sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Para refletir e comentar



No complexo mundo jurídico das doutrinas, jurisprudências e quejandos existe a máxima de que o direito só se aplica onde um fato está posto de modo absoluto. Mas como no universo inegavelmente quântico tudo é relativo, nada é absoluto, situando em campos opostos os físicos Albert Einstein e Isaac Newton, não há como também negar que vivemos num mundo de sim e não, de positivo e negativo, o mundo da moeda de dois lados a despertar a cobiça humana. Dentro desta lógica (ou antilógica) é que podemos reafirmar nosso espanto relativo ou absoluto ante o fato de que o estado, criado pela sociedade para protegê-la, é seu maior déspota. 

Essa transferência do monopólio do uso da força do cidadão para o burocrata estatal perdeu o freio faz tempo, de tal modo que o estado se tornou opressor até nas melhores democracias mundo afora. O pretexto é o de sempre: proteger a sociedade e o cidadão, pior ainda aqui, nas plagas tupiniquins, onde o estado existe para se proteger e proteger suas instituições, como se infere do título constitucional ("Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas"). No Título V da Carta Magna não se fala no cidadão a não ser como corresponsável por esta segurança pública integrante do sistema de defesa do estado e das instituições, não sendo ele, cidadão formador da sociedade, o destinatário principal do sistema de defesa estatal. 

Talvez seja com esta a lente de duplo sentido que devemos ampliar o excelente artigo em comento. Confesso que o eminente autor costuma sempre me irritar com suas críticas à polícia. Não sei se é preconceito meu por ser ele alienígena ou por ele criticar em excessiva severidade o aparato policial do qual, corporativamente, faço parte, o que também me põe no foco da culpa. Mas não lhe posso negar importância, sua polêmica é deveras instigante, e por isso aqui estou sugerindo o aprofundamento da ideia dele sobre a legalização do jogo do bicho, mero jogo de azar (fato) como qualquer jogatina oficializada (fato). Ambos, portanto, deveriam ser proscritos ou abraçados para pôr fim à dubiedade. 

 Nem me refiro às insinuações (verdadeiras) do autor do texto sobre a corrupção policial e política, até porque nada garante que a jogatina de azar oficializada não deva gerar também negócios escusos no seu desdobramento num sistema de corrupção mais amplo. Daí ter (ou não ter) lógica legalizar o jogo do bicho, trazendo para o mundo oficial aqueles que atuam na jogatina informal desde os tempos bíblicos. Porque o pressuposto de que a legalização vai beneficiar os agentes (contraventores) que bancam ou escrevem pules é irrelevante ante o benefício maior de jorrar luz por igual sobre uma prática milenar que o estado descaradamente dela se utiliza para fins tão obscuros, ou cruelmente transparentes, quanto o fazem os particulares. Que a legalização venha, então, gerar luz como explosão de estrela nova!... 

Bem, vou parando por aqui. Deixo ao leitor um caminho asfaltado para suas críticas viajarem, não sem antes reafirmar minha certeza no sentido de que não existe verdade alguma no mundo, mas apenas aparências (é na aparência que está o belo!). É o que vê no STF: argumentos contundentes absolvendo ou condenando os réus (mortais) a partir da douta avaliação de um mesmo fato sobre o qual os eminentes ministros (imortais) jorram luzes estelares multicoloridas em eloquência que até um simples mortal pode ouvir e ver em tempo real (ou irreal, pois não existe "tempo", mas "espaço-tempo"). Nada demais, sempre assim caminhou e caminhará a humanidade na bolinha que viaja vertiginosamente pelo universo infinito, enquanto ela, a bolinha, gira em torno de si e do sol sem que imortais e mortais tangenciem em direção ao nada absoluto e ao Juízo Final presidido pelo Deus único criador da gravidade que nos prende a nós à bolinha como se fosse prisão, sendo a morte, talvez, a liberdade dos céus ou a prisão dos infernos em eternidade absoluta, sendo certo que o plural de céus e infernos pressupõe que naqueles lugares invisíveis há de haver hierarquia a impor aos espíritos puros e impuros a lei e a ordem.

4 comentários:

Paulo Xavier disse...

Confesso que gosto de fazer uma fezinha nos jogos da Caixa, já tendo ganho um dinheiro suficiente para quitar as prestações do financiamento de um automóvel e ainda sobrado algum; quanto ao jogo do bicho, evito até passar por perto pois já tive problemas demais com esse tipo de jogo.
Os nossos legisladores, juristas, autoridades da área de segurança pública e também o povo, de ontem e de hoje, discutem esse assunto da legalização do jogo do bicho desde a sua invenção pelo Barão de Drumond em mil novecentos e antigamente e não se chega a um consenso e dificilmente se chegará.
Tenho uma ligeira desconfiança que sei o motivo de ninguém querer tocar nesse assunto tão polêmico; só não posso falar aqui, porque nesse caso, vale o que está escrito, e eu posso me ferrar novamente.
Parabéns Cel Larangeira pela ousadia de tocar num assunto pra lá de polêmico. A estrada é pavimentada e longa, mas é preciso dirigir com cautela!

Emir Larangeira disse...

Caro Paulo Xavier

Desde muito tempo, Manuel Lopez-Rey, juiz espanhol aposentado e importante estudioso do crime, esgotou o assunto. A lógica dele é simples: quanto maior o número de tipificações, mas crimes. Isto resume o crime como fenômeno sociopolítico, ou seja, a sociedade rotula os crimes e, deste modo, produz e reproduz novos criminosos. Vale a lógica para a contravenção, o que nos permite concluir que não legalizar o jogo do bicho é hipocrisia pura. Na verdade, o Estado é que não quer concorrente particular. Manter os contraventores, então, sob o crivo da lei, é conveniente e oportuno. Ora, vivenciamos um paradoxo no nosso país. Há um forte movimento no sentido de descriminar as drogas, não num sentido claro de livrar o usuário de sanções, mas de facilitar o tráfico. O jornalista Reinaldo Azevedo vem denunciando tal manobra no blog dele vinculado à Revista VEJA. Se há coragem para mais, por que não para menos?... Sem falar que a legalização do jogo do bicho seria um fator a menos na vasta lista motivacional da corrupção policial.

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Lembro-me perfeitamente, nos idos dos anos 80/81/82, a cidade de Niterói vivia um clima de insegurança enorme principalmente no centro onde assaltos e furtos a comércio e transeuntes, furtos de veículos e tráfico de drogas se destacavam nas ocorrências policiais. Policiais Militares e Civis se desdobravam no combate ao crime e aos criminosos e de repente apareciam umas ordens superiores priorizando a prisão de bicheiros, a maioria idoso sem condição de fazer outra coisa e lá se passava várias horas numa DP registrando uma ocorrência enquanto o crime na cidade evoluia . Resumindo, até hoje eu não consigo entender...

Emir Larangeira disse...

Resumindo, esse é o interesse do sistema situacional contraventor, que não quer concorrente. Daí manter proscrito o jogo do bicho. Como se os jogos de azar oficiais não fossem tão de azar como o jogo do bicho. Para tanto, conta a burocracia estatal sugadora de dinheito do povo com a passividade da sociedade. Cá entre nós, o povo pátrio tem o político que merece, a polícia que merece e os burocratas que merece!