quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre a segurança pública: muita teoria sem utilidade prática



Embora crítico por natureza, não me considero detentor de nenhuma verdade absoluta. Nem relativa... Não sou dono de verdade alguma, mas vejo no questionamento uma forma de esclarecer as minhas dúvidas e provocar a reflexão alheia, de modo que me retorne algum ensinamento. Tenho sido assim desde pequetito e creio que, aos 64 anos, não mudo mais. Acontece que, por ser um questionador até impertinente, muita gente não me compreende e passa a me detestar sem que eu o perceba. É o preço que pago por ser generalista e golpear com ideias contrárias pessoas que nem conheço. Sim, gosto muito de penetrar nas lacunas, nos desvios, nas dúvidas, para tentar compreender o todo do que não aceito ou não entendo. Deste modo, ganho mais que perco e me liberto do tom pedantesco, dogmático e ideológico dos que roubam ideias de terceiros e grafam-nas como próprias. Ou então escrevem elogios superpostos à opinião de famosos, aproveitando a convergência para afagar a vaidade do autor e ter a sua própria vaidade suprida, eis que publicada a reboque da outra.
Sinto-me, muitas vezes, como um trem tentando sair do trilho que me é imposto em bitolas infalíveis. Claro que, de quando em quando, descarrilo... Contudo, não desisto e torno ao trilho, todo amassado pelo tombo, acrescentando alguma nova experiência existencial aos meus arranhões inevitáveis. Na verdade não me acho desse mundo. Não me rendo a dogmas ou ideologias. Nem ao eruditismo que se tornou moda quando o assunto é segurança pública. Sou livre, totalmente livre. Bato asas e voo por qualquer motivo ou sem motivo. Sou também um racional chorão, ou apenas sentimental, não sei. Vivo as emoções com ardor e detesto a tristeza e a cobiça: gêmeas univitelinas. Amo o amor e odeio o ódio. Por isso há quem não me entenda; nem eu mesmo me entendo quando me recuso a guardar rancor dentro de mim. Prefiro a indiferença, o esquecimento, voltando-me para coisas intrigantes, ou seja, torno a ser o trem rebelde a tentar sair novamente do trilho. Estarei louco?...
Talvez... Talvez... Embora esse estado de loucura me pareça regra geral da coexistência humana, efeito dos perigos que nos rondam ameaçadoramente, das ruas escuras em noites de tormenta e apagão, de imagens televisivas mostrando a desgraça dos miseráveis morrendo nas macas dos corredores hospitalares. Sinto-me louco ao observar as irresponsabilidades anunciadas ao contrário do que vemos, ou seja, que a saúde pública está ótima, que os investimentos na saúde nunca neste país foram tão volumosos. E observo a elegância do irresponsável falante contrastando com os farrapos dos miseráveis que a ele compete cuidar. Vejo a qualidade do relógio de pulso dele tremeluzindo descaradamente seu absurdo valor; vejo a gravata italiana recortada em seda individualizada; vejo grifes banalizadas nas vestes das autoridades hábeis em floreios eloquentes; vejo a realidade cruel se tornar ficção maravilhosa num toque de mágica, porque a feia imagem pouco antes retratada é substituída pela motivada fala do entrevistado, dando-me a impressão de que não vi desgraça alguma. Enfim, vejo o caos social alterado para um “paraíso celestial” e me sinto confuso, como se nadasse num turbilhão de solecismos. Sim, devo estar louco!... Ou cego!... Ou burro!
Quando leio alguma tese sobre segurança pública publicada aqui, ali e acolá, assusto-me com as relações que seus autores fazem com modelos econômicos neoliberais, neoconservadores, neorrepublicanos e demais “neos” que nada acrescentam e mais confundem o pobre-diabo do leitor. Falam em “polícia de proximidade”, alguns reclamando que até o para-brisa da patrulha “prejudica a interação polícia-povo”, num romantismo dos anos cinquenta que me põe a imaginar loucuras. Associam a criminalidade crescente às expectativas de consumo das massas estimuladas pelo marketing e pelo merchandising. Fico cismado com essa ideia fixa de alguns que ser pobre é precondição do criminoso, pois a restrição ao consumo material fortalece a vontade de o indivíduo cometer crime para saciar sua sede de consumo. E fico estonteado ante a realidade que meus velhos olhos assistem diariamente na telinha da tevê: bandidos formados em grupos paramilitares, armados com fuzis de última geração, de um lado, e policiais indefectivelmente armados com os mesmos fuzis pelo Estado, do outro, transformando em inferno a paisagem dos confrontos ou da iminência deles em beiradas de favelas. Ah, creio que estou louco, tresvariado, em transe maníaco-depressivo, não pode ser realidade, mas ficção o que assisto na tevê e leio nos jornais: uma trágica guerrilha urbana dissimulada em ação policial, e tresvario quando leio teses supostamente acadêmicas afirmando que tudo é culpa do modelo político, ou econômico, ou social, ou sei lá mais quê, desde que seja “neo” (novo, moderno etc.).. Enquanto isso...
Enquanto isso... Há um invencível caos na segurança pública nacional, regional e local, calamidade social conhecida como “banditismo urbano e rural”, que pertence à sabença doutrinária da Defesa Civil. Atribuir causas remotas ao crime, quase que apelando para oráculos e adivinhos, embora o sabendo tão eternizado como o amor e o ódio, ou seja, como inevitável sentimento inerente ao ser humano, no meu modestíssimo e não erudito saber é perda de tempo. Mas, para não dizerem que divago sem amparo conceitual, prefiro me escorar nas sérias pesquisas do jurista espanhol e professor de Criminologia Manuel López-Rey e concluir pela visão do crime como “fenômeno sociopolítico”, cabendo à sociedade rotulá-lo conforme sua cultura e penalizá-lo conforme sua vontade direta ou representada. Daí, como as sociedades vivenciam culturas diversas, que cada uma delas busque suas soluções para conter o avanço do crime e seus desdobramentos. Para tanto, porém, é necessário aceitar determinada conduta individual ou coletiva como criminosa, tipificá-la e estabelecer a punição. O que não deve acontecer, – e aqui no Brasil tornou-se moda, – é o Estado vigiar indiscriminadamente o cidadão para puni-lo até na distração, como no caso das tocaias eletrônicas de controle de velocidade (“pardais”), enquanto os bandidos que a ele, Estado, cabe atalhar, furtam, assaltam e matam impunemente. O que a sociedade não deve aceitar e reagir é ao controle social excessivo, decorrente do cruel princípio de que todo cidadão é fundamentalmente mau e precisa ser vigiado para ser punido, como reclama Foucault em sua vasta obra filosófica, especialmente no seu estudo intitulado Vigiar e Punir. É aviltante, sim, a gente chegar num lugar qualquer, público, e dar de cara com um rostinho malicioso a lhe dizer: “Sorria, você está sendo filmado”.




