segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre a “novidade” das UPPs

Expulsão e desarmamento de traficantes em favelas não são novidades operacionais na PMERJ. Há anos acontecem. Em 1989, por exemplo, enquanto comandante do 9º BPM, na Zona Norte, pude experimentar o modelo numa favela conhecida como “Para-Pedro”, ou “Comunidade da Vila São Jorge”, como preferiam os moradores de lá. Fica no bairro de Colégio, exatamente atrás da CEASA, Central de Abastecimento cuja frente é voltada para a Avenida Brasil, em frente da favela de Acari. Na época, a Comunidade da Vila São Jorge era uma espécie de “estica” do tráfico de Acari, comandado pelo famigerado Cy de Acari, então o mais poderoso traficante do RJ, responsável pela distribuição de 60% da droga consumida no RJ, segundo divulgado na mídia. Herdeiro de Toninho Turco, traficante morto pela Polícia Federal durante a bem-sucedida “Operação Mosaico”, em 1987, Cy de Acari (“mula” de Toninho Turco) tornou-se o único elo entre Colômbia e Bolívia e o tráfico no Estado do Rio de Janeiro. Preso pelo 9º BPM em setembro de 1989, em aventura que conto em livro (Cavalos Corredores – a verdadeira história) disponível no meu site (www.emirlarangeira.com.br), cumpriu dez anos de reclusão em Bangu I. Pouco tempo depois de ser solto, foi assassinado, acabando assim o seu reinado no tráfico.
Mas importa relatar é que durante a “conquista” da favela Para-Pedro e sua “ocupação” por policiamento permanente (o que hoje denominam UPP), um repórter do Jornal do Brasil, sem que ninguém soubesse, instalou-se como “morador” na comunidade por quinze dias. Deste modo independente, observou a realidade da favela sem a ostentação armada do tráfico e testemunhou a alegria dos moradores libertados do domínio de traficantes. Sua experiência foi noticiada em largo espaço pelo JB e deve ser fácil localizar a matéria junto ao referido noticioso. Importa ainda afirmar que, ao retornar o Brizola (muitos policiais deturpavam a ordem dele de a polícia respeitar o cidadão favelado para lhe tirar proveito omitindo-se...), a primeira providência do novo comandante do 9º BPM foi desativar o policiamento permanente, devolvendo a favela aos traficantes numa bandeja dourada. Pior ainda, os bandidos retornaram matando muitos moradores que acreditavam na permanência da ocupação e a aplaudiam. Pagaram com a vida o preço da efêmera cidadania. E a lei do silêncio fez o resto, e até hoje eu penso que meu “protótipo de UPP”, mesmo funcionando a contento, foi extinto porque nasceu em lugar errado...


Foto no interior da Favela Para-Pedro (TCel Larangeira e Dr. Wilson Vieira, Delegado Titular da 40ª DP)


Portanto, UPP não é novidade. Só o nome, realmente significativo, midiático em todos os sentidos. Reforça na palavra “pacificação” o seu conteúdo político, mesmo assim ambíguo, porque não se sabe que “pacificação” é exatamente essa. Em especial porque há muitos maus exemplos de “pacificação” no mundo passado e presente: Iraque, Afeganistão, Vietnã, Índia, Tibet etc. (e mesmo no Brasil, onde a “pacificação” custou a morte de milhares de índios e quilombolas). Como dizia Maquiavel, os fins justificam os meios... E agora a Faixa de Gaza talvez retrate o melhor exemplo da “profecia” embutida no primoroso “post” de Jorge da Silva (www.jorgedasilva.blog.br): “FLUXO E REFLUXO DA VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO”.
Porque não há como represar seres humanos. Um dia a enxurrada poderá ser pior que as últimas tragédias de deslizamento de terra cujos mortos não estão catalogados na exultante estatística de homicídios dolosos ou culposos perpetrados pelo Poder Público (estadual e municipais), no mínimo em razão da omissão dos seus serviços destinados a impedir construções irregulares e interditar locais perigosos antes da tragédia (o assunto não está esquecido: o Ministério Público está mui bem cobrando responsabilidades governamentais...). As centenas de mortes estúpidas em Angra dos Reis, na Capital e em Niterói são suficientes para desmoralizar essas estatísticas de diminuição de homicídios, sem embargo do fato de não sabermos em que circunstâncias (isoladas e espaciais) eles ocorreram. Só vale a comparação do tempo anterior com o tempo presente e nada mais a mídia necessita para aplaudir aqueles que lhe garantem polpudas verbas oficiais publicitárias. Ou seja, continuam a pôr o estatístico na fogueira com uma pedra de gelo na cabeça para que, na “média”, tudo termine bem...

