a carruagem dos culpados rumo ao patíbulo da morte certa. Hoje me vejo mentalmente a jogar ovos podres e pedras nos desinfelizes que passam diante de mim amarrados e prontos para a forca, a fogueira ou a adaga que lhes ceifará a vida separando bruscamente a cabeça do pescoço que a sustenta. 

Vejo na punição, porém, certa ganância dos que punem em exaurir os réus ao extremo, fatiando o julgamento de tal modo que me parece uma via crucis hodierna. Mesmo me esforçando para enxergar apenas a justiça operando contra malfeitores, não consigo deixar de supor que haja ali algum “bode” necessário ao brilho máximo do espetáculo. Sim, o julgamento do Mensalão se tornou um caminho para a cruz tão longo e penoso que hoje muitos brasileiros (tais como eu) se espantam. E duvidam de que tudo no Olimpo seja justo. Não fosse assim, tudo muito duvidoso, o PT estaria perdendo em São Paulo e o exemplo basta. Ressalva-se também a exuberância do preclaro ministro Joaquim Barbosa, hoje merecidamente herói nacional, com mais uma ressalva de que se trata do primeiro negro a alçar ou ser alçado ao Olimpus, e que um dia, agora entrando na onda da imensa maioria do povo brasileiro, sonho vê-lo presidente da República Federativa do Brasil, não apenas por sua coragem, mas pelo desafio de ser ele assumidamente negro. 

Um negro no STF, em outros tempos, soaria como absurdo. Hoje, depois de o negro Barack Obama presidir os EUA, lá a cor da pele não significa nada mais que cor da pele, talvez nem tanto em relação aos migrantes asiáticos e latinos. Sim, o Brasil precisa de um negro na presidência para que o branco, principalmente, acostume-se à ideia de ser governado e administrado por negros. E um dia não mais haverá a necessidade de falsos privilégios aos negros para ocultar a real discriminação de que a raça negra é vítima no Brasil, com raras exceções, como a do nosso herói, ministro Joaquim Barbosa, negro saído das camadas mais simples desta nossa sociedade escravocrata para entronizar-se a si no Olimpus, não sem um hercúleo e meritório esforço. Portanto, não me importa se não entendo o julgamento do Mensalão, se creio ou não nos argumentos jurídicos de uns em contraposição aos de outros, confundindo-me mais que esclarecendo. Sim, nada disso me importa. Sei apenas que a História do Brasil, – gravada na literatura por negros como Lima Barreto, Machado de Assis e muitos outros, literatura hoje relegada às piores prateleiras das livrarias nacionais ou inexistente nelas, – sei apenas que a História do Brasil será outra num futuro próximo. 

Não pelo fato de o STF condenar um ou outro membro de partidos políticos. Afinal, há maçãs podres em todos os cestos... Mas por instituir a certeza da punição do “caixa dois” de campanhas políticas milionárias em que candidatos apostam um máximo gasto para depois perceberem um valor mínimo... Ah, isto não pode ser por idealismo nem por amor ao poder! É um descarado investimento do dinheiro alheio que se tornará pessoal na futura divisão de delicados onde os ricos ficam mais ricos, arrastando para a riqueza seus pupilos eleitos, e os pobres ficam mais pobres. Incrível que não é difícil constatar o enriquecimento ilícito de algum político de carreira que, sem sair do parlamento a não ser para ocupar cargos executivos de remuneração delimitada, consegue se tornar milionário. Ah, falei de um, mas são muitos!... E tudo acontece porque os burocratas enricam da mesma forma, o que dá realce ao indômito ministro negro que preferiu vencer pela austeridade e que por meio de um processo criminal julga e condena não apenas meia dúzia de réus, mas a cultura da corrupção a dilapidar de todas as formas o erário público nacional. Mas... 

... Mas a realidade é que não é fácil derrotar a maquinaria estatal brasileira viciada de berço. Preocupa-me, pois, o excesso de euforia alardeado no mundo virtual e propagado pelos meios de comunicação como “favas contadas” o “resgate da cidadania” a partir da condenação de poucas dezenas de acusados por crimes que hoje se praticam no país do Oiapoque ao Chuí. Crer nisso como produto final capaz de mudar o Brasil é o mesmo que acreditar em Papai-Noel. Claro que o pessimismo não desmerece o fato histórico. Entretanto, pior ainda é o ufanismo sem pé nem cabeça de extremistas ou ingênuos. Preferível é aguardar e ver como ficará o Brasil daqui a alguns meses. No meu entender, pouco ou nada mudará, apenas ficará marcada como benfazeja a atuação de um ministro negro que obriga aos brancos dele sentir orgulho. Sim, é bom que se diga que ele é negro, pois a afirmação da raça neste Brasil preconceituoso e discriminatório contra os negros é urgente e necessária. Ah, em tempo, eu não sou negro.

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