terça-feira, 20 de abril de 2010

Defesa Civil não é retórica...


Para início de conversa, secretário de estado não pode “convocar” secretários municipais a pretexto de nada. Pode, sim, convidar. Afinal, o princípio da autonomia político-administrativa continua vigorando no país. Portanto, a notícia sublinha uma falácia oficial. Por outro lado, é oportuna a crítica aos Municípios, mas deveria incluir o Estado, porque ambos, Estado e Municípios, falharam antes, durante e depois dos desastres. E falharam porque não há lógica no atual sistema estadual, que abalroa a doutrina e a legislação e peca principalmente pela omissão. Convidar para discutir problemas comuns, vá, mas “convocar” soa mal. Afinal, a falha é geral: nos últimos acontecimentos ficou mais que patente a desorganização da Defesa Civil em todos os seus níveis.
De todos os eventos desastrosos, porém, sobreleva o do morro do Bumba, em Niterói. Porque construir barraco sobre lixões ocultos por camada de barro e mato a dissimular o perigo só ocorre porque a Defesa Civil desacertou, pecando também os organismos que existem com fins diretamente associados ao problema do meio ambiente e à proteção da vida humana. Esses organismos, em nome de uma discutível benevolência, acabam permitindo que gentes ignaras se lancem na aventura de morrer em consequência de desastres, em somatório à possibilidade de sucumbirem em virtude de fome e doenças no seu cotidiano de miséria.
Aos fatalmente atingidos, sobreviver em cima do lixo implicava considerar a “posse” do local onde antes garimpavam. Amontoavam-se à cata de alimento podre e quinquilharias para comercializar ao custo de centavos, disputando ou dividindo com ratos, baratas e urubus os detritos despejados por empresas particulares regiamente remuneradas pelo poder público. E debaixo da “sopa primordial da miséria” culminaram soterrados homens, mulheres e crianças desprovidos de tudo. Não possuíam nada, nem o direito de viver miseravelmente.
Essas empresas que recolhem o lixo não têm responsabilidade com o destino dele. Lixo derramado é problema da prefeitura, que, porém, escolhe lugares impróprios e não cuidam de fiscalizar no sentido de impedir o uso posterior do solo contaminado. Apenas acrescentam camadas de lixo sob e sobre a terra destinada ocultá-lo. Nada mais é feito, e quando o local atinge o ponto de saturação é abandonado, não sem antes o lixo receber “sepultamento em cova rasa”. E tudo recomeça em outro lugar, repetindo-se o tristonho cenário dos catadores de lixo e aquelas suas companhias indesejáveis. Cá pra nós, nenhum político deveria abrir a boca para falar em projetos sociais enquanto existirem miseráveis comendo lixo debaixo do seu nariz insensível.
O desastre do morro do Bumba expõe toda uma cultura generalizada de descaso com o lixo das cidades e com as gentes que dele sobrevivem em total penúria. Também os campesinos não são orientados sobre o que fazer com o lixo, em especial com a parcela não reciclável, que termina igualmente entulhada a céu aberto ou “sepultada em cova rasa”: vidros, plásticos, recipientes de venenos perigosos etc.
Desde muito tempo a desordem urbana e rural é problema nacional. A ocupação descontrolada do solo nos grandes centros urbanos e nos roçados prolifera Brasil afora. Hoje a velocidade das comunicações e a facilidade de deslocamento, se de um lado são benéficas à população, de outro contribui para a disseminação da desordem social urbana e rural, e tudo acaba eclodindo na desordem pública. Isto possui nome: calamidade social. E é indubitavelmente nacional...
A calamidade social é crônica e produz efeitos agudos de quando em quando. O deslizamento de encostas com soterramento de gentes e coisas é um dos terríveis efeitos da calamidade crônica. Não houvesse esta subsistindo em descaso não haveria aquela insistentemente ocorrendo e se tornando aguda, como é o caso do violento banditismo urbano e rural capitaneado pelo tráfico de drogas nas cidades e pelo desmatamento criminoso das florestas, tudo enfeixado num ambiente de violência e miséria.
O meio ambiente não é estanque. É sistema onde incontáveis subsistemas interagem modificando-o permanentemente. Não há como imaginar um subsistema alterando suas formas e funções sem repercutir negativa ou positivamente em outros subsistemas. Essas relações de causa-efeito serão sinérgicas, se devidamente controladas, ou entrópicas, se descontroladas.
É tão tamanhona a velocidade do processo de convivência social que acompanhar mudanças não é tarefa simples. Na verdade, somente se pode avaliar e corrigir rumos de sistemas e subsistemas por meio de outros sistemas e subsistemas não menos velozes. A Defesa Civil é sistema desdobrado em subsistemas que hão de ser velocíssimos e aprofundados para fins de prevenção às calamidades e do seu atendimento ótimo quando inevitáveis.
Sem esta antevisão conceitual da Defesa Civil, não se pode falar em pragmatismo a não ser em retórica, o que geralmente ocorre após eventos desastrosos que poderiam ter sido evitados. Portanto, a notícia em destaque, de inegável importância jornalística, não representa nada mais que engodo oficial a colocar fechadura em porta arrombada.

2 comentários:

Paulo Xavier disse...

Sou leigo neste assunto, mas suponho que para o caso do Morro do Bumba, que correu o mundo com noticiário muito triste para todos nós, deveria haver um trabalho em conjunto entre várias Secretarias de Estado como Secretaria de Obras, Defesa Civil, Ambiente, Habitação, e por que não, usar a teoria de jovens formandos e recem formados nas diversas Universidades Estaduais nas diversas áreas.
Infelizmente vemos que nada foi feito antes e muito pouco está sendo feito agora para amenizar o sofrimento daquele povo.
Quanto à Defesa Civil, faça-se uma enquete com o povão; a maioria responderá que não sabe para que serve, infelizmente.

Neide disse...

Sabemos que existe esse orgão e que ocupa um espAÇO ATÉ BEM EXTENSIVO, PELO MENOS, EM CAXIAS (bAIRRO 25 DE aGOSTO) COM INÚMEROS CARROS PARADOS EM SUA ENORME GARAGEM com o letreiro visível - DEFESA CIVIL - Ah! Mas não é em Niterói! Mas é em Caxias onde a maior parte dos bairros ficaram ilhados. Então perguntamos: Onde estava e onde está esse pessoal que deve, com certeza ter uma folha de pagamento tão ou mais extensa que os KMs imersos em lama e água sem falar nas famílias vitimadas por essa calamidade que agora ao ver público poderia ter sido evitada. O que seria dessas pessoas se não fosse o espírito humanitário de tantas outras que mesmo tendo pouco a oferecer, aoinda repartiram com os demais. Engraçado como a televisão se movimenta com programas ilusórios como Criança Esperança onde participam celebridades para arrecadar fundos para ser entregue a não sei quem para ser usada não sei aonde mas quando realmente é para ser empregado no povo ninguem, nenhuma celebridade vai a TV pedir que se faça algo em prol verdadeiro e real do semelhante realmente carente. Hipocresia! Quando tudo isso vai acabar?????? Enquanto não aprenderem a dividir e só quiserem somar nada dará certo e nunca teremos um resultado positivo. Coitado daquele que não tem para onde ir nem o que comer.Graças a Deus o nosso povo levanta, sacode a poeira e dá a volta por cimporque sabe que se ficar esperando ajuda do Governo....