quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sobre o meu fim, sem querer saber quando...



Hoje, sem muito assunto, não resisto em alfinetar quem se pensa eterno. Afirmo, pois, que se morre diariamente. A morte faz parte do finito continuum da vida terrena: nascimento-crescimento-decreptitude-morte... Porque nada sabemos do antes nem do depois... Bem, nos tempos Del-rei, nem assim tão longínquo, morria-se tísico aos vinte. Aos quarenta, era-se velho. Isto, porém, é passado, e estando certo Santo Agostinho, “o passado não existe”... Mas hoje, depois das seis décadas que vivi, as notícias de falecimento de antigos companheiros e amigos se avolumam. É assim depois dos sessenta: abundam obituários de gentes boas e ruins. No fim de contas, a Dona Morte é democrática... Ah, talvez tudo isso seja uma espécie de preparo para enfrentar o fim. Mas não pensei nele, no fim, antes dos doze lustros; fui otimista, muitos nem chegam neste meu estádio temporal. Dei sorte! Na profissão policial, é luxo viver tanto. Não falo de morte por tiro ou acidente. Falo dos estresses que nos assolam a cada dia de incompreensões. Nem me refiro às extramuros da caserna, mas às intramuros que tanto nos desgastam. Por conta da disputa de um falso poder e suas indefectíveis solenidades, as desavenças são muitas; destroem-se as decenárias amizades e a saúde enquanto os peitos se enchem de medalhas e os ombros, de galões. Por isso, de uns tempos para cá me venho afastando de alguns ou afastando alguns de mim ou sendo afastado por alguns... Cônscio, portanto, de que estou caminhando lentamente para o túmulo, como todos os que gravitam a minha idade (63), o que menos desejo é presença indesejável no meu velório. É verdade, numa boa, “não quero choro nem vela” de pessoas que, no fundo, se sabem excluídas do meu coração, e também “não quero fita amarela gravada com o nome dela”... Não que essas pessoas estejam inseridas no meu descontentamento; não me sinto descontente com ninguém a não ser comigo mesmo. Nem tanto descontente de mim como um todo, mas com a minha burrice, com a leviandade no uso do meu tempo, com as minhas impaciências, com os meus defeitos morais etc. Estou descontente de mim, sim, mas espertamente me perdôo. Assim seguirei mais livre, leve e solto ao além ou ao aquém, sei lá. Sei que sou feito de átomos com funções que serão outras adiante, e que já se prestaram a ser árvores, postes ou pontes antes de mim. Ainda poderei ser concomitantemente mosca, abelha, chipanzé, elefante, ameba, ou estarei integrado a um machado perfumado do sândalo por ele tombado. Ou... ah, não me importa o que fui ou serei! Sei que agora sou... feito de átomos e sempre estarei vivo, consciente ou inconsciente disso (“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” – Lavoisier). Conforta-me pensar deste modo, incomoda-me apenas estar mal-acompanhado ao findar a existência dos meus átomos me formando humano. Por outro lado, há gentes que jamais saberão que as dispensei de mim, e que, por me amarem, estarão sinceramente chorando a minha passagem desta para qualquer outra função universal; ou rindo dela, da minha passagem, se não gostarem de mim ou se perceberam a dispensa prévia... Falo apenas das poucas gentes ruins que me sugaram o caldo, não como vampiros, não, mas das que sugaram a minha bondade ou a minha maldade por necessidade material ou espiritual. De um modo ou de outro, porém, e infelizmente, há ainda os sortílegos que me chupam como a uma laranja doce ou ácida. E sem dó nem piedade jogam o bagaço fora... Espero, todavia, que, escoado o meu tempo, o bagaço seja ao menos um bom estrume...

7 comentários:

Anônimo disse...

Sou policial civil do Maranhão, e Presidente do Sindicato da minha categoria, um grande orgulho, uma grande responsabilidade. e, verificando atentamente os blogs de trabalhadores policiais, deparei-me com o texto, um conteudo impactante e por sê-lo, mereçe uma profunda reflexão nessa quase impossivel missão de ser cidadão policial no Brasil, e buscar a cada instante uma forma de neutralizar um profundo vazio que nos acomete por sermos policiais e imcompreendidos...

Amon Jessen
Investigador de Polícia Civil/MA

Rose Mary M. Prado disse...

Foi Quintana quem disse: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver". Pois em sua visão, deixar de viver era certamente um problema maior que a própria morte.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos “is” a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços...

“o sentido da vida está em que não há sentido uma vida sem sentido”.

E pelo pouco que te conheço você transpira vida, nas suas atitudes, no seu olhar, no seu não-ter-medo-de-viver.

Emri Larangeira disse...

Agradeço ao companheiro policial civil a participação e o comentário. Agradeço também a minha amiga Rose, sempre impressionado com a sua sensibilidade.

Wanderby disse...

Sr TC
Embora creia sermos espíritos imortais (e o Sr despertou-me a interrogação quanto a serem os espíritos - em essência - compostos ou não também de átomos), espero egoisticamente (reconheço) que tenha ainda pela frente algumas décadas de vida terrena.
E aproveito o ensejo para dizer que o Sr nunca será bagaço, embora suas ideias e posições sejam (e justamente por isso não o será) adubo para a construção de realidade menos ultrajante.
Mesmo sendo quem é, o Sr encarna de forma autêntica o valor do ser em detrimento do ter (medalhas, "poderes", estrelas, etc & tal).
Minha continência.

Anônimo disse...

Certa vez assistindo ao julgamento de um amigo PM no Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça alegou que legítima defesa é aquela árvore que nasceu e cresce na torre da Igreja do Ponto Cem Reis de Santana. Ninguém a plantou, o local é impróprio para o seu desenvolvimento, nunca ninguem a regou, a não ser a natureza e ela está lá; firme e saudável. Cel Larangeira, façamos como essa árvore. 60, 70, 80 ou 90 anos não será motivo para pensarmos em morte e que vivamos intensamente com toda a plenitude que o Criador nos concedeu.
O Pm em tela (havia matado um bandido) foi absolvido por unanimidade. Um afetuoso abraço. Paulo Xavier

Emir Larangeira disse...

Obrigado aos amigos pelos comentários. Ao Wanderby, particularmente, digo que acredito no espírito feito de partículas muito menores que o átomo e que ainda desconhecemos. Mas que é natural, tenho certeza, porque faz parte da Natureza (Universo). O espírito, creio, é pura energia cósmica.

Sayonara Salvioli disse...

Amigo,

Divagações metafísicas à parte, embora eu também especule o tema da eternidade, prefiro não delinear o vocábulo fim no contorno de minhas acepções mais profundas (risos)... Prefiro tentar acreditar na continuidade, quem sabe até na plenitude da vida!

No entanto, compreendo perfeitamente o seu divagar literário, que - apesar da imaginação que o caracteriza - guarda em si também a lógica da Ciência, ante seus apontamentos acerca de arrojada compreensão quântica!...

No fim de contas, sendo o perispírito ou um conjunto de átomos o liame entre o espírito e a matéria, talvez o que importe mesmo seja a força do pensamento
(ou a potencialização da fé?!) para a abundância do viver e do bem-estar (quem saberá?). Assim, recorro ao pensamento de Aristóteles - que afirmava ser a felicidade a suprema busca humana -na tentativa de me situar bem nesse contexto de harmonização com o Cosmo.

Enfim, seu post propicia imensa gama de discussões e descortinamentos!...

Saudações literárias :)