4 comentários:

Celso Luiz Drummond disse...

Grande Emir, belo texto.
Também em 1988, durante a Operação Mosaico I e II, o COE (Coordernação de Operações Especiais)atual BOPE ocupou a Rocinha, montando até um quartel general dentro da favela, na área conhecida como fliperama II.
Uma semana antes o triunvirato da Rocinha (Naldo,Buzunga,Cassiano e Brasileirinho) em face do subto falecimento do chefe bolado, convocaram a imprensa a imprensa para anunciar a sucessão do tráfico na região. Os marginais todos nascidos e criados na comunidade após consultarem Dênis o dono do morro, elegeram Naldo como o dono das bocas.
Os traficantes convocaram a imprensa e atiraram de cima da laje anunciando que Naldo era o novo chefe do tráfico na região a imagem foi veiculada de forma incessante nos noticiários vespertinos daquela noite.
Na semana seguinte o governador Moreira Franco que estava em Portugal foi um dos ultimos a saber, ao retornar o Brasil, uma semana apos o fato ele deu ordem para a PM e o COE invadirem a Rocinha durante a madrugada de 1 de junho de 1988. Naldo e Cassiano fugiram e seriam mortos alguns dias depois num sítio, ja Buzunga trocou tiros com a polícia até ser morto pela mesma.
O COE ocupou a Rocinha e montou como ja disse um QG la dentro, alguns soldados repetiram o mesmo gesto dos marginais atirando para cima mostrando que o território agora era da PM e sofreram punições do governador.
Acho que tanto o fato citado por mim como o fato citado pelo Emir são desconhecidos do atual SSP/RJ José Mariano Beltrame. Ja que ele nao conhece nada da história do tráfico de drogas na cidade. E cada dia dá declarações dignas de seu desconhecimento. A pior delas foi ele dizer nos meios de comunicação que não sabia da existência de fuzis em favelas do Rio na década de oitenta..a última foi a de dizer que o RJ não é violento...entre outras...

Anônimo disse...

tambem em novembro de 1988 a mesma operaçao mosaico subiu o morro da providencia no rio de janeiro e matou 8 traficantes que trocaram tiros com os policias e se refugiaram dentro de um colégio que na epoca nao estava tendo aula pois se encontrava fechado para o periodo de férias escolar !!!
se alguem tiver fotos da epoca favor postar

Anônimo disse...

O maior problema sempre foi a descontinuidade do combate e a falta de uma politica correta de tratamento dos servidores, especialmente policias, médicos e professores. A falta de salários dignos leva ao enfraquecimento em qualquer setor. Outro ponto a destacar é a "pirotecnia" das operações. Se prenderam mais de 450 Bombeiros por invadir seu QG os inquéritos (Operação Mosaico e Operaçãobandeja) tinham mais de 5.000 suspeitos que ia do cabelereiro ao açougueiro, passando pelo traficante, por sua amante, pela sogra (que nada tinha a ver com o caso), pelo anotar do jogo do bicho da esquina. E prenderam inclusive o médico que fazia atendimento a "bursite".

Anônimo disse...

Na verdade alguns tombaram dentro do cemiterio dos ingleses