quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O MENSALÃO


Quem já foi ou é injustamente réu sabe do máximo desgaste físico e psicológico que isto representa independentemente do resultado do processo criminal. A começar pela forma como um inocente é levado às barras dos tribunais: é denunciado pelo Ministério Público em texto afirmativo de sua “conduta criminosa” (sem aspas), não cabendo nada mais ao MP a não ser tentar esclarecer no processo, sem pejo ou culpa punível, se sua veemente imputação ao réu é falsa ou verdadeira. O MP parte da premissa de que a acusação não pode ser duvidosa; em contrário, deve ser assertiva, mesmo que ao fim e ao cabo conclua, geralmente “lamentando-se”, não ter logrado provar nada contra quem tão veementemente acusou. 

Esse exagerado poder acusatório funda-se na impunidade do acusador, mesmo que seja ele leviano e faça da profissão um ato de má-fé. Igualam-se todos os membros do MP, ao acusar, aos mais tiranos reis e príncipes, por não terem a mínima obrigação de se desculpar quando erram em suas “teses” levadas aos tribunais para condenar pessoas que culminam inocentadas. Na verdade, essa cultura acusatória em pouco ou em nada difere das medievas práticas inquisitoriais que deliberavam antes sobre o alvo das acusações e depois a tortura garantia a confissão da culpa, pois os réus preferiam morrer para sofrer menos. 

Num contexto desfavorável ao acusado, seguia então a caravana até o patíbulo, com o infelicitado apupado por multidões que ainda hoje clamam pelo espetáculo da punição em insanidade coletiva (Panis et Circenses). E o castigo-espetáculo cumpria a finalidade de jorrar culpabilidade sobre o escolhido entre o povoléu, ficando os poderosos bem distantes da punição, salvo as raríssimas exceções em que a Igreja confrontava reis e príncipes em contenda entre “divinos”. Daí algumas vezes pagar com a morte o lado mais fraco nos argumentos e, principalmente, nas armas. Nem é preciso esclarecer o porquê de a Igreja organizar as Cruzadas e os reis e príncipes manterem seus exércitos... 

Neste campo movediço entre o virtual e o real atua o Ministério Público e a Justiça, sistema estatal burocrático que se situa sempre no pico de pirâmides sociais menores e maiores, sendo a maior delas o Supremo Tribunal Federal (STF). E nesta ascensão de poder concentrado em alguns se chega finalmente ao poder de um, tal como no MP o poder sobe até a denúncia, intocável em todos os sentidos, não importando se direcionada ao cidadão erradamente réu. Conserta-se isto depois ou pune-se, aí concretamente, como resultado de interpretações subjetivas e, portanto, contraditórias. É a velha contenda entre o fato e o direito postos em dois pratos da mesma balança sem dispensar os pesos e contrapesos e os dissimulados dedinhos... 

No nosso mundo de aparências, as ilações irracionais predominam, as vaidades afloram, dando à decisão certo aspecto de vingança. E os ânimos se exacerbam entre a fraca defesa e a poderosa acusação, principalmente quando o detentor da principal parcela de poder, no caso o juiz titular do processo em instâncias menores, – ou os relatores nas instâncias superiores, – são oriundos do MP. Porque as decisões decorrem da cultura individual daqueles que decidem. Por exemplo, um promotor de justiça nascido e criado em meio a práticas impunes de acusar sem provas, ao ser alçado à condição de juiz por um viés político leva consigo sua bagagem de acusador. Daí não ser muito difícil perceber a diferença entre um juiz, que antes foi defensor, de outro cuja vida se desenrolou nos escaninhos do MP. Porque na sua bagagem ministerial seguem as amizades de anos com seus pares, e o corporativismo está enraizado, sem essa de descontaminação na passagem de uma condição a outra. 

Na ânsia de condenar, o juiz egresso do MP é contemplado com epítetos até mesmo institucionais, como as “Câmaras da Morte” (Câmaras Criminais) compostas por magistrados oriundos do MP, novamente sem essa de que lidamos com semideuses puros e justos, pois nem os deuses e semideuses são justos, mas antes se iravam ao extremo em muitos casos mitológicos. Quanto ao Deus verdadeiro e único, o Maior Juiz de todos, dependemos de morrer para saber se finalmente o joio será separado do trigo. Torçamos e oremos... 

Nesta areia movediça, os cidadãos se tornam réus e são imediatamente apupados pela opinião publicada, que, ao modo Kane, se basta na denúncia ministerial para danificar reputações. Sabe que nada pagará por suas especulações jornalísticas, pois o compadrio entre o acusador e o difusor é tão evidente quanto descarado. Deste modo, nada sobra ao réu a não ser o sofrimento dissimulado num tal “direito” que os aplicadores da lei lhe garantem: o de se defender com unhas e dentes sob o ataque permanente do acusador, sistema desleal que põe o MP ao lado do juiz e a defesa numa posição nitidamente inferiorizada. 

Num ambiente assim, pouco ou nada democrático, – porque demasiadamente teórico, – os brasileiros são levados a julgamento. E muito vale o primeiro impacto da denúncia, sempre amplamente difundida, e nada vale o resultado absolutório posterior, que não merece difusão, isto não interessa a ninguém, o desgraçado não podia se safar, está errado, o certo era condenar para gerar mais notícia. 

Enfim, o acusado deve ser enforcado sob aplauso popular para confirmar o Panis et Circenses que comanda a humanidade ontem, hoje e sempre, determinismo social bem mais poderoso porque, segundo o entendimento quântico, o homem social (malicioso e impuro) não passa de holograma do homem natural (inocente e puro), este sempre perdedor em confronto com aquele. Ah, deste modo irreal em que a verdade é posta na mesa, ao fim e ao cabo todos são impuros – réus, acusadores, julgadores e formadores de opinião (onde também me incluo sem hipocrisia). Com efeito, não há como separar o joio do trigo. Que venha o Juízo Final para que os bons e puros vençam os verdadeiramente ímpios!... 

Mais orações...

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