É impressionante a imaginação dos que teorizam a segurança pública objetivando infalivelmente a apontar suas causas e efeitos. Fazem-no em demasia, enfiam-se em conceitos enviesados, esbanjam cultura inútil pondo referências bibliográficas maiores que o texto, enquanto a simples realidade é a dos tiroteios e das mortes dos confrontos policiais superando recordes de confrontos bélicos assim reconhecidos pela ONU de tão graves que o são. Falo do Rio de Janeiro, claro, mas poderia citar outros lugares brasileiros ou me reportar ao México (tendência natural do Brasil), salvo engano meu por já estar demente. Porque há seminários, congressos e outros debates majestosos e não vejo ninguém questionar a ilegalidade da FNSP (Força Nacional de Segurança Pública). Não discuto sua utilidade, embora seja discutível, e, por burlar a Carta Magna, sua criação tenha sido tendenciosa. Por sinal, para mudar a estrutura da segurança pública a discussão se deveria centrar no título constitucional que a legaliza da forma errônea como lá está, demais dos vieses encaixados em outros artigos atendendo à desconfiança da União em relação aos Estados Federados; e, principalmente, à desconfiança no cidadão, sujeito da democracia representativa, porém situado num segundo plano em favor da “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas” (Título V da CRFB). Por quê? Por que não está na Carta Magna um título igualmente magno: “Da Defesa do Cidadão e da Sociedade”?... Ah, devo estar louco, mesmo! Ou sou muito burro ao crer que a Carta Magna ainda apita alguma coisa neste país anômalo!...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

São 5 horas da manhã, estou de stand by no meu trabalho, quando poderia estar em casa com minha família, recém aposentado, com rendimento suficiente para manter meu padrão de vida adquirido após anos de luta, mas não vou parar agora, estou saudável e cheio de vigor nos meus 57 anos.
Estava disposto a não me envolver mais com coisas que eu não poderia mudar, entre elas a decadente segurança pública do meu mal tratado Estado do Rio.
De que adiantaria eu ficar emtindo opiniões em blogs, jornais on line, etc. se não vou conseguir mover uma palha, principalmente numa área onde fui defenestrado desde 1982.
Mas aqui estou eu de novo com a mesma teimosia e intrepidez que me é peculiar, embora não pareça. Faço a mesma pergunta do autor do belo texto que já li diversas vezes. Estou ficando louco? Não, Cel Larangeira, não estamos ficando loucos, estamos lúcidos por demais. Louco pra mim são os alienados, os sem sangue nas veias, os sem emoções, os sem vida própria, os sem vontade de viver. E é esse tipo de gente, os que se omitem, os que prevaricam, que fazem não somente mal a si próprio como também à sociedade, à nação,aos seus familiares. Na minha humilde opinião, o maior problema da nossa segurança pública é a omissão e a inércia de quem tem por dever de ofício, fazer cumprí-la. Costumo ser contundente com quem age dessa forma. O nome disso é covardia! Afinal, como poderia definir quem bate no peito se dizendo "puliça" mas teme o confronto, treme só de ouvir falar que vai trabalhar na rua? E a sociedade carece e aplaude o bom policial nas ruas.